DANIEL FERREIRA/CB

No cravo- Moacir Morais (esq.) está às voltas com uma
acusação de abuso de poder contra a construtora
Real Engenharia. Na ferradura- Antônio Fernando de Souza (dir.),
o atual procurador-geral, é acusado de manipular votações no Conselho Superior do MP

É da natureza da função. Como são uma espécie de promotores do cidadão nas questões que envolvem dinheiro público, os procuradores da República são especialistas em fazer denúncias e acusações. É assim que servem ao público. O problema é que, ultimamente, os procuradores parecem ter também optado por se valer dos seus talentos para fazer denúncias e acusações uns contra os outros. As sindicâncias internas e os pedidos de punição se tornaram o desdobramento de uma briga política que se iniciou após a substituição de Geraldo Brindeiro por Cláudio Fontelles no comando da Procuradoria Geral da República no início do governo Lula. Uma disputa que divide o Ministério Público em três grupos: os remanescentes dos tempos de Geraldo Brindeiro; os aliados de Fontelles e de seu sucessor, Antônio Fernando de Souza, e uma leva de procuradores independentes. ISTOÉ obteve documentos que mostram quão violento é o embate entre esses grupos. No centro das brigas mais recentes estão, de um lado, Moacir Guimarães Morais Filho e o próprio Antônio Fernando de Souza e seus aliados.

 

Para travar o andamento de um processo contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público, Moacir Guimarães conseguiu na semana passada que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, concedesse uma liminar em seu favor. Moacir é acusado de abuso de poder pela construtora Real Engenharia Ltda. Em 2003, ele comprou uma sala em um prédio feito pela empresa na Asa Norte, em Brasília. Ao final, a comissão de condôminos fez várias contestações à B R A S I L obra e se opôs a uma cobrança que a empreiteira fazia de uma taxa de R$ 360 para pagar as despesas com a escritura. Integrante da Câmara do Consumidor do Ministério Público, Moacir abriu um procedimento administrativo investigatório contra a Real. Como procurador, recomendou aos cartórios de Brasília que não lavrassem escrituras da empresa, e ainda entrou com representação contra ela no Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. Com ele, atuou outro procurador, João Francisco Sobrinho, também comprador de uma sala no mesmo prédio. “Se o procurador tinha diferenças contra a empresa, que a processasse, como qualquer cidadão. O que me espanta é alguém se valer dessa forma do poder que o cargo lhe concede para resolver uma questão pessoal”, diz o advogado Bento Cayres, da Real Engenharia.

Moacir defende-se dizendo que, se havia um grupo de consumidores, era sua tarefa, como membro da Comissão de Defesa do Consumidor, defendê-los. O fato de ser um deles, no seu entender, não o tornaria impedido. “Senão eu não poderia atuar contra uma empresa de telefonia celular ou uma fábrica de pastas de dente, porque eu também uso esses produtos”, argumenta. É discutível. Para alguns integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público, o grupo de pessoas que compraram imóveis da empreiteira não é tão difuso quanto o daqueles que compraram salas da Real Engenharia. Isso é que será julgado. O que Moacir contesta é o fato de o processo ter ressurgido no Conselho Nacional depois de ter sido arquivado numa instância inferior, o Conselho Superior do Ministério Público. “O processo só voltou porque sou adversário do Antônio Fernando. Isso é político”, afirma ele.

Da mesma forma, Antônio Fernando de Souza é alvo de ações patrocinadas por Moacir que também serão julgadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Uma delas diz respeito à atuação do procurador-geral no julgamento de correições internas no Conselho Superior, do qual é o presidente. Moacir denuncia que Antônio Fernando, por mais de uma vez, já virou decisões do conselho votando duas vezes: primeiro vota para empatar uma deliberação da maioria, depois, como presidente do conselho, dá o voto de Minerva desempatando na direção oposta. “Esta maneira casuística de conduzir a matéria perante o Conselho Superior pode ser examinada à luz do abuso de poder e até da improbidade administrativa”, ataca Moacir, na ação que move, com outros procuradores, contra Antônio Fernando de Souza.

Essa guerra acontece quando já se discute a sucessão do procurador-geral. Existe uma chance de que ele seja reconduzido, mas é provável que o comando continue com alguém do seu grupo. “O que acontece é que eu e outros nos colocamos contra isso. E, aí, somos vítimas desses processos”, reclama Moacir.