09/03/2005 - 10:00
O jornal The New York Times pode, por vezes, andar às turras com o governo Lula, mas nem todos na grande imprensa americana acompanham. Na terça-feira 1º, por exemplo, Lally Weymouth – herdeira de Katharine Graham, do Washington Post e revista Newsweek – recebeu o ministro da Casa Civil, José Dirceu, para um jantar. A pedido do empresário brasileiro Mario Garnero, ela convidou cerca de metade do PIB de Wall Street para ouvir o chefe da Casa Civil. No dia seguinte, em um café da manhã oferecido por Georgette Mosbarcher – CEO da empresa de cosméticos Borghese Inc, e autodefinida como “republicana ferrenha”, outros 20 representantes do alto capitalismo fariam corte a Dirceu. O périplo do ministro aos Estados Unidos, na semana passada, teve um circuito repleto de salões nobres. O último deles foi o Departamento de Estado, onde a secretária de Estado, Condoleezza Rice e Stephen Hadley, assessor de Segurança Nacional do presidente George Bush, serviram de anfitriões. Antes de Washington, em meio a tantos endereços glamourosos, estava a mansão-residência do representante do Brasil nas Nações Unidas em Nova York, embaixador Ronaldo Sardenberg, onde o ministro Dirceu recebeu ISTOÉ para uma conversa exclusiva.
ISTOÉ – Ainda na campanha eleitoral de 2002, o sr. veio aos Estados Unidos munido de uma carta de intenções de um futuro governo Lula. Essas promessas foram cumpridas? E, desta vez, tem outra carta para as comunidades financeira e política americanas?
José Dirceu – As metas iniciais – que estavam naquela carta do presidente Lula – foram cumpridas. Hoje o governo inicia uma segunda fase de reformas. O presidente Lula apóia a reforma política, que é muito necessária. Já enviou ao Congresso a legislação que vai completar a reforma do Judiciário. Já aprovou a Lei de Falência e outras. Do ponto de vista das prioridades, o governo tem como meta principal a questão da estrutura de transporte no País e do setor elétrico. O nosso presidente está garantindo essas prioridades e reformas, e é nestes campos que procuramos apoio da comunidade internacional. Convidamos a comunidade internacional para participar dos projetos de melhorias na educação e tecnologia, além da infra-estrutura do País. Ou seja: temos de aumentar os investimentos no País. O Brasil precisa crescer 7% ao ano. Mostramos que somos capazes de manter o controle da inflação, de gerenciar a economia sem sustos, e agora está na hora de sermos ajudados no desenvolvimento destas metas prioritárias que citei. O governo vai fazer todas as reformas necessárias – no mercado de capitais, no sistema financeiro, etc. Assim se mostra a determinação do governo em melhorar o crédito do País.
ISTOÉ – Na sua fala há uma clara mensagem de desejo de continuidade.
Quais as possibilidades de reeleição do presidente?
Dirceu – Nós não podemos ter como objetivo neste ano a eleição presidencial. Temos de terminar obras importantes de infra-estrutura e iniciar outras. Agora, é evidente que o presidente Lula tem apoio da sociedade brasileira para disputar uma reeleição. Tem apoio do PT e de outras forças políticas. E também tem apoio nas pesquisas. Mas esta questão, acredito, será analisada no ano que vem. Quando chegar o momento, o presidente Lula vai tomar a decisão. Hoje ele tem condições de se reeleger e, inclusive, de ampliar sua base de apoio.
ISTOÉ – A guerra verbal entre o PSDB e o PT entrou em alta temperatura.
Já foi dada a largada para 2006?
Dirceu – Nós não podemos aceitar a agenda do PSDB, que é de antecipar a sucessão e criar crises artificiais – políticas e institucionais. Nem podemos aceitar a tentativa do PSDB de desqualificar o nosso governo, com o carimbo da gastança e da ineficiência. Até porque isso não corresponde aos fatos. Nós temos muita responsabilidade fiscal e administrativa. Estamos reestruturando a máquina administrativa que eles sucatearam nos oito anos que governaram o País.
ISTOÉ – Aos 25 anos, o PT já aprendeu a ser vidraça?
Dirceu – A agenda do PT é sempre a de modernização do partido. Estamos sempre vivendo um renascimento. O PT hoje, depois de dois anos de governo, já pode olhar para trás e ver que precisa fazer algumas mudanças. Eu estou dando palpite de fora, como membro do diretório nacional, filiado e deputado eleito pelo PT. Quem sabe onde aperta o calo é o presidente José Genoino. Mas vou me permitir dar algumas sugestões, que já transmiti a vários dirigentes do PT, inclusive ao presidente Genoino. O PT tem de melhorar a sua comunicação com a sociedade e com seus filiados. Um partido que está no governo tem a obrigação de levar à sociedade e a seus filiados as suas posições – sua visão sobre o governo e sobre a própria sociedade. O partido precisa se qualificar cada vez mais para ter o papel crítico de avaliação de seus governos.
ISTOÉ – Mas muitos que criticaram tiveram de sair do partido.
Como se daria esta melhor qualificação crítica do partido?
Dirceu – O partido precisa se fortalecer como organização. Estar informatizado, dar atenção a seus filiados, ter finanças próprias sólidas. O PT tem de ter uma série de contratos, convênios com entidades públicas – ONGs, universidades, por exemplo – para formar novos quadros para a administração pública, de governo. Nós temos a Fundação Perseu Abramo, que é um centro de excelência hoje, com bons cursos. Posso dizer que se trata da melhor Fundação de partido que se tem no Brasil. O PT tem de se afirmar cada vez mais como uma instituição. Mas, evidentemente, o PT – ao mesmo tempo que apóia o governo – deve ter o distanciamento crítico para avaliar certas metas que foram estabelecidas. E buscar sempre consolidar uma maioria e unidade no partido.
ISTOÉ – A eleição para a presidência do PT
será em setembro próximo. Quem é o seu candidato ao cargo?
Dirceu – Nós estamos apoiando a reeleição do presidente Genoino. Se ele concordar em disputar a reeleição, terá o meu apoio. Um
apoio que vai para ele e um programa que
vem de uma aliança de forças internas do PT. Temos de eleger uma direção forte, renovada. O partido apóia e sustenta o governo, mas o partido não é do governo. O PT tem de ter um distanciamento, ter capacidade crítica, capacidade de fazer propostas e de retificar caminhos do governo. Isso está presente em qualquer democracia partidária.
ISTOÉ – A palavra coalizão está sendo muito usada por membros da base aliada. Qual a chance de isso acontecer? O que é, a seu ver, este governo de coalizão?
Dirceu – Este governo foi eleito por uma coalizão. Tem o apoio do PT e de outras forças políticas, como eu disse. E tem condições de ampliar este apoio. Nós somos uma democracia partidária.
ISTOÉ – O sr. vai continuar mesmo no cargo? Não vai se candidatar à reeleição a deputado federal em 2006?
Dirceu – Esta é uma questão que depende do presidente Lula e do PT. O que eles decidirem eu acato. Eu sou deputado federal, já fui estadual, já fui candidato a governador, gosto de ser parlamentar. Gostaria de me candidatar novamente a deputado federal. Mas, se for necessário permanecer no governo, eu não tenho nenhum problema em abrir mão desta candidatura.
ISTOÉ – O sr. mencionou no café da manhã reservado com empresários e políticos americanos que os juros do Brasil são absurdos. Citou exemplos.
Poderia repeti-los?
Dirceu – Bem, eu disse que não podíamos viver com juros tão altos. Disse que o spread bancário é 68% maior do que o dos Estados Unidos. Mostrei meu relógio e disse que quem tentar comprar este relógio – ou qualquer outra mercadoria, seja um móvel, seja qualquer artigo – a prazo vai pagar no final duas ou três vezes o valor original do item. Precisamos melhorar estes patamares, e já estamos implementando políticas para que isso aconteça.
ISTOÉ – O sr. vai a Washington falar com a secretária de Estado, Condoleezza Rice, e com o assessor de Segurança Nacional, Stephen Hadley. O que será discutido com eles?
Dirceu – A pedido do presidente Lula e do ministro Celso Amorim, eu vou comparecer a uma audiência com a secretária Rice e com o assessor de Segurança Nacional Stephen Hadley. A pauta foi estabelecida pelo Itamaraty e pelo Departamento de Estado americano. Um dos pontos é a possibilidade de uma visita do presidente Bush ao Brasil. Temos também a retomada da Alca, temos questões bilaterais em várias frentes, e sempre existem temas do momento a serem levantados de maneira reservada.
ISTOÉ – Em termos de estabilização na América Latina, o Brasil poderia servir como um intermediário pela normalização das relações entre Cuba e Estados Unidos? Hoje, no encontro com empresários, este assunto consumiu grande
parte de seu tempo.
Dirceu – A posição do Brasil, tanto sobre Cuba quanto sobre a Venezuela – que também tem chamado muita atenção –, é pública e clara. Já dissemos que somos contra o bloqueio, que esta política não vai ajudar em nada, e que devemos integrar Cuba à comunidade americana. Agora, nós não fomos chamados para ser intermediários entre Cuba e Estados Unidos.
ISTOÉ – Finalmente, o sr. não acha irônico que um ex-exilado em Cuba, um
homem que estava preso e foi trocado por um embaixador americano sequestrado, vá agora se encontrar com a secretária de Estado – que é a
cabeça da diplomacia dos Estados Unidos?
Dirceu – Estas são as coisas da vida. Quem diria, também, quando a secretária Rice nasceu, que ela ocuparia no futuro este posto tão importante? A vida nos reserva surpresas. De todo modo, ela representa o seu governo, eu represento o meu presidente e governo. Nossas funções foram delegadas pelos nossos presidentes, que receberam seus cargos pelos votos dos brasileiros e dos americanos.