04/03/2009 - 10:00
MENINOS DE RUA Cena de Quem quer ser um milionário?: a pobreza deu realismo ao filme rodado na Índia
Indicado para dez Oscar e vencedor de oito, o filme anglo-indiano Quem quer ser um milionário? (estreia no Brasil na sexta-feira 6) quase não saiu do papel. Feito ao custo de US$ 13 milhões, irrisório para o padrão americano, esse drama romântico, na verdade, era para nem ter chegado aos cinemas dos EUA porque a sua distribuidora inicial, a Warner (depois passou para a Fox), cogitou lançá-lo diretamente em DVD – considerava-o inviável para o grande público porque não exibe estrelas entre os protagonistas (a maioria deles é indiana) e se passa em favelas nada agradáveis de serem vistas por quem pretende que um filme seja só leveza e entretenimento. Junte-se a isso o fato de um quarto dos diálogos ser falado em hindi, um dos dialetos do país. Quem quer ser um milionário? tinha, portanto, tudo para nem sequer participar de uma premiação.
Uma das cenas que certamente contribuíram para tanto receio remete ao garoto Jamal, protagonista da história, que mergulha num fosso para pedir autógrafo a uma estrela de Bollywood. Saber que a sujeira desse fosso foi feita de chocolate e pasta de amendoim não diminui o nojo. Em contrapartida, o diretor inglês Danny Boyle contou com o carisma de garotos escolhidos em favelas de Bombaim, seguindo a cartilha consagrada por Cidade de Deus, bem melhor que o atual campeão do Oscar.
A autenticidade das atuações foi conseguida graças à codireção de uma indiana, Loveleen Tandan, ao uso de uma equipe técnica local e, especialmente, ao emprego de leves câmeras digitais que permitiam mobilidade incrível nas vielas das chamadas "cidades de lata". No caso do filme, a favela escolhida como locação foi a de Dharavi, uma das mais populosas do mundo.
O escritor indiano Vikas Swarup, diplomata radicado na Inglaterra, concebeu o enredo sem nunca ter posto os pés no lugar. Ele escreveu em 2005 o romance Q & A cujo título se refere ao show Quem quer ser um milionário?, ao qual o garoto Jamal se candidata e está prestes a ganhar 20 milhões de rúpias (em torno de R$ 900 mil) quando a trama se inicia.
Como ele não frequentara a escola, mas acerta todas as respostas, é levado preso sob suspeita de trapaça. Antes de o livro ser publicado, os direitos de filmagem foram comprados pela produtora inglesa Film 4, e aí surgiu a primeira das dificuldades enfrentadas pela produção: Paul Smith, o criador do programa, não havia sido consultado.
Superado esse obstáculo, outros se apresentaram. Mas Boyle sempre deu a solução mais eficaz, como, por exemplo, a de escolher um inglês descendente de imigrantes (Dev Patel) para interpretar Jamal aos 18 anos. Fez isso porque a escolha de um indiano comprometeria a eficácia da direção. Somados todos os acertos, o filme ganhou aos poucos a simpatia do público: começou com uma bilheteria magra em novembro de 2008 (US$ 300 mil em dez cinemas) e em três meses chegou aos US$ 100 milhões. É certo que bilheteria nunca foi sinônimo de qualidade. Mas é difícil entender como essa produção mediana derrubou concorrentes em categorias importantes como as de melhor filme e diretor. Talvez seja a alternativa "d" do quiz show: destino.