09/04/2008 - 10:00
O pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), um dos grandes nomes da arte barroca, sempre foi prestigiado por reis, nobres e padres. O motivo é óbvio: as suas telas valorizavam sobretudo a monarquia, a riqueza e os temas religiosos. Ele era tão íntimo do poder que chegou a ser nomeado diplomata. Mais ainda: se era comum os mecenas contratarem artistas para serem imortalizados em quadros, com Rubens ocorria o contrário – ele era pago para pintar a si próprio porque os poderosos queriam a sua imagem pendurada nas paredes. Foi assim, por exemplo, com o Auto-retrato que pintou em 1623 para o rei da Inglaterra Carlos I e que hoje se encontra no Castelo de Windsor. Nesse caso, Rubens ficou tão triste de se desfazer de seu trabalho que, antes de enviá-lo ao rei, pediu a seus assistentes para copiaremno em forma de gravura. Isso acabou virando rotina e, assim, a maior parte das três mil obras que produziu foi copiada com sua autorização por uma equipe de gravuristas por ele contratada. São justamente 82 dessas gravuras que agora estão sendo exibidas pela primeira vez na América Latina na exposição Rubens – o gênio do barroco e sua obra gráfica (Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza). São passagens bíblicas e mitológicas, paisagens, retratos e cenas de caça marcados pelo uso sistemático do claro-escuro, do movimento e da voluptuosidade dos corpos.
A mostra desembarcou no Brasil vinda do museu alemão Siegerland Oberon Schloss, na cidade de Siegen, na qual nasceu o pintor (no século XVI essa região fazia parte dos Países Baixos). O conjunto de gravuras pertencia a uma coleção particular, mas foi adquirido pela Prefeitura de Siegen há menos de dez anos e, visitando o museu na época em que organizava uma mostra sobre Maurício de Nassau, o curador holandês radicado no Brasil Pieter Tjabbes deparou-se com elas. O fato de não terem sido feitas diretamente por Rubens, mas sim por seus assistentes, a partir de telas pintadas por ele, não as desqualifica em nada. "Esse procedimento era muito comum na Idade Média e na época do barroco, e os artistas não eram alunos, mas profissionais que trabalhavam nos ateliês. A questão da autoria em arte é recente, começa no século XIX", diz Tjabbes. Entre os seus gravadores estavam Paulus Pontius (1603-1658) e Lucas Vorsterman (1595-1675), que assinou uma das obras mais impressionantes da exposição atual em Fortaleza: A batalha das amazonas, retratando as diversas lutas que os soldados gregos travaram com mulheres guerreiras. Medindo 68,8 cm X 119,7 cm, ela é composta por seis chapas e originou-se da tela de mesmo nome, hoje na Pinacoteca Antiga de Munique. Quando estava finalizando esse trabalho, Vorsterman brigou com Rubens. "Não posso arrancar o trabalho desse homem, embora ele já tenha sido pago há três anos sem concluir a sua tarefa", teria lamentado o pintor quando dispensou Vorsterman. "Rubens tinha cabeça de empresário", diz Tjabbes. "Cuidava da parte artística, mas também nunca descuidou da parte econômica, mesmo porque só trabalhava por encomenda."
Movimento e curvas A gravura A batalha das amazonas
é a maior obra do gênero feita nos Países Baixos até a época de Rubens
e foi realizada usando seis chapas de cobre
Como todo empresário bem-sucedido, Rubens queria ter o controle absoluto da qualidade daquilo que era feito em seu nome – ou seja, da sua marca. A começar pela técnica: a do buril, que era executada por meio de incisões sobre uma chapa de cobre, permitindo traços exatos e toda a matiz de claros e escuros. O curioso é que, quando ele pegava o cinzel, preferia a água-forte, com resultados melhores em relação ao desenho. Duas das gravuras assinadas pessoalmente pelo pintor foram feitas nessa técnica e estão na exposição: Santa Catarina envolta em nuvens e Velha senhora com criança e vela – a segunda, tecnicamente perfeita com sua luz vinda de baixo clareando apenas parcialmente o rosto dos retratados, traz a legenda: "Passar a luz de uma vela para a outra diminui a sua intensidade? Ainda que se apaguem milhares de outras luzes, essa luz não se apaga" (trata- se de uma alusão à perpetuação da vida). Além de legendas, as dedicatórias também eram uma característica desse artista, através daquilo que se chamava concessão de privilégio. Esse título real (Cvm privilegii, em latim), grafado na parte inferior das obras, era a garantia conferida por um rei de que a gravura não seria copiada por ninguém, já que ficava claro que ela era original e o resto seria imitação. Ou seja: há tantos séculos, Rubens já era preocupado com a pirataria e conseguiu o apoio da Inglaterra, da França e dos Países Baixos na cruzada contra os falsificadores. Outra curiosidade de suas obras são as liberdades poéticas. Em A Sagrada Família com um papagaio, por exemplo, Jesus é visto com uma dessas aves. Apesar de seu amor à natureza, não consta nas Escrituras que Cristo andasse com papagaios.