Em ofensiva para pressionar o presidente Lula, o MST deu início ao “Abril Vermelho” – mês que promete ser marcado pela retomada das invasões a propriedades rurais. O objetivo é retirar o Planalto da inércia dos quatro anos de governo Bolsonaro e reintroduzir a reforma agrária na pauta do Executivo. No meio da tempestade que se forma, está o ministro da Agricultura e Pecuária (Mapa), Carlos Fávaro (PSD-MT). Escolhido pelo presidente para uma reaproximação com o agro, ele tem subido o tom, endossando as críticas às ocupações de terras. “Temos que repudiar quem invade terras produtivas”, enfatiza. Ao mesmo tempo, afaga aos invasores: “A luta pela terra é legítima, desde que dentro da lei”. À medida que tenta agradar gregos e troianos, Fávaro também terá a difícil missão de descolar o agro do bolsonarismo. Para isso, aposta em benesses ao setor. Entre as propostas à mesa, ele tenta uma parceira com o Banco do Brics, presidido por Dilma Rousseff, para ampliar o crédito aos produtores. “É uma grande oportunidade”, avalia. Agropecuarista de Mato Grosso, o titular do Mapa ainda elogia Lula por estreitar laços com seu maior parceiro comercial, a China, em viagem promovida ao país asiático nesta semana. “É a volta da diplomacia”, resume.

Os 100 primeiros dias do governo Lula foram marcados pela retomada das invasões de terras fomentadas pelo MST. Só nos três primeiros meses deste ano, o número de propriedades invadidas superou o total do primeiro ano de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como o senhor enxerga a volta das invasões de terra?
É algo descabido, desproporcional e repudiante. Na mesma proporção em que temos de repudiar quem invadiu o Congresso Nacional em 8 de janeiro, temos que repudiar quem invade terras produtivas. O direito à propriedade é algo sagrado.

Vivemos a expectativa por novas invasões após o anúncio do “Abril Vermelho” pelo MST. Haverá conivência do governo com as invasões? Os produtores têm motivo para se preocupar?
O governo não vai expropriar a terra de ninguém. O presidente Lula nunca fez isso, nem nunca fará. Isso eu posso lhe garantir. O exemplo arrasta mais do que as palavras. Lula foi presidente por oito anos e ninguém perdeu terras para o MST. O governo, quando fez reforma agrária, comprou de quem queria vender.

As invasões são uma forma de pressão por parte dos movimentos sociais para terem suas reivindicações atendidas pelo governo?
Por quê vai invadir? O governo do presidente Lula é do diálogo. O que o MST ficou fazendo durante os quatro anos de governo Bolsonaro? Em um governo que não os tratou bem, não deu atenção à pauta da reforma agrária e eles ficaram quietinhos. Aí, em um governo que tem compromisso com a reforma agrária sem dar prejuízo para o produtor, eles resolvem invadir com três meses de mandato.

Os movimentos sociais podem esperar sinalizações positivas do governo na pauta da reforma agrária?
Não precisa invadir terra para pensar em reforma agrária.Terra invadida não é mais passível de reforma agrária. Então, não entendo a lógica. Só gera desgaste. É legítimo o sonho para quem tem vocação, de ter um pedaço de terra para produzir alimento e é legítimo o sonho de ter a casa própria. Para todos aqueles mais humildes, que não conseguem realizar esses sonhos sozinhos, é papel do Estado prover essas realizações. A luta pela terra é legítima, desde que dentro da lei.

O senhor assumiu o Ministério da Agricultura com a missão de retomar a boa relação de Lula com o agronegócio. Avalia que nestes primeiros 100 dias de governo já houve uma sinalização positiva do setor?
Claro que sim. Já melhorou muito. Temos um bom ambiente com todos que estão dialogando. Todos aqueles que quiserem olhar para a frente e trabalhar em prol do agronegócio, e em prol do desenvolvimento econômico do País, irão encontrar grandes parceiros no governo do presidente Lula.

Ainda durante a campanha, o presidente Lula criticou o agronegócio, em especial pelo aumento no desmatamento. As declarações não repercutiram positivamente à época, em especial pela proximidade do agro com a pauta bolsonarista. O que mudou de lá para cá?
Estamos vivendo isso por etapas. Primeiro, é legítimo o agro apoiar e ter um candidato. Eles escolheram Bolsonaro e trabalharam por ele. Isso faz parte da democracia. Agora, não compreendo o motivo da escolha. Quando colocamos na balança, e eu fiz isso com tranquilidade, o que o presidente Lula fez pelo agro nos primeiros mandatos não tem comparação com o que Bolsonaro fez. Pelo agro, Lula atuou inclusive contra pautas do próprio PT, como a regulamentação dos transgênicos.

Qual o mérito que Bolsonaro teve para atrair o agronegócio e jogá-lo contra Lula?
Eu me questionei muito sobre isso. A competência de Bolsonaro foi saber vender muito bem a retórica. Ele colou no presidente a retórica de que a pauta dele seria a da invasão, da desapropriação de terra, da tributação à exportação de produtos agropecuários e da insegurança jurídica. E, se em algum momento Lula representou esse risco, foi lá nos anos de 1980, quando fundou o PT. Essa retórica não prosperou nos oito anos de mandato do presidente Lula. Ele, enquanto presidente, representou avanços para o agro.

Nestes primeiros 100 dias de governo Lula, já houve avanços em pautas do agronegócio?
Avalio que a principal realização do Ministério da Agricultura nesses 100 dias, sem sombra de dúvidas, foi abrir o mercado em todos os lados do mundo. Isso reverbera lá dentro do Ministério da Fazenda, em oportunidade comercial. O Brasil vai ganhar dinheiro. E não dá para dizer que não é Lula que está fazendo isso pelo agro.

O senhor se tornou o principal representante do governo durante a viagem à China ainda em março deste ano, após o presidente Lula ter adiado a ida ao país por questões médicas. Qual o balanço que o senhor faz desse primeiro encontro com os chineses?
A viagem serviu para a gente formalizar mercados que ainda não tinha, serviu para fomentar acordos de ampliação de mercado – isso tudo já está pronto e será formalizado pelo presidente Lula nesta viagem entre os dias 11 e 14 de abril. Temos acordos muito bons para serem formalizados.

Qual o balanço que o senhor faz das duas viagens diplomáticas organizadas por Lula à China?
Em primeiro lugar, está a retomada da diplomacia e dos laços fraternais com os chineses e a gente percebe isso. O clima reflete isso. A gente tem que reconhecer que nos últimos quatro anos a diplomacia brasileira não foi das melhores, não só com a China. Uma diplomacia marcada por soluços com a Argentina; com toda a América Latina; por um breve momento de êxtase com os Estados Unidos, porque em algum momento era alinhado ideologicamente com o presidente Donald Trump e depois já deixou de ser; com a União Europeia e com a Ásia.

Ainda na primeira viagem, o governo foi muito criticado por integrar a comitiva brasileira os irmãos Joesley e Wesley Batista, empresários do grupo J&F, da JBS. Como o senhor recebeu essas críticas?
Foi uma reação desproporcional. Nós temos que considerar que a comitiva do ministério levou 110 empresários, entre pequenos, médios e grandes representantes de vários setores. Também precisamos lembrar que a JBS é a maior empresa de alimentos do mundo, passou a Nestlé este ano. É uma empresa brasileira e que gera centenas de milhares de empregos de maneira direta e indireta. Como é que eles não poderiam estar lá? Podem, e devem, estar lá.

Como viu as declarações do presidente da Apex Brasil, Jorge Viana, vinculando o agronegócio ao desmatamento na Amazônia?
O presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), não desceu do palanque ainda. A ex-ministra da agricultura e senadora eleita, Tereza Cristina (PP-MS), que eu tanto elogiei e reconheço o belo trabalho, também não desceu do palanque. Eles criticaram a fala do Jorge Viana na China, que não falou nada de errado nem nada por mal. Pergunte a qualquer um dos 110 empresários produtores rurais e representantes de entidades de classe se algum deles se sentiu ofendido. Ele não falou nenhuma mentira e muito menos ofendeu ninguém.

Recentemente, o senhor sinalizou com a possibilidade de trabalhar junto ao Banco do Brics para ampliar a oferta de crédito aos produtores rurais. Essa é uma das propostas do governo para o setor?
Essa é uma grande oportunidade. O Brasil tem crédito e credibilidade internacional. E seria uma oportunidade para o agro brasileiro, que tiraria um peso, neste início pelo menos, do equacionamento de taxas de juros que é feito pelo Tesouro Nacional. Isso significaria menos despesa, mas garantindo competitividade dos produtores

Há risco para os produtores rurais nesta eventual operação?
Isso não é um sonho do ministro Carlos Fávaro. O Banco do Brasil, durante dois anos, trabalhou essa equação de captar recursos dos Brics para financiar investimento no agro a médio e longo prazo. Foram captados US$ 200 milhões e emprestou-se esse montante a uma taxa de juros compatível. Essa operação-teste teve boa aptidão do mercado. É uma oportunidade de financiar os produtores com juros mais acessíveis.

Lula já procurou a presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, para dar início às tratativas?
Ainda não. Quando soube que o Banco do Brasil fez uma operação dessas, a presidente Dilma Rousseff ainda não havia sido indicada para o banco. Mas o presidente Lula está ciente. Ele já sabe com certeza que iremos abrir essa negociação em breve.

O senhor é filiado ao PSD e chefia um dos ministérios cedidos ao partido. Avalia que a bancada está satisfeita com o relacionamento com o presidente Lula?
O que estamos fazendo é dialogar. O PSD tem uma característica que está na essência do partido e que foi criada pelo nosso presidente Gilberto Kassab, e que diz: ‘Quem não se reúne, não se une’. Dentro do PSD, o diálogo está sempre aberto e tenho sentido por parte do ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, abertura total para diálogo do governo com as bancadas.