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Novas musas de Woody Allen
Penélope Cruz, Scarlett Johansson e Rebecca Hall ganham ótimos papéis no filme Vicky Cristina Barcelona

por Ivan Claudio
 

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Sempre espirituoso, no diário de filmagens Allen faz comentários sobre a aventura de dirigir um elenco tão especial. Afirma que ajudou Javier Bardem numa cena amorosa em que ele tinha que se lançar sobre Penélope e rasgar sua roupa. Allen lhe mostra como fazer, destruindo o vestido caríssimo da atriz, que ainda não havia vestido o figurino. O relato soa como piada, já que essa seqüência nem aparece no filme. O papel de Javier foi criado pensando no ator, mas o de Penélope é uma conquista dela. A atriz procurou o cineasta e disse que queria trabalhar com ele. "Ela é mais sexy e arrebatadora do que eu imaginava. Durante a entrevista, minhas calças pegaram fogo", escreveu Allen. Na paleta de cores dessa comédia que trata de pintura não existe dúvida: Maria Elena é o vermelho. Imagine o amarelo para Cristina, a atirada personagem de Scarlett que "só sabe o que não quer", e o lilás para a Vicky de Rebecca, aquela que "duvida do que quer". Para não roubar a surpresa do espectador, é suficiente dizer que as três novas musas de Allen se alternam em triângulos amorosos e nenhuma delas leva na bagagem bons souvenirs. Uma cena do filme traduz seu sentimento secreto. Cristina, no momento vivendo com Antonio e Maria Elena, observa os dois trabalhando em telas abstratas, feitas com os gestos largos do expressionismo. O narrador da história diz, naquele estilo dos filmes de Truffaut: "Ao ver os dois, ela teve a percepção de como é enigmático o coração humano."

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Com os cachês das estrelas cada vez mais inflados, ficou difícil para um cineasta autoral ter no elenco de seus filmes atores do primeiro time. Por exemplo: Scarlett Johansson e Penélope Cruz (foto). O diretor americano Woody Allen, que andava em baixa (seu trabalho anterior não somou mais que US$ 1 milhão em bilheteria nos EUA), não apenas conseguiu juntá-las numa mesma história como as fez trocar beijos e carícias sem que houvesse nenhuma oposição de seus agentes – nem da zelosa mãe de Scarlett, que cuida diretamente de sua carreira. O encontro das duas pode ser visto em Vicky Cristina Barcelona, a nova comédia dramática de Allen que estréia na sexta-feira 14. Além da dupla sensacional, o cineasta de 72 anos também lança o holofote sobre uma inglesa talhada para grandes atuações: Rebecca Hall, que estreou em 2006 no filme O grande truque. Está assim fechado o círculo de três graças do nova-iorquino Allen, que, de panteão renovado, oferece um de seus melhores trabalhos recentes.
Falar em trio a propósito de Vicky Cristina Barcelona é ficar apenas nos vértices femininos de seu enredo. Sua história trata, na verdade, de um "quadrilátero" amoroso, cujo último vértice é ocupado por uma reencarnação menos decadente de don Juan, por meio do personagem do pintor catalão Juan Antonio, interpretado por Javier Bardem. Ser pintor, catalão e dom-juan definem um trio de atributos que remete ao artista Pablo Picasso (que não nasceu em Barcelona, mas cresceu em suas "ramblas"). De fato, Woody Allen deve ter se mirado no artista espanhol ao criar esse tipo sedutor. Já na primeira grande cena do filme, Antonio alveja as duas turistas americanas de férias na cidade, Vicky e Cristina, interpretadas por Rebecca e Scarlett, com a proposta: "Querem ir comigo a Oviedo? Vamos comer bons pratos, beber bons vinhos e fazer sexo." Detalhe: Antonio nem sequer havia sido apresentado a elas.

O que se vê, a seguir, é uma ciranda amorosa que herda o tom literário de Jules e Jim, clássico do diretor francês François Truffaut sobre o amor a três. Allen, que não considera a Inglaterra parte da Europa (ele rodou três filmes lá), confirma a influência numa entrevista para a revista americana The Village Voice: "Esse filme lembra aqueles títulos dos anos 60, época em que assistia a Truffaut, Godard e ao cinema italiano." Ele só se esqueceu de citar a série de Comédias e provérbios, do francês Eric Rohmer, à qual Vicky Cristina Barcelona parece mais afinada, ao mostrar a complexidade das relações amorosas com uma leveza de estilo que termina por ser uma visão de mundo. Especialmente quando entra em cena Maria Elena, a vulcânica pintora vivida por Penélope Cruz, ex-mulher de Juan Antonio, de quem se separou depois de tentar matá-lo com uma faca. E aqui é melhor trocar Picasso e suas amantes pelos artistas mexicanos Diego Rivera e sua mulher, Frida Khalo, que viveram uma relação conturbada.