14/04/2023 - 9:30
Às 7h da manhã de uma terça-feira, no Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, ainda é pequena a movimentação para o check-in internacional, que recebe uma média de 34 mil pessoas por dia. Salvo exceções, o clima de quem vai viajar costuma ser positivo, mas, nos últimos dias, a preocupação tomou conta de quem deixa a terra natal para trabalhar ou se divertir. Em 4 de março, na área restrita de Cumbica, as etiquetas das bagagens de Kátina Baía e Jeanne Paolini foram retiradas e colocadas em volumes contendo 40 kg de cocaína. Assim que pisou no Aeroporto de Frankfurt, no dia seguinte, o casal goiano foi preso por suspeita de tráfico de drogas e só deixou a prisão alemã 38 dias mais tarde. Além da demora na liberação das mulheres, a ação dos funcionários e a falta de segurança no maior aeroporto do Brasil vêm gerando indignação de quem viaja com frequência. “A gente é vulnerável a tudo”, diz o gerente técnico Plínio Pereira, pouco antes de embarcar para a Argentina. “Se está comprovado que as quadrilhas agem com celular, por que não colocam um protocolo para que as pessoas que trabalham na área de bagagem sejam impedidas de entrar com o aparelho?”, indaga. No vídeo que mostra os dois funcionários trazendo as malas falsas e mudando as identificações, eles se comunicam e fazem fotos com os aparelhos.

A história das goianas revelou muitas falhas no sistema de segurança desses locais: câmera com ponto cego, adesivo de identificação fácil de retirar, trânsito irrestrito em áreas internas. As malas com drogas chegaram pela área de check-in de voos nacionais, por meio de duas mulheres ainda não identificadas, e foram recebidas por uma funcionária da empresa aérea fora do horário permitido. Em sua casa, foram encontrados R$ 43 mil, e sete prisões haviam sido efetuadas até o fechamento desta reportagem.
A preocupação com o tráfico internacional de drogas dentro do aeroporto não é de hoje: uma ação recente da Polícia Federal mostrou que funcionários cooptados pelo Primeiro Comando da Capital chegaram a receber R$ 30 mil por item adulterado. “Uma investigação dessas mostra como estão explorando uma fraqueza da segurança”, fala Felipe Lavareda, delegado da Polícia Federal do Aeroporto de Guarulhos, relembrando a última ocorrência, assim como o papel do órgão na resolução do problema: “Estamos constantemente em contato com a concessionária, as companhias aéreas e as empresas terceirizadas para melhorar a segurança. Mas eles têm todo um entrave de custos e questões trabalhistas. A gente espera que, depois dessa tragédia, o negócio ande com mais velocidade”.
Atrás de solução
Se os aeroportos e as companhias aéreas pecam no respaldo, quem viaja fica cada vez mais à mercê dos próprios receios e soluções. Prestes a passar seus primeiros dias em Roma, Fernanda Calaça e Wesley Calaça somaram os cuidados excessivos à excitação típica das férias. Acostumados a assistir o programa “Aeroporto – Área Restrita” (Discovery+), eles veem que em segundos um sonho de viagem pode se tornar o maior pesadelo. “A gente sabe que chega lá e não tem conversa. Já falamos: se a gente notar que tem alguma coisa errada, que a mala foi mexida, chamamos as autoridades locais e pedimos para abrirem as malas”, diz Wesley, supervisor de infraestrutura. Assim como outros passageiros, os dois se encarregaram de empacotar as malas coloridas com plástico filme e adesivos. Também fotografaram todas, em casa e no aeroporto, recurso que, inclusive, poderia ser usado pelas empresas aéreas para fazer a conexão mala-passageiro, segundo o professor de Direito Internacional da Unicamp e da PUC de Campinas, Luís Renato Vedovato. De acordo com ele, é imprescindível, e possível, evitar acontecimentos do tipo. “É preciso criar um sistema de controle do despacho de malas mais efetivo e eficiente; ter várias pessoas fazendo isso, não uma ou duas encarregadas, e um caminho protocolar da entrega, seguindo todos os passos para evitar violações a direitos das pessoas.” Uma vez que o caso já ocorreu, alerta que tanto uma cooperação jurídica internacional pode ajudar a desbaratar a quadrilha entre países quanto o Consulado pode fazer uma busca afiada. “Fazer um pente fino nos que estão presos no exterior por tráfico de drogas e verificar se também não foram prejudicados com a troca de malas em Guarulhos.”

“Quando a mala está no nosso olhar, temos controle. Quando vai lá para dentro é uma relação de confiança: se ela é quebrada, é difícil acreditar de novo na companhia aérea” Fernanda Calaça, designer

Enquanto as investigações caminham, a dona de casa Marcele Zeras se previne. Munida de muitas malas, sozinha e com filho pequeno a tiracolo, a atenção sempre foi redobrada, mas a tragédia recente aumentou o medo: “Não dá para sair com a consciência muito tranquila, achando que não vai acontecer. As pessoas acham que as férias começam no aeroporto, mas esquecem que a dor de cabeça pode iniciar aqui também”. Ela mora no Canadá há nove anos, e vem ao Brasil todo verão visitar a família. A fim de se proteger, embala tudo com plástico filme e identifica com fitinhas, como as do Senhor do Bonfim. A responsável por nunca ter passado por constrangimento, entretanto, acredita ser a sorte: “Não me sinto 100% segura. Quando há má intenção, vai acontecer de qualquer maneira”.
Só que jogar a responsabilidade nas costas do cliente está fora de cogitação, e, assim que as malas saem da vista do passageiro, a empresa aérea tem, por lei, que zelar pelos itens. Assim como pode criar alternativas mais eficazes de identificação: “Deveria ter um sistema de lacre diferente, porque o adesivo eles já têm um jeito de tirar e recolocar. Faz igual placa de carro, que você fecha em um lacre de plástico e se a pessoa cortar você sabe”, sugere Wesley Calaça. “Isso é sério e preocupante, porque acaba mexendo com vidas”, acrescenta Plínio Pereira.
Cuidado reforçado
Se antes a plastificação servia contra arranhões e sujeiras, hoje os furtos e a inserção de entorpecentes são os principais motivos da busca pelo serviço. O próprio CEO da Protec Bag, empresa que realiza a embalagem de volumes, Paulo Fabra, deu início ao negócio após ter a bagagem violada, em 1989. No serviço, cada mala ainda é identificada com um número e um código que indicam o dia, o horário e o aeroporto de partida, que podem servir de prova em caso de violação. Há 33 anos no mercado, viu a procura crescer nas últimas semanas. “Houve um aumento de mais ou menos 40% desde que a notícia das brasileiras foi divulgada.” Foi isso que levou o biólogo Samuel Couto a aderir ao recurso pela primeira vez. Mesmo com a dose de tranquilidade, reclama da falta de transparência dos aeroportos e companhias aéreas. “A gente paga um valor considerável pela passagem, então espera que tenha um rastreamento: quando ela saiu daqui e quando chegou ao destino. A gente vê a mala saindo na esteira e só reza para chegar sã e salva”.