Lula já disse que o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, era bolsonarista e queria levar o Brasil à recessão ao manter a taxa básica de juros em 13,75%, como uma das mais elevadas do mundo, mas nunca essa rígida política monetária foi tão contestada por empresários dos mais importantes segmentos, governadores dos principais estados e parlamentares dos cargos de maior relevância do País, como ocorreu nos últimos dias 20 e 21 de abril, em Londres, a capital financeira da Europa. Durante a realização da Lide Brazil Conference London, promovida pelo grupo empresarial comandado por João Doria, a queda da taxa de juros foi a palavra de ordem dada pelos mais de 250 líderes empresariais do Brasil e do Reino Unido reunidos no luxuoso Savoy Hotel, no coração londrino. E o assunto só virou a estrela do evento graças ao faro de Doria pelas questões que mais afligem as empresas brasileiras e que ameaçam a economia. O ex-governador de São Paulo revelou à ISTOÉ que quando idealizou a conferência de Londres, há quatro meses, já tinha a percepção de que a escorchante taxa Selic era a principal trava que levaria o País a amargar baixos níveis de crescimento da economia este ano. E convidou para o debate o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, com a percepção de que o tema incendiaria as discussões.

Os dois acabaram sendo as principais personagens desse embate estridente e que polarizou o seminário nos dois dias de duração. Logo na abertura da conferência, com Campos Neto na plateia, Pacheco soltou um petardo que atingiu o presidente do BC em cheio. O presidente do Senado clamou pela redução das taxas básicas de juros, sendo aplaudido por todos os convidados do seleto encontro. Menos, claro, pelo comandante do BC, que ficou visivelmente constrangido. Logo se especulou na conferência que essa confrontação poderia ter maiores consequências, já que o Senado foi responsável pela aprovação da autonomia do Banco Central e que, em tese, também caberia a ele pedir a demissão do banqueiro, destituindo-o caso a maioria dos senadores assim o desejarem. Como Pacheco é hoje o principal aliado de Lula no Congresso, estaria aí iniciando-se alguma espécie de “complô” entre os dirigentes do Executivo e do Legislativo para o afastamento de Campos Neto do cargo? Mas Pacheco logo corrigiu essa possibilidade ao afirmar, categoricamente, que a autonomia do BC não corre risco e que Campos Neto terá respaldo para desenvolver sua política monetária até o último dia do seu mandato, em 31 de dezembro de 2024.

O recado de Pacheco, contudo, foi dado de forma contundente. Ele disse que o Brasil tem grandes problemas sociais, sobretudo de desemprego e miséria, e que para esse quadro mudar o País precisaria crescer e, para que isso aconteça, os juros precisariam cair. Ele frisou que espera que isso ocorra já na próxima reunião do Copom, nem que seja de 0,25%. “Os juros precisam ser reduzidos gradativamente. Não precisam cair para 11% ou 12% logo na primeira reunião, mas as taxas Selic devem começar a ser reduzidas para dar esperança aos empresários e à sociedade. Acho que não voltaremos aos 2% que tivemos no passado recente, mas compreendo que o País está se recuperando das marolas que têm prejudicado nossa economia.” Ele entende que o novo arcabouço fiscal e a Reforma Tributária em análise no Congresso tornarão mais efetivas as condições para a redução dos juros, sempre fixando seu olhar para um acuado Campos Neto na plateia.

“É preciso manter a autonomia do BC e é fundamental exercitar o diálogo com o presidente da instituição, ao invés de agredi-lo” João Doria, ex-governador de SP

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O constrangimento aumentou quando o jornalista Michael Stott, do Financial Times, coordenador do evento, anunciou que no dia seguinte, sexta-feira, 21, no encerramento do simpósio, seria a vez do presidente do BC fazer a abertura dos trabalhos. E provocou: “Estamos ansiosos para saber qual resposta Campos Neto dará a Rodrigo Pacheco”.

Não apenas Stott estava ávido pela reação do presidente do BC. Procurado por ISTOÉ para saber como reagiria à cobrança, Campos Neto foi lacônico. “O compliance do BC me impede de dar entrevistas que não sejam marcadas por antecedência pela minha assessoria de imprensa.” E assim saiu pela tangente, mas já antecipando que não daria uma resposta contundente como todos esperavam. Seria didático. E realmente foi comedido. Na manhã da sexta-feira, Campos Neto começou sua palestra explicando as razões técnicas pelas quais os juros não podem cair agora: a inflação ainda está muito elevada. Lembrou que quando a inflação está alta, quem perde é o pobre, porque o rico tem suas maneiras de se proteger. Disse que o exemplo da Argentina é bom para mostrar que aquele país não fez o dever de casa em sua política monetária e hoje tem uma inflação na ordem dos três dígitos e a pobreza cresce de maneira assustadora. Mostrou que a Turquia também seguia uma política de metas para a inflação, como o Brasil, abandonando-a e, em consequência disso, a desvalorização da moeda foi de 100% e a inflação atingiu 70%, com juros reais negativos. “O que comprova que nem sempre os juros mais altos são a causa da crise econômica.”

Juros cairão em junho

Ao rebater Pacheco, que a direção do debate colocou ao seu lado na mesa propositalmente, Campos Neto disse que o “timing técnico é diferente do timing político”, como se fosse um tapa de pelica no presidente do Senado. Explicou uma a uma das razões que levavam o Brasil a ter juros altos, que vão da dívida bruta elevada, à baixa poupança interna e ao crédito contido, entre outras coisas. Assegurou que se o BC não tivesse aumentado a taxa de juros nos quinze meses das eleições do ano passado, a inflação poderia ter chegado a 10 ou 14% e a taxa de juros teria chegado agora a 18,75%. Acabou, dessa forma didática, convencendo a plateia de que o BC está no caminho certo e que, em breve, depois da aprovação do arcabouço fiscal, previsto por Pacheco para o final de maio, na Câmara e no Senado, o País terá dado as condições para o BC reduzir as taxas de juros a partir de junho. Até o jornalista Michael Stott reconheceu o esforço de Campos Neto. Disse que o BC do Reino Unido relaxou sua política monetária, demorando a elevar a taxa de juros, o que faz com que a inflação na Inglaterra seja o dobro da brasileira, tendo atingido dois dígitos.

Ao fazer um balanço dos resultados dos dois dias de debates em Londres, João Doria disse que a redução da taxa Selic foi a atração principal do seminário porque o Brasil está realmente num patamar elevado de juros a nível mundial.

“O presidente do BC demonstrou aqui que tecnicamente há uma dificuldade muito grande para a redução dos juros, uma vez que é preciso ficarem mais claros os compromissos do governo com o limite do teto de gastos e com o limite das despesas públicas. O arcabouço, que acaba de ficar pronto, e ainda está em análise no Congresso, já foi um primeiro passo. Haddad conseguiu mais resultados positivos do que se esperava”, disse à ISTOÉ. Outro ponto destacado por Doria foi a necessidade do diálogo. “Todos os políticos aqui presentes, desde o presidente do Senado ao vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira, e aos três governadores (RJ, ES e PA), entenderam que é preciso manter a autonomia do BC e é fundamental exercitar o diálogo com o presidente da instituição, ao invés de agredi-lo, emparedá-lo e colocá-lo em posição de desgaste apenas por interesse político.
A defesa técnica de suas decisões é indispensável.” Para Doria, Campos Neto foi convincente em suas análises feitas aos empresários brasileiros e britânicos.

Meio ambiente

Doria disse que a conferência trouxe ainda importantes discussões na área ambiental. Os ingleses mostravam-se especialmente interessados nesse assunto, pois as mudanças climáticas apavoram a Europa, e eles demonstraram real intenção de investir pesado no Brasil, sobretudo nos setores da economia verde. O embaixador brasileiro em Londres, Fred Arruda, explicou que atualmente os negócios bilaterais envolvem US$ 7 bilhões (R$ 35 bilhões), volume que pode crescer ainda mais com aportes britânicos nos setores da energia renovável, como a eólica. Diversas autoridades do Reino Unido falaram aos brasileiros, como foi o caso de Marco Longhi, representante do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, e da ministra Nusrat Ghani, dos Negócios e Comércio do Reino Unido, que pediram que o Senado brasileiro impeça a bitributação dos produtos exportados pelo Reino Unido para que o volume comercial entre os dois países possa aumentar.

Nesse aspecto, a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, fez uma exposição brilhante, ao lembrar que a crise climática deverá fazer com que as temperaturas previstas para aumentar 1,5 grau centígrado até 2050, deverão alcançar essa marca já em 2035, destacando que as soluções para essa tragédia do aquecimento global passam pelo Brasil. “Nosso País é provedor de soluções.

“A Amazônia precisa ficar de pé porque sem isso não haverá segurança climática no mundo” Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente

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O Brasil mostra que a Amazônia precisa ficar de pé porque sem isso não haverá segurança climática no mundo.” A ex-ministra de Dilma destacou que o governo anterior foi omisso no desmatamento ilegal e que Lula mostra agora que o Brasil está de volta, com propostas para recuperar o meio ambiente degradado. Para ela, os governos já demonstraram não serem capazes de promover as soluções para resolver sozinhos as questões climáticas, sendo necessário o engajamento da sociedade civil. Presente ao encontro, o governador do Pará, Helder Barbalho, pediu apoio da Câmara de Comércio Brasil-Reino Unido para a realização da COP-30 sobre mudanças climáticas em Belém, capital do seu estado, no ano de 2025.

Esse debate sobre a ocupação de terras na Amazônia por propriedades ilegais na exploração agrícola só não foi mais intensa porque o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que estava em Londres para ser um dos palestrantes na conferência do Lide na quinta-feira, 20, teve que voltar ao Brasil para atender a um chamado de Lula, que desejava uma ação de seu ministério frente às invasões feitas pelo MST às sedes do Incra e da Embrapa, além de ataques a fazendas em sete estados brasileiros. Simone Tebet também cancelou viagem a Londres a pedido de Haddad, que solicitou que a ministra do Planejamento ficasse no Brasil para convencer os congressistas de que o arcabouço fiscal poderá mudar o quadro de incertezas na economia. No que depender do seminário do Lide, os empresários do Reino Unido ficaram mais confiantes na economia brasileira. Em maio, nova conferência será realizada pelo grupo Doria, nos próximos dias 10 e 11, em Nova York.