28/04/2023 - 9:30
Violência verbal, xingamentos e palavrões têm sido frequentes na Câmara dos Deputados desde o início da atual Legislatura, em fevereiro, o que em alguns momentos faz com que o plenário da Casa lembre um picadeiro de circo – circo ruim, deixe-se claro. O primeiro espetáculo, e talvez o mais emblemático, foi protagonizado no início de março pelo histriônico Nikolas Ferreira (PL-MG), quando ele colocou uma caricata peruca feminina para ironizar mulheres trans enquanto discursava da tribuna no Dia Internacional da Mulher. Preocupado com o potencial de dano à imagem do Legislativo, o presidente Arthur Lira (PP-AL) acelerou a instalação da Comissão de Ética, e tem dito aos líderes partidários que pretende agir com rigor para coibir o mau comportamento dos colegas. Especialmente incomodado com o caso Nikolas, Lira utilizou seu perfil no Twitter para criticar o mineiro: disse que o plenário “não é palco para exibicionismo” e não pode ser utilizado para vocalizar “discursos preconceituosos”. “Não admitirei desrespeito”, tuitou. “O deputado merece minha reprimenda pública por sua atitude”.
A preocupação de Lira faz todo sentido. No ano passado, a pesquisa anual A cara da democracia, realizada pelo Instituto da Democracia com financiamento do CNPq e da Fapemig, revelou que 46% dos brasileiros não confiam no Congresso. É fato que felizmente houve uma redução na avaliação negativa em relação a 2018, quando 58% da população dizia não confiar no Parlamento. Mas não é o momento de baixar a guarda na defesa do Poder Legislativo: o respeito à institucionalidade e aos Poderes da República é fundamento da democracia – e o País ainda se recupera dos efeitos do esgarçamento institucional patrocinado nos últimos quatro anos pelo governo de Jair Bolsonaro, que resultou na fracassada tentativa de golpe do 8 de Janeiro, quando criminosos invadiram e depredaram os edifícios-sede dos Três Poderes, na Capital Federal. Não dá para transigir ou contemporizar com situações de achincalhamento do Legislativo. As pessoas hoje com mandato parlamentar passam e devem ser punidas por suas infrações de acordo com o previsto no Código de Ética e Decoro. Já as instituições permanecem, e precisam ser preservadas.
Dias depois do lamentável episódio de transfobia protagonizado por Ferreira, durante uma reunião da Comissão de Segurança Pública o parlamentar foi chamado de “chupetinha” por André Janones (Avante-MG), antigo desafeto desde o tempo em que ambos se digladiavam na política regional de Minas Gerais. A cena fez parte do circo armado pela oposição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para tentar constranger o ministro da Justiça, Flavio Dino, que havia comparecido na condição de convidado. “Olha a peruca”, “deixa a Nikole falar” e “vai, chupetinha” foram algumas das provocações ouvidas pelo mineiro. Por sua vez, Carla Zambelli (PL-SP), que nunca decepciona em matéria de baixaria, desceu mais alguns degraus e mandou o colega Duarte Júnior (PSB-MA) “tomar no…”. “É um caso clássico do uso da imunidade parlamentar como liberdade para ofender, sem acrescentar qualquer fato ou ideia ao debate democrático”, reagiu o socialista. Há duas semanas, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) partiu para cima de Dionilso Marcon (PT-RS) e teve de ser contido pelos colegas após o petista dizer que era “fake” a facada que levou Jair Bolsonaro em 2018. “Decoro? Olha o que esse… está falando aqui”, berrava o filho 03. “Te enfio a mão na cara e perco o mandato com dignidade, seu filho da…”.

“Não cabe a mim, como presidente da Comissão de Ética, individualizar nenhum processo que possa passar pelo colegiado”, esquiva-se Leur Lomanto Júnior (União Brasil), recém-eleito para a presidência da comissão, responsável pelos procedimentos disciplinares envolvendo deputados. “Mas é claro que essas situações geram constrangimento”, admite. Cerca de uma dúzia de representações foram protocoladas desde o início da Legislatura, mas até o momento nenhuma delas chegou à Comissão de Ética – todas permanecem na Secretaria-Geral da Mesa Diretora, onde são submetidas a uma espécie de análise preliminar. “Diversos parlamentares realmente têm se excedido; é legítimo cada um defender suas pautas, seus partidos e suas ideologias. Muitas vezes os debates são quentes, mas jamais se pode faltar com o respeito”, diz Lomanto. A Câmara dos Deputados, como representante do povo brasileiro por meio de mandato advindo de sufrágio universal, terá de agir com rapidez e rigor se quiser colocar um freio de arrumação no comportamento delinquencial dos parlamentares que teimam em fazer pouco caso da liturgia de um dos principais cargos da República.
