A Alemanha se encontra em uma encruzilhada, mais do que seus vizinhos europeus, na questão da transição energética. O fechamento das três últimas usinas nucleares no dia 14, em cumprimento ao acordo estabelecido por uma coalizão política encabeçada pela primeira-ministra Angela Merkel após 2011, dividiu o país entre as comemorações de ambientalistas e as reações até furiosas de conservadores. De real, o que se tem é que os alemães apostaram alto no gás russo como travessia até a consolidação de fontes mais limpas de energia, mas foram surpreendidos com a invasão da Ucrânia por Vladímir Putin. Na avaliação de Alexandre Viana, CEO da Thymos Energia, foi um erro colocar todas as fichas em uma única opção, em vez de contar com um portfólio diversificado de fontes de combustível, para uma transição energética mais suave. E também equivocada a decisão de fechar de vez todas as usinas nucleares.

O fornecimento de energia nuclear na Alemanha vinha de 1961, quando a usina de Kahl, na Baviera, entrou em funcionamento. Com o tempo, 19 se tornaram responsáveis por um terço da eletricidade do país. O esforço pela eliminação delas como fonte energética começou em 2011, quando o Japão passou pela catástrofe de Fukushima, reforçando o temor pelo perigo de desastres que avançou sobre o mundo com o vazamento de Chernobil, na Ucrânia, em 1986.

A então chanceler Angela Merkel costurou um acordo entre seu partido democrata-cristão e coligados, ratificado no fim de 2021 pela nova coalizão tripartidária que assumiu o governo, para o fechamento das últimas usinas nucleares até o fim de 2022. Com a guerra na Ucrânia desencadeada, o primeiro-ministro Olaf Scholz estendeu o prazo de operação até 15 de abril deste ano. Assim, Isar 2 na Baviera, Emsland na Baixa Saxônia e Neckarwestheim 2 em Baden-Württemberg foram os reatores descontinuados agora.

Opiniões divididas

19 foi o máximo de usinas nucleares que a Alemanha teve, até fechar todas

57 é o total de usinas funcionando na França, que quer mais 14

13 dos 27 países da União Europeia são pela expansão da energia nuclear

Ambientalistas comemoraram no icônico Portão de Brandemburgo, enquanto políticos conservadores lamentavam que as três usinas não fossem mantidas ao menos como “reserva”. Ou se manifestavam com mais veemência, como Markus Söder, que governa a Baviera e tentou reverter a situação no domingo mesmo, exigindo que o governo federal permitisse aos estados a continuidade da operação de usinas. Söder queria absorver a operação do reator Isar 2, que fica a 80 quilômetros de Munique (o Isar 1 foi fechado ainda em 2011). Para ele, a coalizão agiu de maneira “ingênua e negligente”, até porque a agência reguladora de energia da Alemanha já alertou sobre uma crise no fornecimento durante o próximo inverno, mesmo com o gás natural liquefeito (GNL) sendo estocado para compensar a falta do gás natural russo.

E se o tema segue dividindo o país, Alexandre Viana lembra que, mesmo com o fechamento dos últimos reatores nucleares, parte da rede alemã precisará continuar a ser alimentada por energia provinda de outras usinas nucleares – como da vizinha França, por exemplo – e ainda de minas de carvão (uma das fontes mais poluidoras) da Polônia.

CHAVE Christian Meyer, ministro da Energia, ‘desligando’ a usina nuclear de Emsland (Crédito: Lars Klemmer )

De acordo com dados da Ember Energy, organização independente que analisa questões energéticas a partir de dados do G20, a Alemanha praticamente dobrou a utilização de fontes alternativas solar e eólica a partir de 2015 e atualmente 53% de sua energia provêm de combustíveis limpos. Mas 29% da eletricidade do país ainda vêm do carvão, realidade que pode não mudar substancialmente até 2038, o que deixa o país longe de colaborar para evitar um desastre global.

Controvérsia de décadas

A Alemanha racha, com relação a eliminar a fonte nuclear, mas há países na Europa que há anos se anteciparam a essa decisão, como a Itália, que deixou de se alimentar dessa energia logo depois do acidente em Chernobil, em 1986, assim como a Suécia – que, no entanto, voltou atrás dez anos depois, mantendo seis usinas responsáveis por 30% da eletricidade do país.

Pela via oposta, a França é a potência europeia de geração nuclear, com 57 reatores, e segue expandindo sua rede. O presidente Emmanuel Macron confirmou a construção de mais 14 delas como parte do plano de “renascimento” dessa indústria, que responde por 70% da eletricidade (seis serão levantadas entre 2035 e 2042, para segurar a demanda por gás e carvão). Holanda e Polônia seguem a França quanto a expandir fontes de energia nuclear, ao contrário da Bélgica, que quer eliminar.

O fato de 13 dos 27 países-membros da União Europeia se dizerem dispostos a aumentar sua capacidade energética nuclear mostra o quanto a questão é complexa. E, por isso mesmo, como observa Alexandre Viana, é preciso ampliar as alternativas de outras fontes, para se migrar de uma a outra, se ou quando for necessário.