16/08/2000 - 10:00
A pizza rápida, chama-se express, e há quem pense que o uso do termo estrangeiro sugere que o produto sairá do forno em menos tempo. Os serviços de entrega a domicílio viraram delivery. Loja de animal ganhou a abreviação de pet shop. As peças na vitrine estão on sale. O que era grátis virou free. E tudo agora é center: design center, estetic center. O banco diz para investir “Where the money lives”. As perfumarias anunciam a new fragrance. O moderno é fashion. Recorte de notícias é clipping. Subir na empresa ou na vida é um up-grade. Meta de inflação é inflation target. Modelo número 1 é top model. Ginástica é fitness. Não há como escapar. Estamos infectados pelo inglês. Para muitas pessoas a influência, num mundo globalizado, é natural. Há quem sustente, no entanto, que o brasileiro anda exagerando nas apropriações indébitas e fazendo a língua portuguesa sofrer de falta de personalidade. Decidida a defendê-la da invasão “impenitente e insidiosa”, a Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade, na semana passada, um projeto de lei que proíbe o emprego de palavras em outros idiomas na publicidade, em produtos e serviços, nos meios de comunicação, eventos públicos e textos oficiais (sejam eles de expressão oral, escrita ou eletrônica). Instalou-se a polêmica. Se ela pegar, todo mundo terá de falar em bom português.
O autor do projeto, deputado Aldo Rebelo (PCdoB), explica que sua intenção é educar os brasileiros. “Não precisamos destruir o País para sermos globalizados”, exagera o parlamentar, inspirado em leis similares em vigor na França e em Portugal. Seu texto chega a definir como prática abusiva – e sujeita a penalidades que deverão ser regulamentadas pelo governo – o emprego de palavras estrangeiras que podem perfeitamente ser traduzidas ou aportuguesadas. A Barra da Tijuca, deduz-se, deveria então ser interditada. O bairro nobre do Rio de Janeiro ganhou até apelido de Miami carioca, tamanha a concentração de palavras em inglês por metro quadrado. A meca do culto aos Estados Unidos é o shopping New York Center, com uma enorme réplica da estátua da Liberdade à entrada. Placas de parking (estacionamento) misturam-se a cartazes anunciando em perfeito inglês americano a inauguração de novas lojas.
(*) Em português, por favor
O HUMOR do Mundo bilíngue
Na internet, um dicionário ridiculariza o uso do inglês
So free – Sofri, padeci
Go home – Vá para Roma
Corn flakes – Cornos frescos
Free shop – Chope de graça
I’m sad – Estou com sede
The boy is behind the door – O boi está berrando de dor
She must go – Ela mastigou
Layout – Fora da lei
Mary Christmas – Maria Cristina
I’m hungry – Sou húngaro
She’s cute – Ela escuta
To be champion – Ser bicampeão
To sir with love – Tossir com amor
I’m alone – Estou na lona
O auxiliar de limpeza Cristiano Moreira, 19 anos, tem uma vaga idéia do que a Barra e suas mensagens significam. Contratado pela Super Cleaners para regar o jardim do Itaú Drive Bank, na Barra, ele arrisca uma tradução para o nome da empresa para a qual trabalha. “Inglês é muito difícil. Tem a ver com limpeza, né?” Na hora de comprar os produtos importados que os patrões pedem, a doméstica pernambucana Helena da Silva, 23 anos, também sofre. “Não entendo nada. Quem não sabe inglês está perdido”, afirma. Quem domina o idioma, no entanto, não consegue imaginar o mundo sem ele. “Trabalho com tecnologia. Como vou traduzir coisas do dia a dia, como laptop, e-mail, conference call?”, reclama o executivo Ricardo Monteiro, da empresa Loyal Tech. Se depender do deputado Rebelo, site vai se chamar “sítio”, e mouse, “dispositivo manual para mover o cursor na tela do computador”. No início do século passado, era a influência francesa que imperava no Brasil. Palavras aportuguesadas como chofer, restaurante e butique, saíram de lá. Depois começamos a nos “dobrar” ao inglês com o futebol. Match, back, corner, só entendia quem jogava. Os puristas se rebelaram e quiseram até chamar o jogo de balípodo (do grego bállein, arremessar). A prova da sabedoria da língua acabou criando terminologias legitimamente nacionais, como escanteio e impedimento. É justamente esse tipo de versatilidade que o projeto estimula. Mas não será fácil. O escritor Murilo Mello Filho, membro da Academia Brasileira de Letras, acha difícil que se consiga erguer uma barreira contra os estrangeirismos. “Mais eficiente é conscientizar e educar. A melhor regra ainda é nunca usar palavras em inglês se houver semelhante em português”, afirma Mello Filho. A linguista Diana Luz Pessoa, da Universidade de São Paulo, ressalva que a paixão nacional por vocábulos estrangeiros não se deve ao desconhecimento do idioma. “É uma questão de dominação cultural, mesmo. Só que língua não é questão para lei. Ninguém fala certinho por imposição”, observa. A discussão acaba esbarrando em outro ponto polêmico: a autoestima do brasileiro. Para o publicitário Alexandre Gama, o emprego de palavras estrangeiras faz parte da cultura tupiniquim de querer aparentar sofisticação. Recentemente, Gama ganhou o Leão de Prata em Cannes pela campanha da marca esportiva Umbro, cujo slogan continha uma única frase: Only Football. “Os anunciantes brasileiros vão chiar se a lei pegar. Eles acham que uma marca com nome estrangeiro passa a idéia de que são importantes e estão à altura da concorrência”, constata. Difícil será convencê-los a mudar por bem. No caso das empresas, por exemplo, o projeto de lei não especifica se a regra vale apenas para novos empreendimentos ou irá afetar os que já operam no mercado batizados em outra língua. O dono da loja de roupas masculinas Mr. Wonderful, Luiz de Freitas, se prepara para brigar na Justiça. “Com nome brasileiro vou vender menos”, justifica Freitas. A jornalista Erika Palomino também começa a pensar em traduções para o texto cifrado de sua coluna no jornal Folha de S. Paulo. Há oito anos imersa na noite paulistana, ela criou um verdadeiro dicionário do mundo clubber, cheio de expressões como hype, rave, look fashion. Só para entendidos. “Me sentirei fazendo papel de boba. É um raciocínio colonizado. Vou escrever clubeiro em vez de clubber” (tribo que frequenta casas noturnas com som techno, opa! tecnológico), reclama Erika. Por enquanto, ela pode relaxar na verborragia clubber. O projeto deverá passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e ir a plenário. A discussão entre xenófobos e globalizados mal começou.
Aqui o inglês é idioma oficial
ESCRITÓRIO
Conference call: reunião de negócios por meio de vídeo ou telefones
Forecast – previsão de custo ou de investimento
Meeting – reunião
Notebook – computador portátil
Staff – equipe ou conjunto de funcionários
PUBLICIDADE
Jingle – propaganda em forma de música
Making of – processo de produção do comercial
Market share – participação de um produto no mercado
Off line – rascunho do anúncio
Top of mind – marca mais lembrada pelo consumidor
INTERNET
Chat – bate-papo entre internautas
Download – baixar um arquivo
E-mail – mensagem eletrônica
Nick – apelido ou codinome utilizado na rede
Upgrade – ampliar a capacidade de memória do PC
FINANÇAS
Cash – dinheiro vivo
Commodity – mercadoria de bolsa
Leasing – arrendamento
Overnight – operações feitas no mercado aberto por um dia
Spread bancário – diferença de juros entre captação e aplicação