24/03/2023 - 9:30
Em clara demonstração de força e pressão política, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem alertado aliados do presidente Lula sobre o cenário adverso que aguarda o governo no plenário da Casa. O deputado alagoano tem manifestado, publicamente e em reservado, que, hoje, o Executivo sofrerá reveses caso precise ser submetido ao teste de votação de seus projetos tal qual chegarão ao Congresso. Ele estaria vendendo dificuldades para ganhar facilidades. Ciente dos obstáculos impostos ao petista e na iminência de votações importantes para agenda econômica, Lira articula para manter o Centrão ainda mais poderoso e protagonista. Não à toa, escalou deputados do seu partido, o Progressistas, para vigiarem de perto as negociações do governo pela construção dos textos que tratam da Reforma Tributária e, sobretudo, da criação de um novo arcabouço fiscal. Na primeira pauta, o escolhido de Lira para a relatoria foi Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), enquanto o nome de quem irá relatar as novas regras fiscais ainda aguarda definição do líder da bancada, André Fufuca (PP-MA).
Nos bastidores do Congresso, estima-se que o governo tenha, hoje, apenas 200 dos 513 deputados considerados pela cúpula petista como “votos certos”, ou seja, 57 deputados a menos do que o mínimo necessário para aprovação de um projeto de lei. No caso de Proposta de Emenda à Constituicão (PEC), o quórum salta para 308 votos. Esse é o caso da Reforma Tributária. Apesar do sinal vermelho, parlamentares petistas têm tentado minimizar o baixo respaldo do Executivo no Legislativo, especialmente na Câmara. Questionado sobre o tema, o líder do governo na Casa, deputado José Guimarães (PT-CE), é enfático: “Não tem dificuldade. Espera para ver o painel de votação. Vamos ter os votos necessários”, aposta. Em entrevista ao “Valor” na quinta-feira, 23, Lira assegurou, contudo, que a nova âncora fiscal pode ser votada em 15 dias e ainda em abril.

Além da baixa adesão governista na Câmara, o Palácio do Planalto se vê diante de uma nova crise institucional alimentada por Lira, que, agora, ameaça a tramitação de Medidas Provisórias no Congresso. O impasse se deve à rejeição do presidente da Câmara a respeito do encaminhamento sugerido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O senador defende que, com o fim da pandemia, não há mais margem para o rito de tramitação extraordinário que deu aos deputados a última palavra sobre as matérias de autoria do governo. O parlamentar mineiro quer que se retome o regime constitucional, que determina a submissão das matérias à comissões especiais nas duas Casas e com alternâncias entre relatores. Lira, no entanto, está irredutível e quer que as medidas tramitem tal qual ocorreu durante a crise sanitária. Com a intransigência de Lira, o Congresso continua paralisado.
Lula está ciente dos riscos e, diante disso, iniciou os afagos ao deputado. Na última semana, por exemplo, o presidente decidiu agilizar as indicações e nomeações dos milhares de cargos de segundo e terceiro escalão do governo – e Lira vai abocanhar muitos deles. O objetivo é trazer partidos tidos como independentes para mais perto do governo. O primeiro beneficiado foi outro partido integrante do Centrão, o União Brasil. A sigla obteve diretorias importantes, como a dos Correios e a do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Parlamentares próximos ao chefe do Executivo ouvidos pela reportagem confidenciaram que Lula estaria disposto a estender a barganha a deputados de outros partidos, entre eles o Progressistas, de Arthur Lira. “Acho que a vontade é de casar o PP com o PT”, brinca um deputado. “Lira, que representa o Centrão raiz, não quer perder o papel de liderança. “Está dobrando a aposta e vendendo caro o seu apoio”, confidencia um petista próximo ao presidente. Há quem aposte ainda em um aceno de parlamentares do PL, de Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, ao governo petista, votando favoravelmente aos projetos cruciais de Lula.
“O método permanente do Centrão é a chantagem. Lira é o cabeça desse balaio de interesses variados” Glauber Braga, deputado do PSOL-RJ
Emendas bilionárias
Na cúpula petista, as advertências do presidente da Câmara são vistas como “desespero” motivado pela perda de poder de barganha decorrente da inconstitucionalidade das emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. Hoje, para atrair deputados para a base do governo, cabe ao ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, dar o sinal verde para o repasse de cerca de R$ 9,8 bilhões herdados pelo Palácio do Planalto após a decisão da Suprema Corte. Internamente, o governo já admite que usará o valor para atender demandas parlamentares. E é aí que Lira se beneficia novamente.
Ainda se desconhece os impactos que as armadilhas de Lira terão na consolidação de uma base de apoio ao governo na Câmara. É fato, porém, que os acenos petistas ao deputado alagoano são capazes de unir governistas e opositores em críticas quase uníssonas. “O método permanente do Centrão é a chantagem. Lira é o cabeça desse balaio de interesses variados”, diz Glauber Braga (PSOL-RJ). O deputado oposicionista Kim Kataguiri (União Brasil-SP) endossa as críticas. “Lula está fazendo exatamente aquilo que criticava no Bolsonaro. Está negociando os mesmos cargos com as mesmas figuras do Centrão”, diz o deputado. Ele assegura que o governo também mantém “a distribuição de emendas parlamentares sem nenhum tipo de transparência, sem saber quem indicou e quanto indicou, para onde foi e qual foi o critério”, diz o deputado, acrescentando: “É uma grande hipocrisia do Lula chamar o orçamento secreto de ‘maior escândalo de corrupção do País’ e repetir exatamente a mesma prática”.