Se perguntar por aí, é muito provável que Luis Fernando Verissimo seja apontado por seus colegas como o maior escritor brasileiro vivo. O mestre gaúcho é conhecido por diversas características. Suas frases curtas, por exemplo. Seu humor refinado, obviamente. A paixão por futebol, mais especificamente pelo time do Internacional. Dizem que talento não é hereditário, mas não custa lembrar que ele é filho do imortal Érico Verissimo, autor dentre outros clássicos, de O Tempo e o Vento. Apesar de tudo isso, Luis Fernando Verissimo, 86 anos, é celebrado principalmente por outra razão: seus contos e crônicas fazem parte do cotidiano dos brasileiros há 54 anos, desde que, para nossa felicidade, leitor, ele começou a escrever uma coluna diária no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. De lá para cá foram milhares de textos e personagens inesquecíveis, de O Analista de Bagé à Velhinha de Taubaté, da Família Brasil às Cobras – essas, no caso, em formato de tirinhas. Sim, Verissimo também é ilustrador. E dos bons. Quem acha que o ritmo de seus textos vem do acaso está enganado: ele também é músico. Saxofonista. Toca há tanto tempo que deve levar o som a sério – já a lembrança de seus projetos musicais, não. Costuma dizer que o seu conjunto formado nos anos 1950 era “o maior sexteto do mundo”, mas apenas porque era composto por nove integrantes. Já o Jazz 6, nos anos 1990, era definido como “o menor sexteto do mundo”: tinha cinco músicos.

Um de seus personagens mais conhecidos é Ed Mort, detetive mais no ar que… noir. Sedutor e meio atrapalhado, foi inspirado em nomes seríssimos, como os protagonistas das novelas policiais de Raymond Chandler e Dashiel Hammett. O gosto pelo gênero levou Verissimo a trocar os textos curtos, presentes em mais de oitenta títulos, por romances de mais fôlego. Ao longo da carreira publicou seis obras nesse formato, agora reunidas em um box especial lançado pela editora Alfaguara.

O estilo que permite ao leitor reconhecer Verissimo desde a primeira linha está presente também nessas tramas mais longas. Aqui, porém, a graça que marca os textos curtos dá lugar à ironia e a um humor mais sombrio. Há sempre um crime – ou mais de um – e um protagonista que não entende bem o que está acontecendo. Não é fórmula, tampouco sistema: é só uma receita bem-sucedida para prender o leitor, mesmo.

Erudito e divertido

Em O Clube dos Anjos, de 1998, a mais famosa entre as obras reeditadas, uma turma de amigos se reúne para promover jantares nababescos, até que os integrantes começam a morrer, um a um. Eis uma prova de que o talento de Verissimo é universal: traduzido para o inglês, o livro foi escolhido pela Biblioteca Pública de Nova York (New York Public Library), nos EUA, como um dos 25 melhores do ano. A história acaba de ser adaptada para o cinema, com direção de Angelo Defanti e Otávio Muller, Matheus Nacthergaele e Paulo Miklos no elenco.

O Jardim do Diabo havia sido o primeiro a sair, em 1987. O thriller traz como herói Estevão, autor de best-sellers cujos enredos inspiram um criminoso a cometer assassinatos. A frase de abertura é um exemplo típico do estilo “Verissimiano”, se é que isso existe: “Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão.” A subversão de uma referência erudita – “me chame de Ismael” é a famosa frase inicial do romance Moby Dick, de Herman Melville – por meio do riso, é apenas mais um toque divertido típico do autor.

Veio então Borges e Os Orangotangos Eternos (2000), sobre um homem solitário que viaja à Argentina para participar de um congresso sobre Edgar Allen Poe – e acaba no centro de um crime. O suspense O Opositor (2004) narra a saga de um jornalista paulista que vai para Manaus, onde encara uma poderosa conspiração. A lista termina com A Décima Segunda Noite (2006), inspirada em Noite de Reis, comédia de William Shakespeare, e Os Espiões (2009), único livro que não nasceu de uma encomenda editorial. “Esse aí eu mesmo que resolvi me encomendar”, afirma Verissimo. Há um único problema nesse box: decidir qual obra ler primeiro.

Estilo noir à brasileira

O Jardim do Diabo
Estevão, um escritor de thrillers, é surpreendido pelo inspetor Macieira: um crime real foi inspirado em seus livros

O Clube dos Anjos
Uma confraria gastronômica termina em tragédia: um a um, seus integrantes são envenenados de forma misteriosa

Borges e os Orangotangos Eternos
Fã do escritor Jorge Luis Borges, Wogelstein vai à Argentina e se vê envolvido em uma trama diabólica

O Opositor
Para fazer uma matéria sobre plantas alucinógenas, repórter viaja à Amazônia e acaba cercado por uma conspiração

A Décima Segunda Noite
A versão do clássico Noite de Reis, de William Shakespeare, reúne, em Paris, braslleiros e diplomatas misteriosos

Os Espiões
Funcionário de uma pequena editora recebe cartas de uma mulher que pretende se suicidar e parte em seu socorro