Arthur Lira acertou em cheio ao diagnosticar que o Congresso eleito para a próxima legislatura seria ideal para um segundo mandato de Jair Bolsonaro. Com um perfil conservador e de centro-direita, o Parlamento se transformará em um campo minado para Lula. O petista, por óbvio, terá em mãos as benesses do Planalto para atenuar resistências, como o orçamento secreto e diversos assentos na Esplanada dos Ministérios e estatais, mas encontrará dificuldades para fidelizar a base, sobretudo diante de uma oposição hostil, que vai agir sob a coordenação de Jair Bolsonaro e já conta com o retorno do capitão à disputa presidencial em 2026.

Não à toa, Lula entrou rápido em campo para cortejar dirigentes partidários. A principal preocupação do petista é a Câmara, onde os deputados de sua coligação somam somente 122 das 513 cadeiras. O ex-presidente já conseguiu atrair o PDT e, agora, busca PSD, MDB e União Brasil. Mesmo as alianças, contudo, não garantiriam a ele maioria no Salão Verde, o que o força a procurar adversários históricos, como o PSDB, e até mesmo o Centrão, que bancou Bolsonaro, e que começa a se oferecer ao petista.

O caminho será tortuoso. Depois da eleição, que mostrou ainda ser latente a ojeriza ao PT, o PL passou a ensaiar uma independência para manter vivo o bolsonarismo e lucrar. O partido ofereceu ao capitão um cargo na Executiva, casa em Brasília, escritório e salário para que ele se consolide como um líder de direita, amplie a ascendência sobre prefeitos em 2024 e volte “com força total”. O jogo, claro, seria duplo — enquanto a ala fisiológica embarcaria no navio de Lula, a alinhada a Bolsonaro teria liberdade para uma oposição ferrenha. O cálculo de Valdemar Costa Neto leva em conta que, por ora, não há grande vantagem em se alinhar a Lula, que já dividiu os principais ministérios. O PL, assim, pretende assumir as principais comissões da Câmara e apoiar a reeleição de Lira, barganhando o mesmo suporte para ascender ao comando da Casa em 2024. O Progressistas tende a seguir o mesmo caminho. São movimentos iniciais. As primeiras avaliações do governo petista, se positivas, mudarão todo o jogo.

PARCEIRO Rodrigo Pacheco (à dir.) terá apoio de Lula para novo mandato como presidente do Senado (Crédito:Jefferson Rudy)

No ninho tucano, que discutirá a posição sobre o futuro governo na próxima semana, Lula arregimentou o apoio da velha guarda, com Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, mas encontra resistências entre as lideranças mais novas. Para garantir a aproximação, o PT cogita oferecer espaço no governo ao tucanato e Tasso poderia virar ministro. O Cidadania, que compõe uma federação com o PSDB e funciona sob a batuta de Roberto Freire, é uma incógnita, embora tenha apoiado o petista no segundo turno. “Estamos avaliando se ampliaremos a federação, com a incorporação de MDB e Podemos. Isso pode influenciar”, pontua. Frise-se que o Podemos tem maioria bolsonarista.

Senado extremista

O União Brasil rachará. Luciano Bivar é simpático a Lula, mas correligionários dele apontam a dificuldade de um apoio formal, já que a sigla abriga um núcleo forte de críticos do ex-presidente, integrado por aliados de ACM Neto, Soraya Thronicke e Sergio Moro.“Minha opinião é que devemos adotar posição de independência ou de oposição. É o que mais conversa com a postura do partido durante a campanha”, pontua o ex-ministro Mendonça Filho.

Apenas com o mapeamento da Câmara em mãos, Lula decidirá qual postura adotar diante da candidatura de Arthur Lira à reeleição. Uma ala do PT avalia que, se o ex-presidente não conquistar uma base forte e fiel logo na largada, não seria prudente embarcar na aventura de um oponente do deputado, sob o risco de criar um “Eduardo Cunha 2.0”. “Acho muito difícil tirar essa eleição do Lira. Talvez seja um risco desnecessário. Vivi o período Eduardo Cunha e, cada vez que lembro, creio que temos de apostar em um forte diálogo e construir um grande acordo”, analisa um petista, que prefere não se identificar. “Mas isso, claro, será muito discutido no PT. Lira exagerou na mão durante a campanha de Bolsonaro e suas intenções não estão claras”, completa.

No Senado, a situação não será mais leve. O Salão Azul abrigará algumas das mais eloquentes lideranças radicais, como Damares Alves e Magno Malta. Por saber o desafio que o espera, o petista pisou no freio e reavalia a alocação de alguns senadores eleitos como ministros. É que suplentes costumam ter menos traquejo e cacife político para negociar. “A base precisa ser forte lá. Senão viramos saco de pancadas”, explica um nome da cozinha lulista. O ex-presidente, porém, conta com um refresco: Rodrigo Pacheco, que terá seu apoio, é bem avaliado pelos pares e está com a recondução ao comando do Congresso encaminhada.

Na prática, Lula parece viver uma réplica da história norte-americana. Bolsonaro segue os exatos passos de Donald Trump, o qual, depois da derrota para Joe Biden e a contestação do resultado, agiu para preservar a união de sua base e influiu nas “midterms”, a fim de garantir a presidência da Câmara ou do Senado aos republicanos e prejudicar a agenda de Biden, para, então, retornar à cena na próxima eleição. Diante do paralelo, o petista terá de se atentar para encontrar um antídoto e evitar um desfecho similar ao que se desenha nos Estados Unidos.