16/12/2022 - 9:30
Lula elegeu-se ao Planalto com o maior número de partidos desde a redemocratização. Mas, de tão ampla, a coalizão colocou o petista em um imbróglio para resolver o quebra-cabeça da Esplanada. A duas semanas da posse, o presidente eleito ainda tenta administrar o voraz apetite do próprio partido, a disputa entre aliados por espaço e a cobrança do pedágio pelo Centrão. Para acomodar fiéis escudeiros e apadrinhados, Lula planeja fatiar ministérios e segurar anúncios para garantir margem de negociação e a fidelidade de alguns na votação da PEC da Transição. Em razão da delicadeza da articulação, a divulgação da escalação completa da próxima gestão pode sair somente na última semana do ano, dizem nomes da cozinha do PT (a única nomeação para o primeiro escalão que vazou nos últimos dias foi o da futura ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes).

O mistério em torno do futuro de Izolda Cela e Simone Tebet talvez seja a melhor ilustração da sinuca de bico em que Lula se meteu. A ex-governadora do Ceará corre o risco de perder a indicação ao Ministério da Educação, antes dada como certa, para Camilo Santana por causa da exigência do PT pelo controle do órgão. No caso de Tebet, a situação é ainda mais delicada. O presidente eleito a reconhece como peça-chave para a vitória sobre Jair Bolsonaro e quer agraciá-la com um espaço de destaque no alto escalão. As dificuldades para atendê-la com o assento que ela deseja, porém, estão às claras. Em um tête-à-tête durante a semana, Gleisi Hoffmann falou abertamente a Baleia Rossi o que não é segredo para ninguém: o PT se nega a entregar a Tebet o Ministério do Desenvolvimento Social, que administra o Bolsa Família, principal vitrine eleitoral da legenda. Alguns emedebistas minimizam os percalços e recorrem à história para apontar que apenas Lula decide e fala por si: pontuam que, em 2002, o petista desfez um acordo costurado por José Dirceu com a garantia de dois ministérios ao MDB.
Em meio à articulação, uma série de possibilidades passaram a ser aventadas nos bastidores. Expoentes do mercado procuraram Tebet para incentivá-la a aceitar a Agricultura, uma vez que a senadora transita bem no setor e tem o Mato Grosso do Sul como berço político. O Meio Ambiente também foi colocado à mesa, mas a própria parlamentar já declarou a aliados entender que o posto pertence a Marina Silva e não ter interesse em “atropelar” a colega. De qualquer forma, na cúpula do MDB diz-se que a chance de Tebet ficar de fora do governo é próxima de zero. Mesmo porque a ausência dela na fotografia da equipe ministerial representaria um desgaste para Lula, posto que Tebet saiu da corrida eleitoral como “o nome do centro”.
Além de Tebet, que Baleia Rossi defende como escolhida para a cota “institucional” do partido, o MDB pleiteia outras duas pastas, para atender as bancadas da Câmara e do Senado. A cobiça mira ministérios capazes de ampliar a capilaridade eleitoral do partido a partir da entrega de obras. Não à toa, a sigla mira uma das fatias do Ministério do Desenvolvimento Regional, que será dividido em Integração Nacional e Cidades, e o Ministério de Minas e Energia. Um nome dado como certo para um dos cargos é o de Renan Filho, primogênito de Renan Calheiros.
Há, porém, um problema na conta: as pretensões do MDB esbarram nos desejos do União Brasil, que negocia os mesmos ministérios. Líder do partido na Câmara e aliado de primeira hora de Arthur Lira, Elmar Nascimento é um dos principais nomes aventados para representar a sigla. Gleisi Hoffmann tem dito a aliados que o PT não aceitará o nome do deputado, mas aliados de Lula não se arriscam a palpitar a decisão dele, caso a legenda de Luciano Bivar e Lira dobrem a aposta. O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre também está no páreo. O Ministério de Cidades está na mira, ainda, de Márcio França (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL), embora as chances desses sejam menores.
Para criar espaço na área central de Brasília, a equipe de Lula ainda cogita a divisão do Ministério da Infraestrutura, que tem o senador pessedista Alexandre Silveira como principal cotado. Uma ala cuidaria da administração de rodovias e ferrovias, enquanto outra assumiria a gestão de portos, aeroportos e hidrovias. O “esvaziamento”, frise-se, não agrada o PSD, embora o partido cobice, ainda, a Agricultura, onde quer emplacar Carlos Fávaro, e o Turismo, que tende a ficar nas mãos do deputado fluminense Pedro Paulo, aliado de Eduardo Paes.
Com a confusão, Lula sentiu-se confortável somente para anunciar nomes de sua cota pessoal para a Esplanada, os quais tocam missões duras e inadiáveis, sinalizando os pilares do futuro governo. O presidente eleito sabia, por exemplo, que a indicação de Fernando Haddad à Fazenda já estava precificada pelo mercado. Como ele próprio pontuou, a partir da formalização, o petista teria autonomia e espaço para montar a própria equipe, arrefecendo resistências. Foi o que Haddad fez. Na primeira semana como ministro-anunciado, escolheu dois nomes do agrado do meio financeiro para a pasta: Gabriel Galípolo ficou na secretaria-executiva e Bernard Appy, principal referência em reforma tributária no País, na secretaria que cuidará do tema. As boas escolhas, contudo, acabaram ofuscadas por um movimento do próprio presidente eleito: a problemática designação de Aloizio Mercadante para a chefia do BNDES, que só foi possível após uma mudança às pressas na Lei das Estatais, estabelecida no governo Temer para impedir o loteamento político de estatais. Ela foi modificada na Câmara por desejo do Centrão, mas com o apoio do PT e dos bolsonaristas. Também soa estranha a indicação de Mercadante antes da nomeação do futuro ministro da Indústria e Comércio, a quem será formalmente subordinado. Essa vaga está reservada ao empresário Josué Gomes, presidente da Fiesp, que já teria recebido o convite de Lula.
Além disso, Lula escolheu o ex-governador baiano Rui Costa para chefiar a estratégica Casa Civil e alçou José Múcio à Defesa, confirmando o critério de antiguidade para a nomeação dos comandantes das Forças Armadas. As escolhas na área militar ocorreram em deferência às Forças, um gesto de pacificação no momento em que o movimento de extremistas acampados em frente a quartéis se torna mais violento. Múcio tem a missão de garantir uma transição “serena” e livre de “insubordinações” entre fardados. O trabalho será árduo até 1º de janeiro.