16/10/2002 - 10:00
Ao compor a ópera Bastien e Bastienne, o pequeno Wolfgang tinha apenas 11 anos. Poucos apostariam que aquela criança, séculos depois, seria conhecida nos quatro cantos do mundo. Wolfgang Amadeus Mozart não foi o único a se enveredar de calças curtas pelo mundo encantado da música erudita. Chopin e Beethoven também fazem parte do time de gênios. Hoje, suas composições embalam as aulas de um sem número de crianças e adolescentes alheios às ondas do funk ou do samba-rock. São prodígios dedicados ao estudo de instrumentos pouco divulgados pelos meios de comunicação, que não correspondem à fantasia de ídolos pop nem à programação das rádios e emissoras de tevê.
Para ingressar no curso de violino, a paulistana Muriel de Araújo Lima, 11 anos, trabalhou duro para convencer a mãe de que sua opção era séria. “Fiz coral no colégio em uma sala que também era usada para ensaio por uma banda. Um dia cheguei mais cedo e fiquei assistindo. Uma menina tocava violino e eu fiquei maravilhada”, conta. A mãe, Marisa, desconfiou. “Achei que era apenas empolgação. Não é normal uma menina dessa idade se interessar por instrumentos eruditos. Principalmente se a família não tem tradição musical”, diz. Mas Muriel adorou as aulas e até economizou na mesada para comprar um violino.
Sem mistério – A aparente falta de interesse do brasileiro por música erudita pode ser reflexo da precária divulgação de eventos desse gênero. “Não se gosta daquilo que não se conhece. Se você levar uma criança a um concerto sem demonstrar preconceito, com certeza ela vai gostar”, acredita o professor Amilcar Zani Neto, do departamento de música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Para ele, não existe mistério no fato de um adolescente gostar de instrumentos clássicos. “Alguns nascem com predisposição para a música. Outros a descobrem quando vêem alguém tocando, não importa a idade”, diz. Gabriele Leme Rodrigues, 13, nunca havia assistido a um concerto até a festa de 15 anos da irmã. “Quando a orquestra começou a tocar, fiquei encantada com o som do violoncelo. Na mesma hora, pedi para meus pais me colocarem numa escola”, conta. A família sugeriu um instrumento mais comum e acessível – um violoncelo não sai por menos de R$ 4 mil –, mas Gabriele insistiu. Hoje, ela é uma das alunas do Projeto Guri, mantido pelo governo do Estado de São Paulo, que ensina música gratuitamente a 15 mil jovens, de sete a 18 anos.
O número de alunos de violoncelo ou violino nas escolas de música ainda é bem menor do que a demanda por vedetes como piano e violão. Mas a probabilidade de um aluno de música clássica concluir o curso é, curiosamente, superior à de um aluno de instrumento popular. “Os alunos de violino costumam ter certeza de sua opção. A maioria escolhe a guitarra por causa de um ídolo ou de um amigo e, às vezes, abandona as aulas. Há muita diferença entre gostar de um som e gostar de um instrumentista”, garante o professor de violino Ricardo Dias, da escola Caires, de São Paulo. Lieni Calixto, 14 anos, não sabe citar o nome de um artista famoso que toque oboé. Mas é apaixonada pelo instrumento, desde que o conheceu na orquestra da igreja evangélica que frequenta. “O oboé produz um som mais penetrante do que a flauta. Adoro música clássica e vou a concertos com meus irmãos”, diz a garota, que há dois anos estuda no Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, em São Paulo.
Formação – Não existem restrições de idade para o primeiro contato com a música. Se o aprendizado for bem monitorado, sem pressões, os pequenos só têm a ganhar. “Aulas de música contribuem para a formação pessoal da criança, além de ajudar no desenvolvimento auditivo, rítmico e motor e favorecer o rendimento escolar”, afirma Regina Kinjo, coordenadora do departamento infanto-juvenil do Centro de Estudos Musicais Tom Jobim. Por essas e outras, é possível contemplar a destreza de meninos como Diego dos Santos, aluno da Escola de Música Villa-Lobos, no Rio. Com apenas sete anos, ele já toca dois instrumentos de cordas. “Cansei do violino e resolvi aprender violoncelo. Ainda tenho dificuldade em alguns pontos, mas estou adorando. Já fiz até uma apresentação na escola”, conta Diego, sem se importar com o tamanho do instrumento.