Dois ou mais atacantes? Jogar com volante avançado ou recuado? Três ou quatro zagueiros? 3-5-2, 3-6-1 ou 4-4-2? Nada disso. Se depender de alguns treinadores, não há esquema que faça suas seleções saírem do zero a zero na Copa do Mundo. Pelo menos fora de campo. No futebol, o empate sem gols é geralmente associado a um jogo chato, sem emoção. Emprestada ao cotidiano, a expressão “ficar no zero a zero” é a metáfora do desejo não realizado, daquela noite sem sexo. É exatamente nesta situação que se sentirão os 23 convocados pelo técnico Luiz Felipe Scolari em grande parte dos cerca de 50 dias de preparação e torneio que passarão entre a Coréia e o Japão. Se dependesse da vontade inicial do técnico, a situação seria pior. Felipão queria proibir a prática durante toda a campanha, mas liberou o sexo nas folgas após as partidas. Em troca, pediu moderação.

O assunto mereceu um comentário bem-humorado do irreverente atacante da chamada “família Scolari”, Edílson, 31 anos. “Se Felipão não liberar, vou ter que comprar uma boneca inflável”. A piada perdeu a graça na sexta-feira 24. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que um integrante da comissão técnica seria o responsável pela montagem e distribuição de uma espécie de kit-sexo aos jogadores, composto por revistas masculinas. O objetivo era oferecer momentos de “reflexão” ao grupo. Ao tomar conhecimento do texto, Felipão teve um piti. Desmentiu a informação e ameaçou acabar com a cobertura dos autores do texto. Será que o descontrole de Felipão já é o reflexo da saudade da esposa, Olga?

Tal sentimento também poderá derrubar italianos e croatas. Os belos ragazzi da Bota foram proibidos pelo técnico Giovanni Trapatoni de mostrar seu talento fora dos campos até o final da primeira fase da competição. O atacante Del Piero chegou a avisar que, além de chuteiras, calções e meiões, levaria fitas e revistas eróticas na sua bagagem. Para os moços dos Balcãs a seca será ainda maior. Nada de noites de amor até que o torneio termine. Mas, afinal, quais são os efeitos da abstinência sexual no organismo? Ela melhora ou piora o desempenho? Ou só servirá para deixar jogadores com vontade de chutar o cachorro? Se bem que na Coréia do Sul eles podem literalmente comer o animal.

A questão é polêmica. Há consenso entre médicos e treinadores de que sexo sem exagero não traz prejuízo ao desempenho em campo. De acordo com o fisiologista Renato Lotufo, fisiologista do Corinthians e também diretor do Instituto de Avaliação Física do Esporte (Iaf), de São Paulo, o desgaste do organismo é mínimo (leia quadro à pág. 63). O que não dá para fazer é ir para a balada, tomar cerveja e ir dormir com o dia nascendo. “O problema é o abuso, que gera indisciplina, atrasos e discussões. Se ocorrer um insucesso amoroso, algo de que ninguém está livre, por exemplo, o moral do jogador pode ir lá embaixo. Por outro lado, de forma criteriosa, o sexo pode ser solução”, diz Lotufo. Que o diga o ex-jogador Renato Gaúcho. O craque dom- juan dificilmente perdia uma dividida fora de campo. “Quanto mais fazia sexo, melhor eu jogava. Cheguei a transar em dia de jogo”, diz o galã. Obviamente, Renato é contra a restrição. “Proibir só atrapalha. Ainda mais em longos períodos de concentração. Os caras vão se irritando, perdendo a paciência, até que algo sério acontece”, diz.

Virilidade – Mas é justamente a falta de compromisso que preocupa Felipão e seus escudeiros. Os mais de 20 anos de profissão mostraram ao treinador que a relação liberdade/responsabilidade nem sempre é respeitada. “Em geral, as mulheres que procuram os jogadores esperam deles muita virilidade. Corresponder a essa expectativa gera desgaste físico e emocional. A Copa é uma competição curta e intensa e qualquer erro pode ser fatal”, alerta a psicóloga Regina Brandão, que há quatro anos trabalha com Felipão. Foi com ela que o técnico desenvolveu todo o trabalho psicológico que será aplicado na Coréia, incluindo a questão sexual. Em relação ao desgaste proporcionado pelo ato sexual, segundo a psicóloga, mulheres e homens apresentam comportamentos distintos. “Para a mulher, há sensível melhora no aspecto emocional e afetivo. O homem sente mais o desgaste físico, em decorrência do excesso de vigor na prática do ato”, explica ela.

Por outro lado, o sexólogo paulista Moacir Costa, que mantém um serviço de orientação sexual gratuito (08007706543), explica que as reações à abstinência sexual podem ser muito variadas, mesmo entre os homens. “Um pode ter a capacidade aumentada, com o foco de energias em um único objetivo, e outro pode perder a concentração e o poder de integração por não conseguir pensar em outra coisa. Enquanto um ‘come grama’, o outro ‘emburrece’. Não há norma.” Tudo depende do histórico sexual e perfil psicológico de cada um. Efeitos físicos e psicológicos da ausência de sexo são mais relatados por homens, mas há também queixas femininas. “Algumas pessoas ficam muito ansiosas, o nível de adrenalina no sangue aumenta e há uma desordem no metabolismo. Nos homens, a concentração sanguínea na área pélvica pode causar dor”, informa ele.

A ausência forçada de atividade tão prazerosa está longe de ser privilégio dos homens da bola. Compromissos profissionais, contingências do destino, aventuras, entre outros fatores, podem fazer com que a cama macia se torne um espinheiro. Mas há também quem não sinta a abstinência sexual como um dilema inconsolável. Motivadas por convicções pessoais, realizações de sonhos muito acalentados ou pelo desejo de transformar sua vida numa missão de doação ao próximo, muitas pessoas vêem a questão apenas como uma simples opção. “Até Jesus Cristo tinha pulsão sexual. Convergimos a libido para a espiritualidade. Quem tem vocação encontra formas para desviar-se da expectativa quanto ao sexo”, relata o religioso e escritor Frei Beto, da Ordem dos Dominicanos, famoso por seu pensamento avançado e pela militância política.

Estiagem – Há missões não religiosas que também podem provocar um afastamento forçado das delícias do amor. Pedro Ivo Duarte, 51 anos, ex-mergulhador e superintendente de operações de um navio petroleiro, é um exemplo. Por conta da profissão passa por períodos de estiagem sexual. “Não é tão difícil ficar sem sexo. Trabalho 14 dias no mar, mas compenso nas folgas em terra. Se o aperto bate, o jeito é se virar sozinho”, relata. A família Klink também pode se considerar doutoranda no assunto. O líder do clã, o velejador Amyr Klink, 47 anos, passa pequenas eternidades distante da esposa, Marina Bandeira Klink, 38 anos. Chegou a ficar 22 meses fora. Motivo para enlouquecer? Não. “Quando você tem uma restrição total, não vê ninguém, fica difícil pensar em sexo. Acho que o problema dos jogadores é que eles estão num ambiente muito contaminado, cheio de mulheres. Acho que a atitude do técnico está certa. Ele tem de impor certa disciplina”, opina o navegador. Marina faz coro: “Quando você tem assuntos em casa e no trabalho para resolver e seu marido está a 30 mil milhas de distância, o sexo não é uma prioridade. Compensamos quando estamos juntos.”

Apesar do estoicismo dos dois homens do mar, a prática nos consultórios mostra que a mulher tem mesmo mais facilidade em lidar com a abstinência. “A sexualidade feminina é mais difusa. Ela desenvolve melhor a capacidade de afeto e de sublimar desejos”, analisa o sexólogo Moacir Costa. A diferença entre homens e mulheres pode ser explicada em parte pela presença constante do hormônio masculino, a testosterona, que teoricamente garante ao homem uma libido sempre em alta. A mulher, com seus ciclos hormonais, apresenta fases em que está mais disposta ao sexo e outras em que está mais voltada para si e para uma possível geração de vida. Mas há também aspectos culturais e educacionais – o que a família, os amigos, a mídia, enfim, a sociedade esperam e exigem a esse respeito. O psicólogo Antonio Carlos Egypto, do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS), de São Paulo, levanta uma questão interessante. “Será que a polêmica seria a mesma se estivéssemos falando de uma seleção feminina? Qual seria a reação se uma atleta reivindicasse espaço para uma transa durante o torneio?” A história feminina sempre foi mais restritiva. “Apesar de a mulher ter conquistado o direito de usufruir de sua sexualidade, ainda se olham homens e mulheres de forma
diversa”, pontua.

A identidade masculina está intimamente ligada ao desempenho na cama. Até hoje, a primeira vez na vida de um rapaz adolescente é esperada com ansiedade. “Quanto menor a realização em outras áreas da vida, maior a tendência de exacerbar a importância do sexo. Vemos homens desempregados, passando por uma séria crise, tentar uma compensação nesta área e acabar tendo problemas aí também por conta da ansiedade”, conta Egypto. Seis vezes campeã brasileira e três vezes sul-americana de windsurf, Dora Bria, 40 anos, reconhece esse efeito em sua trajetória. Ela já ficou seis meses numa competição no Havaí sem transar. “Para mim foi tranquilo. Tive mais problemas com namorados, que não acreditavam que eu pudesse ficar numa boa, já que eles não podiam. Acho que a questão de o homem sentir tanta falta é mais cultural do que física”, diz ela.

A troca de afeto, carinhos, beijos e abraços sem a consumação do ato tanto pode agravar esses efeitos como servir de compensação. De qualquer forma, dizem os sexólogos, algum contato físico é melhor do que nenhum. Há a excitação não satisfeita, mas o carinho e a sensualidade trocada alimentam psicologicamente o casal. É em busca de alimento para o coração e o espírito que um grupo de estudantes se orienta e prega a abstinência sexual. Para eles, membros do Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios (Carp), guardar-se para a união, formal ou não, é um meio de treinar a fidelidade e dar bases sólidas à família. O movimento teve sua origem no grupo religioso Associação das Famílias pela Unificação e Paz Mundial, criado – por coincidência – na Coréia nos anos 50 pelo reverendo Moon. Hoje, nem todos os seus membros mantêm compromisso com a crença e preferem se definir como um movimento estudantil em prol da paz e do desenvolvimento. O pesquisador Roberto Lima, 20 anos, um dos membros do Carp, namora há dois anos a estudante Fernanda Bronzatti, 18 anos. Acha o desejo e o impulso sexual natural, mas controlável. “Acreditamos no domínio da mente sobre o corpo. Valorizamos o sentimento e essa consciência coloca limites em nossos impulsos”, prega. Polêmica à parte, o que a torcida brasileira espera mesmo de seus jogadores é o penta. Com ou sem sexo.

Colaborou Vivian Lemos

 

Política anti-sexo

A revolução sexual acabou, e quem ganhou foram os vírus. Este é o pensamento dos conservadores americanos, que são a alma do governo George W. Bush. Tanto que a Casa Branca vai gastar US$ 135 milhões por ano para combater a promiscuidade e gravidez entre jovens. A principal arma: a abstinência sexual. De acordo com a conservadora Kaiser Family Foundation, 67% dos jovens do país, entre 15 e 24 anos, tiveram relações sexuais pelo menos uma vez na vida. E os casos de doenças venéreas no mesmo grupo vêm aumentando. Somente no reinado moral de Bush, o crescimento foi de 26%. No Canadá e nos Estados Unidos, cinco pessoas são infectadas a cada minuto. A faixa etária mais atingida é a de 13 a 19 anos. Neste mês já nasceram 188.783 bebês de meninas menores de 19 anos, e outras 350.061 esperam a hora do parto. Hoje, 1.200 distritos escolares já usam a cartilha anti-sexo.

Mas a abstinência pode não ser a bala certeira que imaginam os conservadores. A começar pela definição desse termo. O alerta vem da antropóloga e socióloga Helen Fisher. Autora de best-sellers como Anatomia do amor (editora Eureka), ela relata: “O ex-presidente Clinton não considerava a felação como sexo. Pelas minhas pesquisas, feitas entre 1990 e 2002, os adolescentes americanos concordam com ele.” Helen registra que a prática do sexo oral é hoje comum entre garotos e garotas desde os 12 anos. Num universo de 1.500 entrevistados, 68% confessaram o uso da modalidade e muitos nunca experimentaram sexo com penetração. “Isso é abstinência?”, questiona ela.