20/08/2003 - 10:00
Nas grades do Jardim de Luxemburgo, sede do Senado francês, há um exemplo bem-sucedido do empenho dos políticos locais de irem onde o povo está. É a exposição de 89 fotos do iraniano que atende apenas pelo nome de Reza, batizada de Destinos cruzados, anotações de um repórter fotográfico. Em vez de mandar construir um espelho d’água para afastar o povo, como se fez em Brasília, os parlamentares atraíram a atenção de milhares de turistas e cidadãos franceses que passam de carro ou a pé pela calçada do Palácio de Luxemburgo, onde estão afixados imensos painéis com iluminação adequada e textos informativos tão emocionantes quanto as imagens. Nestes dias de calor superior a 40 graus centígrados, a mostra ao ar livre é uma das grandes atrações do verão até 30 de setembro.
O fotógrafo Reza, um exilado em Paris, há mais de 20 anos testemunha com suas lentes o sofrimento dos excluídos ao redor do planeta. Em suas andanças, sempre combinando tino jornalístico com a mais alta sensibilidade artística, Reza desenhou a história recente da humanidade em cenas emocionantes e chocantes. Uma garotinha, aparentando não mais que sete anos, sob o frio de uma Sarajevo em guerra e quase deserta, é o retrato da infância abandonada. O tom cinzento torna-se ainda mais desesperador, quando Reza explica que os brinquedos ao lado da menina estão à venda. “Eu me senti profundamente diminuído quando vi o que o mundo estava fazendo com aquela criança, que pôs à venda aquilo que ela possuía de mais precioso: seus companheiros, sua infância”, emociona-se Reza no catálogo da exposição.
Afeganistão, China, Malásia, Turquia, Ruanda, Camboja, Egito, Azerbaijão, o mundo passa conforme o visitante faz a volta pelas grades do jardim e a humanidade se mostra em rostos talhados pelo sofrimento ou pela desigualdade e exploração, como o produtor de arroz que assiste, sob um guarda-sol – símbolo do conforto no calor do Egito –, a uma tropa de crianças e mulheres fazendo a colheita. Em outras cenas, Reza levanta questões inquietantes da existência: como pode o petróleo, que já fez tantas famílias milionárias, produzir igual pobreza justo na parte do mundo onde o óleo é mais abundante? Em imagem, o fotógrafo faz a afirmação exibindo dois garotos pendurados de cabeça para baixo numa sucata de um campo de extração ou numa selva de ferro, como define Reza.
Armas – A guerra aparece em forma de gorros, boinas, quepes ou cabeças descobertas à procura de proteção. Em cada foto, as armas vão fazendo parte do cotidiano de seres distantes na geografia, porém próximos na exclusão. Até mesmo nas fotografias aparentemente ingênuas, o terror da matança aparece, como no trem pau-de-arara cambojano, coberto de lenços e chapéus de palha, que cruza o campo minado para chegar à Tailândia, onde os passageiros vão vender quinquilharias aos vizinhos.
Os efeitos bélicos se igualam aos do confronto ideológico e à agressão
à liberdade. Christian Poncelet, presidente do Senado francês, diz na apresentação da exposição que Reza é um fotógrafo da humanidade.
“Ele procura a doçura e a esperança, apesar do ódio e do sofrimento impostos pelos homens aos outros homens.” Os parlamentares franceses ofereceram toda a renda da venda do catálogo e de postais para a Aïna, do Afeganistão, uma ONG que trabalha pela democracia. Afinal, todos
nós já tivemos ou ainda podemos ter os nossos destinos cruzados.