16/08/2000 - 10:00
Na esteira dos escândalos que envolvem o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira, no final da tarde da quinta-feira 17 caiu o presidente do poderoso Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Sérgio de Otero Ribeiro. Com uma canetada, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, afastou o apadrinhado e parceiro de Eduardo Jorge e criou uma comissão de sindicância para apurar denúncias publicadas por ISTOÉ: o favorecimento a empresas privadas de informática com negócios com o Serpro e o enriquecimento de Otero com a aquisição de um avião e de outros bens não declarados em seu nome à Receita Federal. Na segunda-feira 14, Malan resolveu investigar as acusações e escalou seu chefe de gabinete, João Batista Magalhães, para ouvir a defesa de Otero. No dia seguinte, durante quatro horas o presidente do Serpro deu explicações ao Ministério da Fazenda, mas não conseguiu convencer de que não tinha culpa no cartório. Ao final da conversa, pediu para falar com o ministro, mas não foi recebido. Sua sorte já estava selada e Otero ainda terá muito que justificar à comissão de sindicância e ao Ministério Público. Por exemplo, as atividades empresariais de sua mulher, Rosane Rodrigues Batista.
Dona da RBB Serviços de Informática Ltda. – em cujo nome está registrado o Seneca bimotor de seis lugares, prefixo PT-EMT, com que Otero cruza os ares de Brasília –, Rosane é conhecida no mercado por se oferecer para abrir portas no governo, especialmente no Serpro. Ela também integra a filial brasiliense da Prolan Soluções Integradas, que tem contratos milionários com o Serpro e adquiriu por R$ 600 mil o terreno em área nobre e exclusiva da capital federal onde o casal Otero planeja construir uma mansão. Rosane costuma ainda pedir dinheiro a fornecedores do Serpro, sob variados pretextos: de pagamento de festas a tratamentos de saúde do marido. Cada empresário é instado a contribuir com R$ 20 mil a R$ 30 mil em cada “vaquinha”.
Otero terá de explicar também as denúncias do advogado Paulo Roberto Medeiros Braun – ex-diretor de investimentos do fundo de pensão dos funcionários do Serpro e ex-superintendente da estatal – de que teria recebido favores da multinacional IBM. Braun conta que na primeira semana de janeiro de 1996 ouviu do próprio Otero a informação de que iria às Olimpíadas de Atlanta à custa da IBM. No dia 18 de janeiro, Braun reproduziu a conversa diante da diretoria do Serpro e provocou um irado desmentido de Otero. Curioso é que na defesa que apresentou ao Ministério da Fazenda, Otero acaba confirmando em parte as denúncias de Braun, que, nos próximos dias, vai repeti-las ao Ministério Público. O presidente do Serpro entregou cópia de um ofício da IBM, datado de 8 de julho de 1996, em que a empresa parcela para depois dos Jogos Olímpicos o reembolso em três vezes das despesas que teve com “as diárias de hotel, alimentação, transporte local, ingresso e material de apoio para dois participantes”. Otero viajou várias vezes ao Exterior para participar de eventos de multinacionais de informática com todas as despesas pagas pelas empresas patrocinadoras. Ele já ficou três dias em Nova York por conta da IBM e oito dias em Washington em uma das três viagens que fez à custa da Microsoft.
Os investigadores do governo e da Procuradoria da República querem saber também de Sérgio Otero sobre o seu relacionamento com a TBA Informática, um pequena empresa que virou gigante e em seis anos deu um salto no faturamento anual de R$ 85 mil para R$ 100 milhões. De acordo com a funcionária pública aposentada Marisa Dias Ribeiro, ex-mulher do presidente do Serpro, teve dedo de Otero na meteórica ascensão da TBA. “O Eduardo Jorge e o Sérgio são muito amigos, um não fazia nada sem consultar o outro”, conta Marisa. As peripécias de EJ e Otero finalmente convenceram o presidente Fernando Henrique a colocar tranca na porta arrombada. Depois de ouvir de Malan um relato sobre o afastamento de Otero, FHC resolveu anunciar na próxima segunda-feira um código de conduta para os servidores públicos. As normas parecem feitas sob medida para a dupla EJ/Otero: os funcionários ficam obrigados a declarar qualquer alteração patrimonial, não podem mais receber presentes que custam mais de R$ 100 e são proibidos de ter passagens, hospedagem e outras benesses pagas por empresas privadas.
O tombo do operador
Na noite de quinta-feira 17, a cúpula do Tribunal Superior do Trabalho decidiu afastar seu diretor-geral, José Geraldo Lopes de Araújo. No cargo desde 1984, José Geraldo foi apontado por ISTOÉ, em julho, como o operador do esquema do juiz Nicolau dos Santos Neto, que desviou R$ 169 milhões da obra do fórum trabalhista de São Paulo. Além de remanejar verbas de outros tribunais para o TRT-SP, o ex-diretor recebeu pelo menos 450 ligações de Nicolau e do empreiteiro Fábio Monteiro de Barros. A saída de José Geraldo foi negociada. Oficialmente ele pediu afastamento do cargo com a desculpa de que está muito cansado. Sua permanência na diretoria-geral, após admitir, durante depoimento à subcomissão do Judiciário no Senado, ser muito amigo de Monteiro de Barros e do juiz foragido, ficou insustentável. Segundo a cúpula do TST, mantê-lo no cargo resultaria enorme desgaste para o tribunal.
A saída de José Geraldo foi festejada pelo Planalto. O presidente Fernando Henrique acredita que, para evitar novos abalos à imagem do governo depois do escândalo EJ, é chegada a hora de mudar a política de relacionamento com funcionários acusados de corrupção. Demitidos Sérgio Otero e José Geraldo, quem está na alça de mira do Planalto é o diretor-geral da Polícia Federal Agílio Monteiro Filho. Contra ele não pesa acusação de corrupção, mas, segundo o Planalto, tem sido inoperante na caça ao juiz Nicolau.
Durante depoimento à subcomissão, na terça-feira 15, José Geraldo estava muito nervoso. Insistiu na tese da autonomia financeira dos tribunais em relação ao TST, mas não convenceu os senadores. Para justificar os telefonemas de Fábio Monteiro chegou a dizer que num deles o empreiteiro teria indicado um cardiologista. As contradições ficaram mais evidentes na sessão do dia seguinte. Na manhã de quarta-feira, juízes do TRT paulista apresentaram documentos que desmentiam o ex-diretor-geral. Em ofício ao TST, o juiz Nicolau pediu um reajuste de preços da obra do fórum. “Vi documentos em que o TST atendia à solicitação de suplementação de verbas e informava ao TRT que estava enviando determinada quantia”, disse na subcomissão o juiz Luiz Carlos Godói, que presidiu a comissão de acompanhamento da obra em sua fase final (de 1998 a 1999).
Isabela Abdala