Um tiro disparado na noite de segunda-feira 10 apagou o brilho de uma ascendente estrela do PT. O prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o Toninho, por ironia, foi, aos 49 anos, vítima de um dos problemas que ele mais tentava combater: a criminalidade. O motivo para o assassinato desse homem obcecado pelo fim da miséria e da corrupção ainda é uma incógnita para a polícia. Já políticos e assessores do PT acreditam tratar-se de uma execução, motivada por divergências políticas ou vingança. Toninho mexeu num vespeiro ao renegociar contratos – feitos pela administração anterior, reduzindo valores em até 40% – com empresas ligadas à coleta de lixo, merenda escolar, segurança patrimonial e de aluguéis de veículos e maquinário. O outro embate foi com os servidores municipais. Ao assumir em janeiro, o prefeito extinguiu cargos de confiança, demitiu gente e substituiu os que ganhavam altos salários. Ele ainda bateu de frente com o tráfico de drogas ao promover a remoção de grupos que vivem em terrenos a ser desapropriados para a ampliação do Aeroporto de Viracopos.

Investigação – Uma comissão integrada pelos secretários municipais de Cooperação nos Assuntos de Segurança, Péricles Caramaschi, de Assuntos Jurídicos, Nelson Roberto Lucílio, e pelos presidentes das comissões de Direitos Humanos da Câmara, vereador Carlos Signorelli, e da Assembléia, deputado Renato Simões, ambos do PT, acompanhará as investigações. Umas das principais missões da comissão será montar um dossiê para a polícia, informando as áreas de interesses econômico e político que sofreram mudanças desde que Toninho assumiu o governo. As renegociações, rompimentos de contratos e até intervenções urbanas serão consideradas.

Depois do choque, a população – 100 mil pessoas saíram às ruas para se despedir do prefeito – começou a dar informações sobre o que viu na noite de segunda-feira, quando Toninho foi baleado nas proximidades do Shopping Iguatemi, onde fizera compras após fazer exercícios na academia do irmão. Eram 22h15 e ele voltava para casa. O prefeito era casado e tinha uma filha de 15 anos. “As denúncias estão chegando na prefeitura. As pessoas estão evitando falar à polícia. Estamos fazendo uma triagem do que é relevante e repassado-as aos investigadores”, contou o deputado Renato Simões. Quanto às ameaças que Toninho estaria sofrendo, Simões disse haver controvérsia. “Não houve carta ou telefonema. Assessores próximos contaram que ele se sentia ameaçado, tenso em determinadas situações. A cidade estava vivendo um processo de enfrentamento”, disse o deputado.

Toninho era popular e se considerava um homem do povo. Resistia ao uso de carro oficial e de seguranças. Apesar de filho de uma rica e tradicional família de Campinas, ele preferia caminhar pelas ruas como um cidadão igual aos outros. O terno e a gravata nunca foram seu forte. Calças jeans e camisa pólo eram as suas roupas preferidas para transitar na periferia e também nos badalados bares da cidade de quase um milhão de habitantes, o segundo maior pólo econômico de São Paulo. Mas nem tudo foi fácil na vida política de Toninho, um petista ligado à esquerda do partido. Quando vice-prefeito do ex-sindicalista e então petista Jacó Bittar, Toninho, no meio do mandato (1989 a 1993), rompeu com o prefeito e denunciou irregularidades em licitação de obras públicas. Em 1996, tentou a prefeitura, mas perdeu para o cacique da política campineira, Chico Amaral (PPB). Candidato às eleições de 2000, ele e sua vice, a assistente social Izalene Tiene, largaram na corrida municipal em quinto lugar, mas venceram as eleições, em segundo turno, com 60% dos votos.

O delegado Osmar Porcelli, que assumiu o caso, trabalha com todas as hipóteses para o crime. Uma testemunha contou à polícia que viu dois homens sem capacete em uma motocicleta preta atirarem contra o prefeito e fugirem. No mesmo dia em que sua carreira seria brutalmente encerrada, Toninho em tom premonitório, sinalizou que poderia morrer. Durante um debate sobre racismo na prefeitura, disse para sua vice Izalene: “Se acontecer alguma coisa comigo, você será a primeira prefeita da história de Campinas.” Ainda sob o impacto da morte do companheiro de luta, Izalene disse a ISTOÉ que estava se conscientizando da “nova realidade”. Toninho e a prefeita, que integra a corrente à esquerda do PT Fórum Socialista, trilharam o mesmo caminho. Foi ela quem levou o então jovem arquiteto para o PT. “Antes de convidá-lo a ingressar no PT, o que fiz em 1980, eu o convidei a participar do movimento Assembléia do Povo, na organização das favelas. Ele cuidava dos projetos, da urbanização e eu, da organização social”.

Pelo social – A prefeita promete dar continuidade ao trabalho de Toninho. Além do Orçamento Participativo, vai criar outro canal de comunicação com a sociedade. Solteira e sem filhos, Izalene não vai mudar seus hábitos, mas admite que terá de usar segurança. Sobre a atuação do crime organizado em Campinas, enfatizou que o abandono da cidade pelo poder público fomenta a violência. “Há 13 anos, por exemplo, não se constrói uma habitação popular. Temos uma grande dívida social. O débito do município é duas vezes o valor do nosso orçamento. No mesmo dia em que mataram Toninho, mais quatro pessoas morreram aqui. O crescimento exacerbado sem aumento de infra-estrutura e de políticas sociais favorece a violência.” Enfrentar e transformar essa realidade será o maior desafio dessa petista, que atua no movimento social desde a década de 70 e participou das Comunidades Eclesiais de Base.