17/04/2002 - 10:00
A ex-governadora Roseana Sarney (PFL-MA) nunca imaginou que o caminho entre o céu e o inferno fosse tão curto. Desabando nas pesquisas desde a batida da Polícia Federal na sede da Lunus Participações, o PFL resolveu exigir a renúncia da pré-candidata esta semana, logo após a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os critérios das coligações, que deverá ocorrer na quinta-feira 18. A pressão pela renúncia é uma bomba incômoda no colo dos chefões do partido. Na quarta-feira 10, o deputado José Perrela (PFL-MG) intimou um cacique do PFL publicamente no cafezinho da Câmara: “Vocês criaram, resolvam! Quando ela sai?” Em outra conversa mais reservada, o deputado e conterrâneo de Roseana, Francisco Coelho (PFL-MA), alertou os líderes do partido de que o desgaste da candidatura já ameaça o PFL no Maranhão. “Quanto mais cedo ela sair, melhor”, afirmou Coelho. Os protestos do baixo-clero contaminaram todo o partido, à exceção do presidente, Jorge Bornhausen (SC) e do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. O ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) disparou irritadíssimos telefonemas na quinta 11, aos líderes do PFL: “Acabou. Depois dessa lista não aceito nem conversar com ela. É uma vergonha.
A pá de cal”, esbravejou ACM, referindo-se à relação dos supostos doadores do R$ 1,34 milhão encontrado na Lunus. A lista, com nomes
de parentes e empresários ligados a Roseana e ao marido, Jorge Murad, tinha objetivos estritamente jurídicos e os aliados políticos não foram consultados. A astúcia legal implodiu, definitivamente, a candidatura
de Roseana.
A lista foi qualificada como “piada” na direção do PFL. “É um desconforto permanente”, confessou o líder do Senado, José Agripino Maia (PFL-RN). “Não somos Jim Jones para um suicídio coletivo”, resumiu o vice-líder, Pauderney Avelino (PFL-MA). O vice-presidente, Marco Maciel (PFL-PE), já conversou claramente sobre a renúncia com Jorge Bornhausen e até na família o irmão e administrador do clã, Fernando Sarney, pressiona Roseana a deixar a candidatura. A renúncia é uma questão de dias. O partido vai esperar o gesto da ex-governadora. Ela já jogou a toalha e comunicou a assessores que vai desistir. Além da pressão política, Roseana enfrenta problemas pessoais como a depressão do marido e a doença de dona Kiola, sua avó de 96 anos. Se demorar em abandonar o barco, será cobrada. O líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), promete organizar uma blitz em cima de Bornhausen com outros 20 líderes estaduais para precipitar a decisão. “Nem posso ficar no plenário de tanta pressão. A bancada está indócil. Ela perde em todas as simulações no segundo turno”, desabafou Inocêncio. Agora é uma questão de combinar um roteiro honroso. De acordo com Pauderney Avelino, o presidente Jorge Bornhausen, o coordenador de campanha César Maia e alguns outros líderes devem apresentar um “script” e detonar a candidatura Roseana de uma vez por todas. Neste momento, o que o PFL discute é a própria sobrevivência e o peso que o partido terá no futuro governo, seja ele qual for. É exatamente a saída para o “day after” que pode rachar o partido. Um grupo minoritário, entre eles os governadores, defende a volta ao governo; outro, a independência; e um terceiro, o apoio a Ciro Gomes (PPS-CE). Neste grupo estão os pernambucanos e baianos. Ninguém mais põe um centavo na viabilidade da candidatura Roseana após a abertura dos documentos da Lunus.
Caixa-preta – Bastaram pouco mais de dez horas analisando o papelório apreendido pela Polícia Federal na Lunus Participações – de Roseana Sarney e Jorge Murad –, para que os procuradores que investigam as fraudes na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia chegassem a uma conclusão explosiva: a Lunus tinha negócios com a Usimar, a maior fraudadora da Sudam. Segundo os procuradores, correspondências mostram que Jorge Murad funcionava, ao mesmo tempo, como lobista da Usimar, consultor da Sudam e secretário de Planejamento do Maranhão. Ele dava a palavra final para resolver empecilhos burocráticos que viabilizaram a aprovação do projeto Usimar. “Houve participação direta de pessoas da Lunus na aprovação do projeto Usimar e também na liberação fraudulenta dos recursos da Sudam para a empresa”, disse o procurador Mário Lúcio de Avelar, responsável pelas investigações no Tocantins. A análise da contabilidade da empresa de Roseana e Murad foi suspensa na manhã da quinta-feira 11, por decisão do presidente do Tribunal Regional Federal, Tourinho Neto, atendendo ao pedido dos advogados da ex-governadora. As oito
caixas de papéis que estavam no MP em Palmas foram lacradas e devolvidas à Justiça.
Inconsistência – O financiamento à Usimar previa a implantação, em São Luís, de uma indústria de autopeças que custaria R$ 1,3 milhão. A empresa chegou a receber R$ 44 milhões. A fábrica não saiu do papel. O projeto foi aprovado em 14 de dezembro de 1999 na reunião do Conselho Deliberativo da Sudam coordenada pela então governadora maranhense Roseana Sarney. Na ocasião, a decisão contrariou o voto do representante do Ministério da Fazenda no conselho, que alegou inconsistência técnica e financeira para o projeto. Em setembro, a carta-consulta da Usimar foi aprovada em três dias, quando este tipo de análise demorava quatro meses. Por causa desta decisão, em dezembro de 2000, a ex-governadora, o marido, Jorge Murad, e outras dez pessoas foram indiciadas pelo MP por improbidade administrativa. A documentação da Lunus, analisada parcialmente por Mário Lúcio de Avelar e outros seis procuradores de vários Estados, mostra uma relação promíscua entre interesses públicos e privados. Os procuradores leram ofícios enviados pelo ex-superintendente da Sudam José Arthur Guedes Tourinho pedindo a intervenção de Murad para viabilizar a urgente aprovação do projeto Usimar, o que de fato ocorreu. Quando a Sudam realizou a primeira fiscalização no projeto Usimar, quem recebeu os fiscais no aeroporto
e os levou ao terreno baldio onde funcionaria a indústria foi o então substituto imediato de Murad, o ex-secretário de Planejamento
Alexandre Rizoto Falcão.
Além de funcionar como comitê permanente de campanha da ex-governadora, empresa de consultoria e lobby, a contabilidade da empresa de Roseana e Murad mostra também que a Lunus era uma espécie de agência clandestina de informações. Foram encontrados dossiês inteiros sobre a atuação de prefeitos do interior do Maranhão. Entre os documentos agora lacrados, existem dezenas de cópias de cheques emitidos ilegalmente pelo prefeito de Imperatriz, Jomar Fernandes, que mostram desvio de dinheiro público. Foram pagamentos feitos pelo prefeito a parentes. Outros cheques encontrados na Lunus emitidos por vários prefeitos intrigam os procuradores, já que não existe prestação de serviços ou venda de produtos da empresa aos municípios.
Outros documentos analisados pelos procuradores mostram que a Lunus também manteve negócios com a Nova Holanda Agroindustrial S/A, que também desviou dinheiro da Sudam. A Nova Holanda era controlada pela Agrima – Agricultura, Indústria e Comércio de Calcário Ltda., que pertenceu a Murad entre 1993 e 1994. Os papéis examinados pelo MP mostram ainda que a Lunus continuou sendo proprietária da Agrima até o ano 2000. Na lista de doadores do R$ 1,3 milhão está o empresário João Claudino, dono da construtora Sucesso, a mesma que aparece num dos envelopes onde estava parte do dinheiro encontrado na Lunus. Entre os empresários apontados como doadores estão Nicolau Dualibe Neto e Henry Miguel Dualibe, tios de Jorge Murad, que estiveram envolvidos no esquema PC Farias. O Ministério Público pediu abertura de inquérito para apurar a regularidade das doações e responder a uma pergunta elementar: por que Jorge Murad sacou tanto dinheiro da conta – R$ 200 mil – e guardou em sua empresa, quando poderia ir gastando na pré-campanha da mulher aos poucos?
Chantagem – Descendente direto das siglas criadas pela ditadura, o PFL apelou a práticas oligárquicas para impor sua vontade e tentar, em vão, salvar a candidatura Roseana com a ameaça de paralisar o Congresso. A intimação da PF para que Roseana Sarney depusesse no escândalo Sudam provocou um cataclismo em Brasília. Alegando que Roseana não era foragida e se tratava de um “ato intimidatório”, Jorge Bornhausen anunciou que o partido engessaria as votações. Tudo porque a intimação foi entregue no domingo. Mesmo não sendo corriqueiro, não há nada de ilegal nisso. A situação se complicou ainda mais a partir de uma alternância de declarações desastrosas. Bornhausen convocou suas tropas para uma guerra. O governo agiu e a PF prometeu adiar o depoimento de Roseana. O PFL entendeu o recuo como armistício: “O gesto da PF foi importantíssimo para baixar a bola”, disse Inocêncio Oliveira. A PF confirmou o depoimento para esta terça-feira 17. O tempo voltou a fechar quando Jorge Murad, que havia deixado o governo do Maranhão, voltou ao Palácio dos Leões como secretário de Ciência e Tecnologia, um golpe para tentar garantir ao casal o privilégio de ser julgado pelo Tribunal Regional Federal e evitar surpresas como a que constrangeu o ex-senador Jader Barbalho (PMDB-PA), que foi algemado pela polícia.
Franqueza – Noviço nas sutilezas do poder, o ministro da Justiça, Miguel Reale, disse numa entrevista à Rádio CBN o que todo político pensa, mas não tem coragem de dizer: “Se quer foro privilegiado é porque se admite a participação nos fatos.” A franqueza inesperada de Reale, entretanto, assumiu ares de sentença, ainda mais se proferida por alguém que é suplente, no Senado, do candidato tucano José Serra (SP). A trapalhada, é claro, reavivou a fúria pefelista. “Foi um desastre”, condenou o presidente do PSDB, José Aníbal (SP). O pito dos tucanos no ministro ajudou o PFL a desobstruir as votações no Congresso. Foi aprovada apenas uma das 20 medidas provisórias e a prorrogação da CPMF ainda está no final de fila. Mas a guerra acendeu a luz amarela. O vice-presidente da CNI, Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), passou a semana relatando aos deputados a apreensão da elite empresarial. Motivo: José Serra não conquistou votos que Roseana perdeu, o candidato do PT, sim. “Em todas as conversas dos empresários só se fala nisso. Estão entregando de bandeja a eleição para o Lula.” Moreira se referia à última pesquisa do instituto Datafolha, em que Serra estacionou em 19% e o PT subiu 5 pontos, chegando a 31%. Com o nível de hostilidade na classe política, Moreira pode estar certo.