As tecnologias dedicadas a oferecer às pessoas um sono melhor formam hoje um conjunto de medicações cada vez mais poderosas e aparelhos eletrônicos que trabalham de forma eficiente, tanto no monitoramento das atividades noturnas quanto na indução a um ritmo mais restaurador. Quando se fala em problemas para dormir, na maior parte das vezes o foco é a insônia, um mal que, sem exagero, aflige a humanidade. “Cerca de 20% da população da cidade de São Paulo sofre de insônia, então é natural que as pessoas fiquem esperando por uma bala de prata que possa resolver de vez o problema”, diz o médico e pesquisador Gustavo Moreira, do Instituto do Sono, entidade que é referência nessa área clínica.

Para fazer a pessoa ter um sono melhor, a “bala de prata” da vez parece ser a melatonina, hormônio produzido pela glândula pineal do cérebro, cujo efeito principal é regular a forma como o nosso corpo organiza suas funções enquanto estamos acordados.

O hormônio é liberado pelo cérebro no início da noite, quando cai a iluminação natural. Uma dose extra pode ser administrada às pessoas, com hormônio sintetizado ou extraído de animais, e assim estimular o sono.

O medicamento já é usado por crianças e adultos em grande quantidade, mas sem orientação médica, o que é preocupante.

Quanto ao, digamos, problema “inverso”, que é diminuir o sono supostamente excessivo, a estrela farmacológica é o modafinil.

Desenvolvido originalmente para pacientes que sofrem de narcolepsia, grave condição em que os ataques de sono podem surgir a qualquer momento de forma intensa, o modafinil é um fato novo numa área que durante muito tempo foi dominada pela cafeína.

Pela capacidade de melhorar a concentração, já é uma moda entre estudantes na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda é um medicamento que está sob avaliação.

Travesseiro que dita o ritmo da respiração da pessoa e pijama com sensores: os gadgets vão para a cama (Crédito:Divulgação)
(Divulgação)

Antes de recorrer a medicações, é importante que a pessoa procure ajuda de um especialista. Segundo Moreira, é preciso reconhecer quando a insônia começa a afetar a vida da pessoa. “Os efeitos vão desde a mudança do humor até problemas motores, quando, por exemplo, o paciente começa a derrubar coisas. Se os episódios de insônia noturna ocorrem mais de três vezes numa semana, o alerta está claro.”

Insônia e apneia do sono, distúrbio que provoca diminuição ou parada total da respiração por alguns segundos ao dormir, são as principais causas da procura por ajuda no Instituto do Sono.

O médico admite que há conselhos gerais que podem ser seguidos por aqueles que têm dificuldade para cumprir uma noite inteira de sono. Como Moreira diz, as dicas simples parecem coisa de avó, mas têm eficiência comprovada.

Ele destaca que é essencial a pessoa sair da cama quando não consegue dormir e fazer alguma coisa pela casa. Ficar rolando de um lado a outro sem dormir só vai aumentar o cansaço no dia seguinte. O conjunto das orientações basicamente visa que a pessoa desacelere o ritmo nas horas próximas ao dormir.

Gerenciando o desajuste

Algumas pessoas conseguem lidar de um modo organizado com a insônia, mesmo em casos bem extremos. A stylist e visual merchandising Juliana Costa, 47, tem desde 2010 uma falta de sono inclemente. O processo começou após o fim de seu casamento e foi se acentuando.

“Numa noite típica, durmo 15 minutos, aí fico três horas acordada, então durmo mais um pouquinho e logo acordo de novo. Às vezes durmo menos de uma hora”, conta, dizendo que não se sente sonolenta durante o dia.

Tomou remédios, inclusive a melatonina, que provocou efeito oposto ao esperado, ficando “ligadona”. Praticou meditação, ioga, pilates e até boxe. “Achei que isso ia me derrubar, mas que nada!”

Juliana simplesmente assumiu ser esse seu “perfil noturno”, apesar da estranheza de amigos e até de familiares. “Estou bem, isso é o que importa.”

Paralelo ao desenvolvimento de fármacos, é na tecnologia extracorporal e “vestível” que se concentram novidades impactantes. Os pijamas com sensores embutidos são capazes de monitorar:
* mudanças de postura;
* ritmo respiratório;
* batimento cardíaco,
* saturação de oxigênio da pessoa durante a noite.

Isso garante mais comodidade para a verificação dos possíveis problemas de sono de um paciente. Mesmo antes da chegada desse pijama high-tech, os aparelhos para esse monitoramento se modernizaram muito.

Menores, eles podem ser usados pela pessoa durante vários dias, evitando a já famosa noite mal dormida que os pacientes têm que passar nas clínicas de transtornos do sono, cobertos de sensores pelo corpo.

Flavio Creatori se exercita para ajudar a controlar narcolepsia: lidando com a chance de dormir a qualquer momento (Crédito:Marco Ankosqui)

Outra novidade é o Fufuly, um travesseiro-robô que trabalha para proporcionar um sono melhor. Dentro dele, um mecanismo contrai e expande o travesseiro em ritmos pré-programados.

Abraçado ao corpo ou usado sob a cabeça, o vaivém do dispositivo vai induzindo a pessoa a seguir um ritmo respiratório igual ao da peça robótica, levando a um sono com menos riscos de sobressaltos.

Para Alan Luiz Eckeli, professor de Neurologia e Medicina do Sono da USP de Ribeirão Preto, “as startups que lançam esses equipamentos passam por um processo de validação científica, mas na maioria dos casos isso ainda não foi realizado. De qualquer modo, a gente está chegando agora, na área da saúde do sono, a uma era dos equipamentos vestíveis”.

Segundo a britânica Catherine Coveney, professora da Universidade de Loughborough e colunista de saúde da BBC, a mesma tecnologia que é utilizada pelos visores de realidade virtual está sendo empregada na pesquisa de uma estimulação sensorial.

A ambiciosa proposta é criar um capacete flexível e confortável para propiciar momentos de leve excitação e de pausas agradáveis, e assim conseguir até “administrar” os sonhos do paciente.

Entre os transtornos do sono, a narcolepsia é o mais problemático.

Quem sofre do mal pode adormecer a qualquer instante, mesmo durante uma conversa. Andando na rua ou dirigindo um carro, os riscos em um acidente podem ser mortais.

“Eu dormi da primeira à oitava série na escola, todos os dias, e meus pais recebiam cartinhas”, conta Flavio Creatori, que só teve a doença diagnosticada depois de adulto, quando passou a trabalhar e, com plano de saúde, teve chance de fazer os exames, que não são baratos.

Grato aos médicos que o acompanham, ele segue orientações para manter a saúde em dia. “Na minha condição, é essencial estar com a saúde boa. Faço exercícios e tento não engordar, porque a obesidade aumenta a chance de apneia do sono”, conta, acrescentando que marca seus compromissos para depois das 17h, pois descobriu que nesse período os episódios de sono são menores.

Aos 38 anos, Creatori se define em perfil publicado na internet como praticante de taekwondo, professor de inglês e “narcoleptic fighter”. Um lutador.

Paciente ligado a sensores no Instituto do Sono: novos aparelhos facilitam os exames (Crédito:Divulgação)