Nos últimos três anos, a evolução do ultra-som tem permitido constatações surpreendentes sobre o comportamento do bebê ainda dentro do útero. Uma delas é a de que o feto masculino entra em estado de ereção e manipula seu pênis durante vários minutos. Assim como os fetos de ambos os sexos chupam os dedinhos e às vezes colocam até as duas mãos ao mesmo tempo na boca. Quem continua impressionada com essas e outras observações é a psicanalista e psiquiatra gaúcha Nara Amália Caron, 59 anos, que acaba de lançar o livro A relação pais-bebê, pela editora Casa do Psicólogo. Nara trabalha há nove anos em conjunto com a clínica de ultrasonografia Alpha, em Porto Alegre. Enquanto seus colegas ecografistas se preocupam com medidas, ela analisa o comportamento do feto. É a única profissional a desenvolver esse tipo de acompanhamento no País. Nara se baseia na técnica criada em 1948 pela psicanalista inglesa Esther Bick, a Observação da Relação Mãe-Bebê (ORMB), ou método Bick. Essa será uma de suas abordagens na mesa redonda Corpo Grávido, que acontecerá no sábado 2 de setembro, na PUC do Rio, durante o II Colóquio Winnicott, referência ao psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1896-1971). Nara se define como uma psicanalista winnicottiana, “pelo valor que o psicanalista dá à relação mãe e filho”. A especialista concedeu entrevista a ISTOÉ durante uma curta estadia no Rio.

ISTOÉ – Qual foi sua reação quando observou um feto manipular seu pênis?
Nara Caron – Fiquei chocada. A gente pensa que eles aprendem tudo depois, mas não é bem assim. Eles pegam, puxam e soltam, e não é um movimento casual. Chegam a ficar até 12 minutos repetindo o gesto. Há muito preconceito dos pais quando vêem os filhos se tocando. O pai, geralmente, fica orgulhoso, diz que aquele vai ser um bom filho e suspende seu polegar em sinal de aprovação. Mas, quando flagram a menina fazendo o mesmo, ficam até irritados.

ISTOÉ – O que mais fazem os fetos durante a gestação?
Nara – Eles têm longos períodos de sono, e há mães que dizem saber a hora em que seus filhos dormem. Quando acordam, se mexem muito e, se são menores, mais ainda, embora não tenham musculatura. É condição sine qua non para seu desenvolvimento. No fim da gestação estão mais calmos, porque há pouco espaço para se movimentarem. Além disso, bebem o líquido amniótico e urinam todo o tempo. Depois engolem o líquido misturado à urina. Normal é engolir e urinar. Quando não consegue urinar, a bexiga incha, pressiona o pulmão e o feto pode morrer.

ISTOÉ – O feto é capaz de sentir?
Nara – Ainda há dúvidas se o feto é capaz de sentir o que a mãe sente, mas já se sabe que dentro do útero o feto tem capacidades. Cito o exemplo de um bebê que estava com uma bexiga inchada e corria risco de vida. Foram feitas três punções para retirar o líquido amniótico e, cada vez que a agulha atingia o útero, o feto se movia no sentido contrário. Alguma reação ele tem. Antigamente achava-se que fetos e recém-nascidos não sentiam dor, mas ambos sentem, sim. Outra história interessante é que fizeram dieta para uma mãe, de forma que seu líquido amniótico ficasse mais adocicado. A consequência é que o feto passou a chupar muito mais os dedinhos e a engolir maior quantidade de líquido. Ele gostou. Movimentos e emoções violentas também alteram o ambiente do feto.

ISTOÉ – O feto sente quando os pais têm relações sexuais?
Nara – Nessa hora os batimentos cardíacos da mãe se modificam. Não sei de que forma sentem, porque nunca os acompanhei nesse exato momento. Mas é óbvio que eles sentem que houve alguma modificação.

ISTOÉ – O fato de um feto botar as duas mãos na boca ao mesmo tempo pode ter algum significado?
Nara – Há fetos que enfiam a mão inteira na boca. Esse comportamento já dá sinais do futuro temperamento do bebê. O feto que coloca frequentemente a mão inteira na boca tende a se transformar em um adulto mais ansioso.

ISTOÉ – O que acontece com os filhos de mães viciadas em drogas pesadas?
Nara – O bebê já nasce com crise de abstinência, porque estava acostumado àquela droga que circula pela corrente sanguínea da mãe. Em geral nascem com pouco peso e são mais vulneráveis.

ISTOÉ – Os fetos se parecem?
Nara – Cada um é um. Nunca vi uma ultra-sonografia igual à outra. E olha que a média na clínica é de 800 exames por mês. Semana passada apareceu uma mãe branca, cujo feto tinha traços de raça negra. Quando a mãe viu a imagem, a achou parecida ao pai, que é negro. Ainda no útero é possível constatar semelhanças com os pais. E cada mãe tem uma relação diferente com seu feto. As que são mais deprimidas, por exemplo, carregam bebês que não se movimentam muito. E há pais que ficam revoltados quando constatam que o bebê é uma menina. Nesse caso, são comuns as cenas do pai sair batendo a porta.

ISTOÉ – Há quanto tempo se fazem os exames de ultra-som? Quais os principais objetivos?
Nara – Esses exames existem há 25 anos, mas de três anos para cá evoluíram para uma grande precisão, que permite acompanhar detalhes da imagem. A tendência é ficarem cada vez mais precisos. Muitas vezes, o ultra-som – normalmente uma grávida se submete a três exames durante uma gravidez – permite que malformações possam ser revertidas. Ou pelo menos a mãe já fica sabendo. Os maiores benefícios são para a prevenção.