Sai o futebol-arte e entra o futebol-empresa? Não é bem assim. O futebol brasileiro continua dando um show de bola no gramado. Só que agora, do lado de fora do estádio, grandes investidores consolidam uma ofensiva que começou timidamente com a co-gestão da Parmalat no Palmeiras para transformar esse esporte num negócio lucrativo. O exemplo mais emblemático do momento é o do Corinthians. A Pepsi-Cola acaba de anunciar o patrocínio de R$ 20 milhões, durante dois anos, ao time bicampeão brasileiro e vencedor do 1º Campeonato Mundial de Clubes. "Estamos associando a nossa marca ao time de maior destaque do futebol brasileiro, pois queremos estar juntos dos 25 milhões de torcedores espalhados pelo Brasil", diz Vasco Luce, presidente da Pepsi do Brasil. O patrocínio envolve a exposição da logomarca no uniforme dos jogadores, atividades promocionais e campanhas publicitárias.

Além de atrair o segundo maior fabricante mundial de refrigerantes, o Corinthians tem como parceiro/investidor, desde meados do ano passado, o fundo texano de investimentos Hicks, Muse, Tate & Furst (HMTF), que também tem uma parceria com o Cruzeiro. Através de um contrato firmado com a direção do Corinthians, durante os próximos dez anos o HMTF tem o direito de exploração e licenciamento da marca. Aliás, uma das grandes tacadas do HMTF foi exatamente a negociação com a Pepsi. Estima-se que o fundo de investimentos já tenha separado algo em torno de US$ 100 milhões para o Corinthians. Parte desse dinheiro está sendo utilizada na reformulação total da imagem do time paulistano. Para isso não faltam executivos. De acordo com David Diesendruck, diretor da Redibra, empresa responsável pelo licenciamento da marca Corin-thians, até o final do ano serão lançados 200 produtos, como roupas de ginástica, biquínis e relógios.

A HMTF prepara ainda a construção de um moderníssimo estádio para o Corinthians. O projeto prevê um espaço coberto que abrigará, entre outras coisas, uma área VIP, além de restaurantes, bares temáticos, lojas e um museu com a história e os troféus do clube. "Para cada R$ 1 gasto no ingresso, a idéia é de que o torcedor deixe mais R$ 3 no estádio", diz Marcos Caruso, vice-presidente de vendas e marketing da TeamCo, empresa da HMTF que cuida dos negócios do Corinthians e do Cruzeiro. "O objetivo é levar a família inteira para o estádio. Por isso, estamos desenvolvendo produtos específicos para esse público", conta Julio Anguita, presidente da Sight.Momentum, responsável pela área promocional do Corinthians.

Corrupção

Essa reformulação na comercialização da imagem do time não acontece apenas no Corinthians. Grandes clubes como o São Paulo, Vasco da Gama, Flamengo, Santos, Atlético Mineiro também entraram para a turma do futebol-empresa. Especialistas no setor acreditam que há uma tendência de que o futebol brasileiro reedite o fenômeno que ocorreu na Inglaterra no final da década de 80. Naquela época, o futebol inglês vivia em franca decadência, com denúncias de corrupção nos clubes e violência nos estádios (qualquer semelhança com o Brasil…). Para romper com esse esquema, os clubes criaram uma liga e passaram a cuidar da administração de seus campeonatos, em substituição às federações. Isso atraiu investidores e permitiu a recuperação do futebol na Inglaterra.

A mais perfeita tradução disso é o vitorioso time inglês Manchester United. No ano passado, o Manchester faturou R$ 316 milhões em licenciamentos, venda de ingressos, transmissões de tevê etc. Com ações na Bolsa de Londres, o Manchester é cotado hoje em cerca de R$ 4 bilhões. Graças à profissionalização da equipe e dos outros times ingleses, o torcedor voltou aos estádios. O especialista em marketing esportivo Luís Fernando Pozzi, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e um dos sócios da empresa de gestão esportiva TopSports, calcula que atualmente a média de torcedores por jogo na Inglaterra é de 28 mil pessoas, enquanto no Brasil é de 11 mil.

O grande objetivo da profissionalização do futebol brasileiro é exatamente preservar o seu principal ativo, o torcedor, que dentro e, principalmente, fora do estádio é um consumidor em potencial. De olho nesse filão, a TAM anunciou sexta-feira 21 o patrocínio de R$ 3 milhões ao time do Botafogo, durante seis meses. Na mesma semana, a Motorola do Brasil fechou o patrocínio oficial por dois anos com o São Paulo no valor de R$ 16 milhões. É a primeira vez que a empresa investe num time nas Américas. Na Ásia e na Europa, a Motorola patrocina a Confederação de Futebol Asiática e a Liga Européia de Campeões. "Essa parceria vai garantir uma grande projeção à nossa marca", afirma Silvio Stagni, diretor de operações da Motorola do Brasil.

Bancos

O apelo do marketing do futebol está atraindo até os bancos, um setor mais do que expert em farejar negócios rentáveis. O Bank of America investiu cerca de US$ 150 milhões numa parceria com o Vasco do Gama, que inclui licenciamentos, publicidade e direitos de transmissão. O time cario-ca, por sua vez, tem direito à metade dos valores dos contratos negociados pelo banco. Para tocar esses negócios, o Bank of America criou o Vasco da Gama Licenciamentos (VGL), cujos projetos são coordenados pela empresa de marketing esportivo All-E.

O balcão de negócios em que se transformou o futebol brasileiro continua gerando parcerias. Na noite da última quarta-feira 19, foi a vez de o Santos anunciar uma associação com o consórcio CIE-Octagon/Koch Tavares, que já tem uma parceria com o Atlético Mineiro. Dos US$ 250 milhões que serão injetados em dez anos no Santos, pelo menos US$ 20 milhões serão destinados a novas contratações.

O perfil das empresas que investem no futebol brasileiro revela que o negócio é para gente grande. Um exemplo disso é o desembarque da suíça International Sporting Licensing (ISL), a maior companhia de marketing esportivo do mundo, com faturamento anual de US$ 10 bilhões, que vai investir US$ 80 milhões no Flamengo.

Mas todo esse dinheiro estrangeiro que passa pelas catracas do futebol brasileiro corre o risco de ser expulso de campo. O governo editou em outubro passado uma Medida Provisória (MP) que proíbe uma empresa privada de controlar ou gerenciar mais de um time de futebol. A alegação do governo é o risco da criação de um cartel formado por grandes grupos estrangeiros. A MP, que deve ser votada dentro das próximas semanas, deixou os investidores apreensivos, já que boa parte deles tem negócios com mais de um time. Um analista do setor acredita que, caso a medida seja aprovada pelo Congresso, ela será contestada porque no Brasil não há compra de time, o que tem sido feito são contratos de concessão da marca.

O assunto já provocou baixas. Na terça-feira 18, o deputado federal e presidente do Cruzeiro, Zezé Perrella (PFL-MG), renunciou à presidência da comissão especial que analisa a Medida Provisória. Perrella deixou o cargo alegando que poderia estar sob suspeita, já que ele dirige um time patrocinado pela HMTF. Enquanto isso, bem longe de Brasília, os negócios em torno do "Futebol S.A." continuam sendo tocados. Afinal, o jogo está só no primeiro tempo.

Estilos diferentes

Os clubes brasileiros seguem hoje três modelos de parceria. O primeiro a ser implantado foi o de co-gestão, entre o Palmeiras e a Parmalat, em 1992. Nesse sistema, a administração do futebol é conjunta, mas o investidor não interfere na área financeira. No final de 1997, o Esporte Clube Bahia inaugurou a era da participação acionária, em que o clube é transformado em empresa e o investidor compra a maior parte das ações. No caso, o time foi transformado no Bahia S. A., o Banco Opportunity passou a ter 51% do controle acionário e o clube ficou com o restante. Mas o modelo que vem sendo adotado em maior escala atualmente é o investimento para exploração de imagem. A marca do clube e o departamento de futebol são administrados separadamente e o investidor pode ter um representante no futebol, como no Corinthians, ou não, caso do Vasco. Outras diferenças na administração separam os dois finalistas do Mundial de Clubes da Fifa. O Bank of America sabia desde o começo da parceria com o Vasco que teria de montar um time de primeira linha. Somente assim a empresa não sofreria nenhuma interferência do vice-presidente de futebol, Eurico Miranda. Também teve de acatar a imposição do cartola de investir nos esportes amadores. Já no Corinthians, o presidente Alberto Dualib mostra-se muito mais flexível. Cada área fica a cargo de um executivo ou de uma empresa parceira, os poderes são delegados e as decisões são mais ágeis.