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Após assumir o posto máximo da Igreja Católica Apostólica Romana em abril de 2005, sob a alcunha de Bento XVI, o alemão Joseph Ratzinger atravessou o primeiro ano de seu pontificado reafirmando o interesse no diálogo ecumênico e evitando declarações sobre assuntos historicamente polêmicos. Exibindo um perfil diplomático, nem de longe lembrava o cardeal linha-dura que em seus 25 anos à frente da Congregação para a Doutrina da Fé (que tem como principal missão “promover e tutelar a doutrina da fé e a moral em todo o mundo católico”) combateu duramente a teologia da libertação e puniu aqueles que se opunham à ortodoxia católica – posições que lhe conferiram o apelido de “cardeal panzer”, em alusão ao tanque de guerra alemão utilizado pelo Exército nazista na Segunda Guerra Mundial. Nos últimos meses, porém, o Ratzinger conservador dos velhos tempos voltou com força total, causando sucessivas e acaloradas discussões acerca de suas opiniões sobre temas como casamento, islã e evangelização na América. “Ele tem um temperamento tímido. Agora está se revelando com toda naturalidade”, diz dom Dimas Lara Barbosa, secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

CULTO EVANGÉLICO Declarações de Bento XVI ameaçam diálogo ecumênico aprofundado em 1965 pelo Vaticano

A última polêmica foi um documento divulgado pelo Vaticano na terçafeira 10, chamado de Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja, que causou fortes abalos no relacionamento da Igreja Católica com outras religiões cristãs. O texto reafirmou o dogma de que a Igreja Católica é a única e verdadeira igreja de Jesus Cristo, por possuir “todos os elementos da igreja instituída por Jesus”. Diz ainda que as igrejas protestantes, tratadas no artigo apenas como “comunidades cristãs” não podem ser chamadas de igrejas por não contemplarem o sacerdócio nem respeitarem integralmente a eucaristia. Já a Igreja Ortodoxa, que manteve a sucessão ininterrupta de bispos desde o tempo dos apóstolos, pode ser considerada uma igreja e um meio de salvação, apesar de suas “carências” e “distância” da Igreja Católica.

 

 

 

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Elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé e avalizado por Bento XVI, o documento nada mais é do que a retomada de um outro texto católico, intitulado Dominus Iesus, publicado em 2000 e concebido pelo então cardeal Ratzinger. No controverso artigo, ele já afirmava que os cristãos pertencentes a outras religiões que não a do Vaticano estavam em desvantagem em relação aos católicos na busca pela salvação. Para o encarregado das relações ecumênicas da Igreja Ortodoxa Antioquina, o padre Gregório Teodoro, Bento XVI apenas manteve sua linha de pensamento. “Essa sempre foi a postura dele, como cardeal, e dos católicos, historicamente. Só lamentamos que, agora que ocupa o cargo mais importante da Igreja Católica, ele se volte para o assunto com tanta ênfase”, afirma.

“Este papa nunca foi ecumênico. O que ele fez agora foi abandonar de vez a diplomacia”, diz o reverendo Manuel de Souza Miranda, moderador do Conselho Coordenador da Igreja Presbiteriana Unida, que esteve entre as lideranças religiosas recebidas por Bento XVI durante sua visita a São Paulo há dois meses. O reverendo diz que, para sua decepção, o encontro durou menos de 15 minutos. “Em nenhum momento ele falou sobre suas aspirações para o movimento ecumênico.” Representantes da Igreja Metodista também reagiram com indignação a Respostas a questões…, considerado “muito arrogante”. “Foi um retrocesso na caminhada que a própria Igreja Católica percorreu, de forma especial, nos últimos 45 anos”, afirma bispo Stanley da Silva Moraes, numa referência ao Concílio Vaticano II. Iniciado em 1962 e concluído em 1965, o concílio resultou em uma maior abertura da Igreja Católica ao diálogo com outras religiões.

Em defesa do papa, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) divulgou nota dizendo que o documento não trazia nenhum novo elemento e que Bento XVI apenas mostrara firmeza em suas “convicções de defender o cristianismo contra o relativismo contemporâneo”. O subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, padre Agostinho di Noia, declarou que o documento visa esclarecer a identidade da Igreja Católica, mas não altera seu compromisso com o diálogo ecumênico.

Três dias antes da divulgação do polêmico documento, Bento XVI já causara desconforto na relação do Vaticano com lideranças judaicas ao autorizar um maior uso da antiga forma de celebrar missas em latim. O temor é de que o retorno da prática traga de volta um antigo texto, citado nas celebrações da Sexta-Feira Santa, que pede a conversão dos judeus ao catolicismo. Enquanto nos Estados Unidos, a Liga Antidifamação chamou a mudança de “um duro golpe às relações entre católicos e judeus”, o rabino Henry Sobel, da Congregação Israelita Paulistana, adotou um tom mais moderado. “Isso não afeta em nada o relacionamento entre judeus e católicos. Bento XVI é muito conservador em relação a assuntos como a família, os rituais sagrados e os conceitos teológicos clássicos, mas é um homem de visão social bem aberta”, afirma.

 

 

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A disposição mostrada por Bento XVI para criar polêmicas e, principalmente, defender a superioridade da Igreja Católica sobre as demais religiões dá sinais de que novos ruídos na diplomacia ecumênica ocorrerão com freqüência em seu pontificado. “Quando dom Claudio Humes deixou o conclave que elegeu Bento XVI, disse que começaria ali um papado de muitas surpresas”, afirma Antônio Flávio Pierucci, do departamento de sociologia da USP. “E vem muito mais por aí. Ratzinger é muito mais conservador do que as pessoas podiam imaginar.”