30/05/2007 - 10:00
Desde que ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, há quase três décadas, o advogado gaúcho Tarso Genro era mais conhecido pelas suas idéias políticas criativas do que pelo seu senso prático. Ex-prefeito de Porto Alegre, chegou a se apresentar como pré-candidato à Presidência da República, mas perdeu a indicação para o líder maior do petismo, Luiz Inácio Lula da Silva. Quando estourou o escândalo do mensalão, Genro, então ministro da Educação, foi escalado para presidir o PT, mas acabou abatido na guerra interna com o grupo do ex-ministro José Dirceu.
No início do ano, Tarso Genro substituiu o prestigiado Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça. Deu luz verde para a Polícia Federal desencadear duas operações longamente preparadas, que estão atingindo alicerces da República: a Hurricane, contra o Judiciário, e a Navalha, que pega políticos de todos os partidos. Pré-candidato à Presidência da República na sucessão de Lula, Tarso Genro está agradando aos eleitores e sendo criticado pelos aliados políticos do governo no Congresso. Novas operações contra figurões virão por aí, avisa ele em entrevista exclusiva. E a navalha vai atingir a própria carne.
Vai até onde for necessário. A investigação não tem uma orientação determinada pelo governo, e sim pelo Estado, pela lei. Garanto que a Polícia Federal não tem nenhuma orientação política negativa, de evitar investigar tal setor ou tal comunidade política. Mesmo porque essas investigações não são feitas contra os partidos. São feitas em cima de fatos concretos. Por exemplo, essa construtora Gautama.
A apuração começou a partir de uma denúncia recebida pela PF de um fato ocorrido na Bahia. Os fatos foram apresentados ao Judiciário, que permitiu iniciar as escutas telefônicas e as demais investigações. Portanto, a PF vai até os fronts que for necessário investigar. Além disso, as apurações da PF são controladas pela Procuradoria da República e pelo Poder Judiciário.
Se você considera o Estado a própria carne, sim. Se você considera o governo, está provado que sim, que já estamos passando a navalha na própria carne. Se você considera os partidos em geral, a resposta também é sim.
Mencionar algum partido ou personalidade já seria destacá-los de maneira indevida no curso das investigações. Não posso fazer isso. Mas garanto que não há nenhuma destinação política específica sobre as investigações. Investigamos crimes comuns, mas nenhum político ou partido será preservado.
A PF tem o poder de fazer indiciamentos, que é uma cadeia de fatos que, em conjunto, formam um determinado tipo penal. No caso do ministro Silas, embora não haja nenhuma prova conclusiva, segundo a PF há um conjunto de fatos que indicam a possibilidade de que uma conduta ilícita tenha ocorrido. Essa é a opinião da PF, de maneira independente. Esses indícios agora foram entregues ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que vai examiná- los, e depois determinar o que fazer. Portanto, há sim uma forte suspeição da PF de que Silas Rondeau tenha cometido delitos. Isto não constituiu um prejulgamento. Ele decidiu se afastar do cargo para se defender e não causar constrangimento ao governo.
Não posso informar detalhes para não prejudicar outras investigações em curso. Mas há dezenas de outras empreiteiras sendo investigadas. Há investigações sobre obras federais e estaduais e vários setores. Inclusive empreiteiras que trabalham para a Infraero.
Essas ações não desestabilizam o sistema político. Mesmo porque só vão atingir um número específico de parlamentares que cometeram ilegalidades. Ao contrário, fortalecem o sistema democrático. Alertam para determinados tipos de comportamento de quem comete ilegalidades. Essas ações da PF, que num primeiro momento têm um certo reflexo de instabilidade, são profundamente estabilizadoras das instituições. Mas os maus costumes da política podem continuar.
Olha, temos dois grupos de fatos relevantes que emergem dessa operação. Primeiro, temos aí os usos e costumes da política brasileira, que dizem respeito a uma dimensão oligárquica e fisiológica da política. Estou falando da relação direta da liberação de uma emenda do orçamento para uma clientela política. Mas isso não só é permitido pela lei como é feito de uma maneira totalmente transparente pelos parlamentares e pelo governo. Isso não é crime e portanto não é objeto de investigação da PF.
Objeto de investigação é quando isso viola a lei, seja uma violação de edital, seja obtenção de propina, seja a liberação de recursos de maneira ilegal. É só esse segundo grupo de fatos que está sendo investigado. Do ponto de vista moral, o clientelismo é tão condenável quanto o segundo. Mas precisa ficar claro que, quando a PF investiga, não está fazendo uma revisão dos costumes políticos brasileiros, mas sim buscando delitos.
Porque os maus costumes às vezes são delitos, às vezes não.
O problema do clientelismo e dos maus costumes só pode ser corrigido por uma profunda reforma política, incluindo aí o processo de confecção e de execução do Orçamento. Olha, a Operação Navalha, involuntariamente, talvez ajude a fazer uma reforma política. Afinal, levantou o debate sobre a estrutura dos partidos, a relação dos partidos com o orçamento.
Por isso sou a favor do financiamento público de campanha. Rigoroso, cientificamente controlado pelos tribunais eleitorais, e com a proibição de qualquer tipo de contribuição individual. Isso fortaleceria os partidos, diminuiria a corrupção e acabaria com a relação perversa dos políticos com os empresários. Espero que essa operação e outras investigações da PF sirvam de inspiração para acelerar a discussão da reforma política.
Se existem alguns excessos em relação a isso, têm que ser corrigidos. Inclusive algum nível de ostentação. Neste momento estou negociando com a OAB para que façam algumas críticas sobre as operações da PF para que possamos fazer as correções pertinentes. A OAB faz três tipos de críticas. Primeiro, no tempo de demora no acesso aos acusados. Segundo, a forma com que as prisões são feitas, com algemas inclusive.
Terceiro, a maneira com que os presos são conduzidos, que os coloca numa situação de humilhação. Acho que essa preocupação é muito bem-vinda, pois agora o governo federal pode orientar os governos estaduais a comprar novas viaturas policiais mais adequadas para esse tipo de recolhimento. Mas é bom ressaltar que essas críticas foram feitas à medida que pessoas da alta hierarquia social foram expostas. É uma boa preocupação, mas tem que refletir em benefício de todo o povo, o padrão de recolhimento dos presos deve ser igual para todos.
Acho que todos têm que ser recolhidos pela polícia com o mesmo rigor e com a mesma dignidade. Pobres ou ricos têm que ter o tratamento igual.
Na prática, que se tenha um local de aprisionamento que permita que as pessoas sejam conduzidas sentadas. Algemadas, mas sentadas. Não precisam ser jogadas numa espécie de porta-malas deitadas.
Como nós, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, temos condições de orientar tecnicamente a natureza das compras dos governos estaduais, vamos exigir que as viaturas tenham banco no porta- malas. É o mínimo, as pessoas têm que sentar quando são recolhidas.
Não! O problema das algemas é uma questão muito séria, embora às vezes seja tratada com uma certa irreverência.
Até porque as algemas constituem um símbolo. Um ato de detenção tem que produzir duas garantias de segurança: do prisioneiro e do policial. O que a PF alega para usar algemas em todo mundo?
Que é imprevisível a reação de uma pessoa que está sendo aprisionada, mesmo que essa pessoa seja equilibrada. Às vezes a reação das pessoas cultas pode ser até mais chocante. Um desembargador que é algemado num avião, não o é porque vai atacar o guarda, mas porque pode pular num ato de desespero. Nos EUA, recentemente, um juiz determinou que se retirassem as algemas de um prisioneiro e ele conseguiu pegar o revólver de uma policial e matou algumas pessoas. Portanto, o ideal é que fossem algemadas somente as pessoas violentas, mas é possível exigir do agente que ele corra esse risco? Não conheço nada mais seguro para todos do que algemas.
Acho que a pessoa que vai voluntariamente se apresentar na delegacia para ser presa, como foi o caso de Maluf, não precisa ser algemada, pois já está dando uma demonstração de equilíbrio, que vai receber a custódia e que vai se defender. Não precisava ser algemado. O caso do filho dele, o Flávio, que deu carona em seu helicóptero para os policiais e ao pousar foi preso, é outro exemplo de uma inversão total de valores. Não é adequado que os policiais sejam carregados pelo custodiado. Tem que haver um respeito recíproco entre policiais e prisioneiros.
Ninguém hoje tem controle sobre a PF. A PF faz parte da estrutura do Ministério da Justiça, mas um governo não pode ter o controle de uma polícia; o controle tem que ser do Estado. Um governo não pode orientar as ações da polícia segundo sua visão política. Não pode dizer até onde vai uma investigação e onde pára. Um governo tem que verificar é se os procedimentos efetuados pela polícia são legais.
Não falo mais publicamente sobre o assunto para preservar minha função de Estado. Mas internamente continuo defendendo as posições que sempre defendi. Mas interpretaram mal essa história da refundação, como se fosse um desprezo pelos fundadores. Eu proponho um acordo por uma renovação profunda.
Não estamos em paz, pois nunca estivemos em guerra. Tenho divergências políticas com o Zé Dirceu de muitos anos. Não só a respeito de métodos de fazer política como métodos de governar o partido. Não estou dizendo que meus métodos sejam bons e os dele ruins, apenas que são diferentes, e que resultam em duas opções, em dois projetos partidários, que nós disputamos entre nós. O partido vai ter que optar entre os métodos do Dirceu e as propostas de renovação profunda que estamos apresentando.