23/05/2007 - 10:00
Os deputados mais antigos do Congresso Nacional conheceram um José Genoino falante, brincalhão e bem-humorado. Que não perdia a menor oportunidade de dar a sua opinião sobre o que quer que fosse. Eles certamente estranharam o Genoino discreto, sisudo e monossilábico que adentrou no plenário em fevereiro. É o novo Genoino, tragado pelo escândalo do mensalão, indiciado pelo Ministério Público como integrante de uma quadrilha. Na terça-feira 15, esse Genoino subiu pela primeira vez à tribuna, para fazer um discurso em que se declarou vítima de um processo de linchamento político, no qual vinha sendo acusado sem nenhuma prova. Algumas horas depois, ele recebeu ISTOÉ em seu gabinete. Ele não nega que irregularidades foram cometidas na relação entre o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o publicitário Marcos Valério. Não nega sequer a possibilidade de que tenha havido crime mesmo nessa relação. Genoino garante que ele, como presidente do partido, nada teve a ver com isso. Do antigo deputado ficou apenas o hábito de fumar. Genoino acendeu cinco cigarros da marca Charm durante a conversa. Agora, porém, os cigarros foram acendidos pelas mãos trêmulas de um homem visivelmente nervoso.
O PT não organizou quadrilha nem comprou votos de partido. O PT fez escolhas políticas, principalmente em relação às eleições de 2004, com o partido como um todo e com os aliados. Cometeu erros nessas escolhas e precisa fazer uma autocrítica. Mas o que houve não foi crime.
O diretório nacional aprovou em 2004 que era importante ganhar a eleição, fazer alianças com quem apoiasse o governo. E a discussão sobre o financiamento das campanhas era feita onde a gente tinha aliança. Cada membro da Executiva tinha autonomia para tomar suas decisões. Em relação aos meus atos como presidente do PT, não houve nada de ilegal. Eu avalizei dois empréstimos, do Banco Rural e do BMG, que somam R$ 7 milhões. Esses dois empréstimos estão na prestação de contas do PT. Foram registrados na Justiça Eleitoral e aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Eu avalizei esses dois empréstimos. Legais. Eles não têm nada a ver com os empréstimos que o Delúbio fez com as empresas do Marcos Valério. Quando eu assumi a presidência, no início de 2003, o PT estava com dívidas da festa popular da posse, viagens, reuniões do diretório. A diretoria então autorizou a obtenção de crédito no mercado. Quem escolheu os bancos e os avalistas foi o Delúbio. Está na prestação de contas onde nós gastamos esse dinheiro. Não teve nada a ver com eleição.
Isso foi de responsabilidade da tesouraria do partido na execução da política de alianças em 2004.
Eu fui atingido e condenado pela minha condição de presidente do PT. Pelo que eu era, não pelo que eu fiz. Tudo chegava em mim, mas eu não fiz nada. A minha participação nesses episódios foi ter avalizado esses empréstimos. A única coisa que eu não sabia nesse episódio todo é que o outro avalista era o Marcos Valério.
Quem escolheu as instituições financeiras e os avalistas foi o Delúbio. Eu não escolhi. Se o nome do Marcos Valério estava no contrato, é indiferente porque eu não conhecia o Marcos Valério.
Quando eu assumi a presidência do PT, deixei claro que não ia cuidar da administração e das finanças do partido nem da nomeação de cargos. Eu ia cuidar da representação política, da relação com a bancada e da condução do partido nos Estados. E foi o que eu fiz. Eu admito, nisso, uma responsabilidade política, já que eu era o presidente do PT. Mas responsabilidade política é diferente de responsabilidade criminal.
Do ponto de vista político, o PT errou em 2004 ao buscar financiamento eleitoral por métodos tradicionais. Não podia fazer isso. Daí a aceitar as acusações de mensalão, quadrilha, há uma grande distância.
Não foi privilegiado. Eu nunca participei de reunião com o BMG. O PT nunca participou e nunca mediou interesses desses bancos junto ao governo, que eu saiba.
Isso aí eu não vou avaliar, porque está no processo e vai ser decidido no âmbito jurídico. Eu não vou legitimar os adjetivos criados no processo político.
Nos meus contatos com os partidos e os parlamentares aliados, eu nunca ouvi falar nisso.
Eu nunca fui na agência do Banco Rural em Brasília. Não tinha conhecimento nem de que havia contribuição via deputado
A gente foi sendo tragado por um processo radical e violento. Eu fui atingido de maneira injusta por algo que eu não fiz, e tomei conhecimento de muitas questões que eu não sabia.
Tudo tinha o mesmo objetivo político: ganhar a eleição. Mas o presidente do partido não controlava tudo isso. Como decorrência do acordo político, havia uma co-responsabilidade de dividir as finanças das campanhas. Mas isso não era discutido com a presidência do partido. Era um encaminhamento e quem assumia essa responsabilidade era a tesouraria do partido.
Olha, eu não falo. Pode ter certeza de que não vai sair da minha boca traição nem deduragem.
Aí, você interpreta do jeito que quiser. Essas duas palavras, traição e deduragem, não fazem parte da minha história política.
Nas CPIs que eu participei, nunca capitaneei espetáculo ou acusação. Mas eu acho que em relação a algumas pessoas, o PT cometeu injustiças. O Ibsen Pinheiro e o Ricardo Fiúza foram injustiçados na participação atribuídas a eles no escândalo do Orçamento. Eu admito que o PT, na oposição, também participou desse mesmo espetáculo acusatório e muitas vezes se equivocou em fazer julgamentos morais de adversários.
Fazer acordos políticos, ter participação dos demais partidos no governo, querer ganhar a eleição e querer permanecer no poder são pressupostos legítimos da democracia. O que eu discuto é que o PT deveria ter estabelecido nessas alianças critérios políticos mais claros e uma discussão mais democrática nas estruturas do partido. O partido precisa democratizar suas instâncias. Acho que a tesouraria poderia ser exercida por um coletivo de três pessoas, para ter um processo menos individual de tomada de posição. O presidente não tem como acompanhar esse dia-a-dia e essa máquina de arrecadação num partido do tamanho do PT.
Eu me considero injustiçado. Eu não estou avaliando o processo. A denúncia contra mim não tem fato concreto. Tem ilações e considerações políticas. Eu estou sendo denunciado pelo que eu era, não pelo que eu fiz. Não podem me condenar partindo do pressuposto de que, eu, sendo presidente do PT, tinha responsabilidade por tudo. Isso é uma visão arcaica do direito, essa idéia de responsabilidade subjetiva.
Estelionato eleitoral, não. O PT cometeu erros políticos que ele precisa avaliar. De fato, o PT errou ao utilizar métodos políticos que antes criticava. Mas isso é diferente de querer criminalizar o PT ou extirpá- lo como partido político. O que é importante deixar claro é que o PT tem uma história vitoriosa de 27 anos, que não ficou comprometida. O PT tem que ser reformulado. Não refundado.
Essa foi a manipulação e a execração pública mais injusta de que fui vítima. O assessor do meu irmão praticou uma ilegalidade, um crime. Eu fui atacado por ser irmão dele. Como é que se pode aceitar isso? Você é irmão de uma pessoa e tem que pagar pelos erros de um funcionário dessa pessoa?
Aí, você tem que perguntar ao meu irmão. A Justiça já disse que não, no plano civil. E ele foi absolvido num processo na Assembléia Legislativa. A conversa que tive com meu irmão foi muito clara, olho no olho. Ele até chorou: "Em nome da minha mãe e do meu pai, não tenho nada com isso."
A minha maneira de atuar mudou muito. Mantive os mesmos valores, mas buscar aparecer a qualquer custo, como eu fazia, não é mais o fundamental. Eu tive muita ilusão quanto a isso no passado. Agora, estou mais reflexivo. Vou trabalhar bem mais nos bastidores, no trabalho de base. Eu quero muito mais agora ser um militante de causas do que alguém que trabalha para virar isso ou aquilo.