18/04/2007 - 10:00
Enquanto governantes assinam protocolos e ensaiam leis que prometem conter o desmatamento na Amazônia, são ainda os trabalhadores e a população local que defendem, como podem, cada árvore da maior floresta do planeta. Esses trabalhadores e seus novos líderes são seringueiros que herdaram o legado do ativista ambiental Chico Mendes, assassinado em 1988 porque se opunha abertamente àqueles que tratam a Floresta Amazônica como uma fonte de lucros desenfreados – os relatórios ambientais alertam que, até 2080, a mata pode virar uma grande savana. Para mudar esse quadro, o engenheiro florestal Pedro Bruzzi desponta como o atual Chico Mendes, menos radical no discurso, mas nem por isso menos combativo em suas ações. Ele coordena os projetos do Centro dos Trabalhadores da Amazônia, uma espécie de escola para formar novos Chico Mendes. Já foram formados 300 líderes comunitários que atuam como guardiães da floresta para defender o berço mundial da biodiversidade.
As principais carências estão relacionadas aos serviços básicos de saúde, educação e habitação que ainda não chegam aos seringais. A produção extrativista centrada em dois produtos básicos, borracha e castanha, não vem oferecendo as condições mínimas de qualidade de vida. Por isso a opção pela pecuária ganha espaço.
Sim. E foi uma grande vitória do movimento seringueiro liderado por Chico Mendes. Pena que hoje essas reservas estejam em colapso. A reprodução socio econômica desses modelos de assentamento e de reserva extrativista não está sendo assegurada. O desmatamento, a pecuária e a lavoura de grãos vêm substituindo a floresta e o extrativismo, os seringueiros estão sendo substituídos pelos agricultores.
Na verdade existe uma cascata de problemas. Os mais graves são a venda das propriedades rurais dos seringueiros, o que chamamos de colocações, a conversão da floresta em pasto, a corrupção, a migração para favelas nas periferias urbanas e a perda da cultura extrativista.
Diria que sim. Apesar da vitória da conquista da terra com a criação das reservas extrativistas e dos assentamentos agroextrativistas, observamos que essas áreas estão sofrendo desmatamentos desenfreados, êxodo das populações e, em contrapartida, há a chegada de agricultores do sul do País para aumentar esse desflorestamento. A terra foi conquistada, mas a territorialidade, o domínio sobre ela e a capacidade de produção em equilíbrio com a floresta, gerando qualidade de vida digna às populações tradicionais, isso ainda não se conquistou.
Os governos do Amazonas e do Acre realizaram, nos últimos anos, um grande esforço para trazer ao âmbito das políticas públicas grande parte das propostas defendidas por Chico Mendes, desde o investimento na valorização do extrativismo, através de incentivos econômicos e do fortalecimento das cooperativas seringueiras, até a busca por novas alternativas de valorização do recurso florestal. Nesse momento o grande desafio é de como a sociedade se apodera dessas políticas, como ela, em vez do Estado, pode ser a grande força motriz dessa mudança. É necessário ir além da floresta e realizar investimentos na base social. Realizar mudanças consistentes nos indicadores educacionais que permitam a seringueiros, índios e colonos assumirem a autogestão de seus recursos e, em última análise, de seus destinos.
Há uma tendência global de hegemonia e proliferação do capital que o neoliberalismo acolhe com carinho. Caímos naquela questão levantada por Frei Beto: se o mundo é uma grande espaçonave, por que alguns viajam de primeira classe e outros não? Para que toda a população da Terra possa ter o nível de consumo de Nova York, de Paris ou das elites de nossas grandes capitais seriam necessárias mais umas quatro ou cinco Terras que suportassem essa sede estabelecida pelas elites, que, diga-se de passagem, são menos de 1% dos seis bilhões de habitantes do planeta.
O Brasil adota medidas eficientes e eficazes para um real aprofundamento no problema do desmatamento, mas não adota uma abordagem do problema ambiental do desmatamento em conjunto com as questões socioeconômicas.
Sim. Mas não é a melhor alternativa para se preservar e conservar os recursos naturais, que devido a sua extensão praticamente inviabiliza ações de comando e controle ambiental do ponto de vista orçamentário e da infra-estrutura necessária. Vale ressaltar que é fundamental a fiscalização, que devem ser investidos cada vez mais esforços nesse sentido, fortalecendo e ampliando a capacidade do Ibama e das secretarias estaduais de meio ambiente. Existem esforços do atual governo em implantar uma política de valorização da floresta, como é o caso do projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas e da estratégia dos Distritos Florestais.
Para que possamos entender a valorização da floresta devemos pensá-la como um ativo qualquer. A pecuária extensiva na Amazônia rende anualmente, em média, segundo informações do Instituto Socioambiental, de R$ 150 a R$ 200 líquidos por hectare. Um hectare de pasto vale bem mais do que um hectare de floresta, logo se torna mais interessante desmatar. A lógica predominante é: o capital migra para onde ele se reproduz com mais eficiência. Se for mais eficiente na soja, ele vai para a soja, se for no mercado de valores, é para lá que ele vai, se for no boi, vai para o boi, e, se for mais eficiente na floresta, ele migra para a atividade florestal.
Falta uma visão integrada de atuação do setor público. O Estado brasileiro foi e é ainda o maior financiador do desmatamento.
Através de crédito subsidiado, investimentos em infra-estrutura sem um planejamento adequado e o descontrole da base fundiária da região. A aplicação da lei é outro fator importante, pois ainda temos regiões onde não há a presença do Estado e muitas vezes seus representantes se investem de tal poder que comandam todos os esquemas relacionados a atividades ilegais de grilagem de terra e exploração irracional dos recursos. A exemplo do problema da corrupção na política, a falta de punições exemplares contribui para o sentimento de impunidade na floresta.
As duas não existiriam sem um conjunto de fatores que as potencializa e gera as condições para que operem sem nenhum padrão ou compromisso socioambiental. O problema não é a atividade econômica em si, mas o ambiente no qual os segmentos descompromissados de determinados setores prosperam. Há uma associação muito forte das políticas que promovem o agronegócio – pecuária, soja e agora cana – com a insegurança fundiária e ambiental, e a incapacidade dos órgãos públicos em garantir o controle fundiário e ambiental no País. É uma complementação negativa e cruel onde a impunidade, corrupção e morosidade do setor público geram um ambiente propício para a atuação de determinados segmentos do setor privado que operam sem nenhum tipo de critério de responsabilidade ambiental e social.
Para um projeto dar certo na Amazônia e conter o desmatamento é necessário que se incentive um modelo de desenvolvimento adaptado à região, que as populações tradicionais tenham voz e sejam incluídas efetivamente nesse modelo, que as alternativas de produção tradicionais ligadas ao extrativismo e as alternativas modernas ligadas ao Manejo Florestal Sustentável sejam priorizadas. As comunidades têm de se organizar em redes sociais de sindicatos, cooperativas e ONGs. A partir disso, organizações de capital social legítimo podem se fortalecer e protagonizar os processos de desenvolvimento.
Não há dúvida e freqüentemente assistimos a operações da Polícia Federal e Delegacias do Trabalho para libertar trabalhadores em condições degradantes. Mas, assim como o desmatamento, essa atividade não prosperaria sem que houvesse uma forte indústria de grilagem de terra, pistolagem e extração ilegal de recursos naturais por trás. O Acre deu um exemplo: a luta de Chico Mendes gerou uma forte base de organização social, moldada para a luta e o enfrentamento pacífico. Isso propiciou diversos avanços políticos e institucionais. Mazelas tão comuns em outros Estados, como trabalho escravo e assassinato de lideranças rurais, foram praticamente erradicadas no Acre.
Não como eram no passado, mas ainda sofrem com a atuação de fazendeiros. Seja na pressão por ocupar suas terras e transformar as florestas em pastagens, seja na influência cultural que exercem desfilando em suas caminhonetes Hilux, mostrando para os seringueiros que a pecuária é a única alternativa que pode dar qualidade de vida.
O centro tem diversas atividades, mas a principal delas é a formação de novos líderes seringueiros, novos Chico Mendes, porque a defesa da floresta e da população que vive nela tem de ser uma luta constante.
Já formamos, no mínimo, 300 líderes que se tornam agentes multiplicadores na defesa de nossos interesses socioeconômicos. Atualmente podemos ser menos radicais no discurso, mas somos igualmente determinados nas ações como foi Chico Mendes.
Apoiamos o fortalecimento de cooperativas locais como a Cooperfloresta e a Cootaf, que atuam diretamente na cadeia produtiva florestal no Acre. O centro é uma organização pioneira assessorando também as redes de produtores que trabalham com o Manejo Florestal Comunitário.
A morosidade e a baixa capacidade de ação no comando e no controle de órgãos fundamentais como o Incra e o Ibama, que demoram a responder às pressões sobre a terra e sobre os recursos naturais dentro das reservas extrativistas e dos assentamentos. Isso facilita o desmatamento, o abandono dos seringais e abre um espaço irracional à pecuária e ao cultivo de grãos.