22/10/2008 - 10:00
O cineasta Bruno Barreto anda rindo à toa. Dono da maior bilheteria do cinema brasileiro, o filme Dona Flor e seus dois maridos, ele acaba de realizar um sonho. Depois de seis anos, conseguiu levar às telas a história de Sandro Nascimento, o menino de rua que em 1993 escapou do massacre da Candelária, no Rio de Janeiro, e, sete anos depois, acabou encontrando a morte ao seqüestrar o ônibus 174. Bruno acha simplistas os que consideram Última parada 174, que chega aos cinemas na sexta-feira 24 e foi indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro, apenas um "favela movie", gênero inaugurado por Cidade de Deus. Mais preocupado em contar a história do garoto que se tornou o inimigo público nº 1 e da dona-de-casa que o adota como se fosse seu filho verdadeiro, ele diz que não está interessado em espetacularizar a violência, mas em revelar as cicatrizes de quem vive sob o fogo cerrado. Na entrevista a seguir, Bruno, 53 anos, fala de outro sonho: adaptar para a tevê, em formato de minissérie, a saga da família Collor. Antes, pretende narrar a aventura brasileira da poeta americana Elizabeth Bishop no filme A arte de perder. "Aprendemos mais com os fracassos", diz.
É verdade. No processo de sua realização, eu me separei (da atriz americana Amy Irving) e acabei voltando a morar no Brasil. Esse filme foi uma espécie de rito de passagem em minha vida. Realizei dois outros filmes esperando o momento para fazê-lo. Era uma coisa de missão, uma necessidade visceral. Se eu não contasse essa história, eu acho que ia morrer.
Tudo começou quando eu vi o documentário Ônibus 174, de José Padilha, que estreou em outubro de 2002. Vi o filme e fiquei com várias perguntas. A principal era: por que essa mulher resolveu adotar o Sandro como filho? Ele era um delinqüente, por que ela quis botar alguém assim na casa dela? Falei com o Padilha e ele disse: puxa, Bruno, você foi na lata, a história dessa mulher praticamente dava um outro documentário.
Na pesquisa que fizemos, só a história de vida dela, o fato de ela ter perdido o filho, isso apenas já me deu o viés. Eu queria contar a história de uma mãe que perde o filho e de um filho que perde a mãe. E aí as vidas deles se cruzam. O episódio do ônibus entra apenas como metáfora, como um clímax de uma história ficcional. Era um ponto de chegada, nunca um ponto de partida.
Eu não queria espetacularizar a violência porque o filme não é sobre isso. O que me atraiu nessa história foram as cicatrizes que a violência deixa nas pessoas, os códigos morais e éticos de pessoas que são vítimas da violência. Para mim a cena mais emblemática do filme se dá quando a mãe acha que está resgatando o filho depois de 17 anos e ele está fingindo que é filho dela. É uma cena de emoção e suspense ao mesmo tempo. Não me lembro de uma cena, no cinema recente, em que você fica emocionado e ao mesmo tempo na beira da cadeira do cinema.
Esse rótulo é uma coisa típica da cultura americana. Eu vivi lá durante 18 anos e sei do que estou falando, conheço os EUA muito bem. Existe uma necessidade muito grande da cultura americana de definir tudo. Ela não é uma cultura que prima pela complexidade. Dizer que o filme é "favela movie" é a mesma coisa que dizer que Platoon, que veio depois de Apocalipse now e Coming home, é apenas mais um filme sobre o Vietnã. É uma simplificação, uma miopia. O contexto, o universo onde a história se passa é o mesmo, mas a história é diferente.
Fui para lá por pura necessidade. Eu vivo de cinema. Muitos cineastas fazem publicidade e têm no cinema um hobby. Outros fazem televisão. O pagamento das contas está garantido com outras atividades. Eu não. Por escolha e atitude filosófica, sempre escolhi fazer cinema. Em 1989, a produção de cinema no Brasil caiu de 80, 100 filmes por ano para zero. Por acaso e total coincidência, eu fui convidado para fazer um longa naquele ano lá. Eu fui com unhas e dentes. Disse: é agora, essa é a minha chance, senão, como vou fazer? Arnaldo Jabor virou jornalista, Sérgio Toledo virou empreendedor imobiliário, alguns morreram. Eu fui para os EUA e consegui trabalhar lá.
Quando eu fiz Dona Flor e seus dois maridos, a maior agência dos EUA, a CAA, que representa Steven Spielberg, Tom Cruise e Martin Scorsese, me mandou uma série de roteiros e eu nem os li. Não queria fazer filmes em uma língua que não era a minha, em outro país. Ao chegar lá em 1989 eles disseram: por que você não veio dez anos atrás, quando era a sensação do momento com Dona Flor? Eu respondi que na época não precisava. Fazia os filmes que podia fazer no Brasil. E eles pagavam, davam dinheiro.
Foi punk, um sucesso muito grande. Quando ele estreou em Nova York, eu tinha 23 anos incompletos. Encontrei o Robert De Niro na discoteca Studio 54 e ele estava completamente encantado com o filme, falando coisas para mim. Foi fogo. Você não aprende muito com o sucesso, aprende mais com os fracassos. O sucesso provoca uma sensação boa, mas é como uma droga. É parecido com um grande porre que você toma.
Os americanos, como fazem muito cinema, têm um maior traquejo cinematográfico, um conhecimento maior de cinema. São coisas pequenas, mais técnicas, que no final do dia não são muito relevantes. Não dá para dizer que a diferença entre um e outro é essa ou aquela.
Vou votar no Brasil, no Barack Obama.
Não acho que Obama vai se eleger porque é negro. Ele vai se eleger porque é o melhor candidato. E a crise econômica só o ajudou, porque o americano só muda quando começa a doer no bolso dele. A estabilidade econômica iria apenas ajudar o John McCain.
Foi o início do meu retorno. Eu estava em Nova York naquele dia, morava no Upper West Side, mas a cidade toda parou. Fui pegar o meu filho (Gabriel, 18 anos) nos porões da escola. Todos achavam que ia ter um bombardeio.
Uma vez que você se torna um imigrante, situação de quem mora em outro lugar por mais de cinco anos, isso se torna irreversível. Hoje eu me sinto um estrangeiro em qualquer lugar do mundo. Em Nova York, eu me sinto em casa porque é uma cidade de estrangeiros. Quando fiz O casamento de Romeu e Julieta, fiquei quatro meses em São Paulo. Disse para mim mesmo que, se algum dia não morasse em Nova York, a única cidade em que eu moraria seria São Paulo. Sou apaixonado pela cidade.
O Rio é lindo, mas é uma cidade acabada, depredada.
Não tenho nada a ver com esse projeto, sou apenas irmão do diretor e prefiro não me meter. Estou muito ocupado com meu próximo filme.
A arte de perder. Quero falar da perda, sobre como é fundamental na vida a gente saber perder para continuar vivendo. Vou falar disso através da história da poeta americana Elizabeth Bishop, que parou no Brasil por cinco dias no porto de Santos e acabou ficando 15 anos no País. Ela será interpretada por uma atriz internacional que fale inglês.
Acho muito bacana o Selton Mello e o Matheus Nachtergaele estarem dirigindo filmes. Atores têm tudo para ser bons diretores. Eles conhecem dramaturgia, vêm do teatro, leram os clássicos. São bons diretores de atores. O próprio Kevin Costner, que nem é um grande ator, acabou sendo melhor diretor que ator.
Eu quero muito fazer tevê. Hoje em dia, nos EUA, a dramaturgia da televisão é muito melhor que a do cinema. O cinema comercial americano virou um parque de diversão. Séries como House, Os sopranos e Sex and the city são muito boas. Eu estou desenvolvendo projetos para a tevê que não posso revelar ainda. Atualmente não dá mais para fazer um filme de quatro horas de duração. Um dos meus grandes sonhos é criar uma série sobre a saga da família Collor. Aquilo ali é a síntese de Ricardo III, Macbeth e Hamlet, de Shakespeare, um verdadeiro três em um.