COAÇÃO Ao defender a revisão de reformas, o ex-presidente Lula propôs “incomodar a tranquilidade” de parlamentares em suas casas, provocando a reação de bolsonaristas

A seis meses das eleições, Lula e Bolsonaro, os líderes nas pesquisas de intenção de voto até aqui, fazem uma tentativa desesperada para manter a polarização entre si, com um jogo de acusações mútuas e ataques de parte a parte que só favorecem os dois. Ao trocarem farpas e ignorarem as críticas feitas pelos demais candidatos, petistas e bolsonaristas alimentam a falsa ideia de que a disputa no segundo turno ficará necessariamente entre eles, quando, na verdade, ainda é cedo para uma definição. Afinal, o surgimento de um candidato da terceira via turbinado pode reverter essa situação. Dentro dessa estratégia, tanto um quanto o outro têm procurado mobilizar suas bases eleitorais com provocações e declarações polêmicas envolvendo o adversário.

Em primeiro lugar nas pesquisas, Lula invadiu o campo de ação do inimigo, que trafega em temas na área de costumes, para fustigá-lo. Defendeu o direito ao aborto e disse que o tema deveria ser tratado como questão de saúde pública no Brasil, já que, segundo ele, “mulheres pobres morrem” tentando abortar, enquanto “madames vão para Paris ou Berlim” em busca de clínicas de aborto seguras. “Essa pauta da família é uma coisa muito atrasada”, argumentou. Também prometeu que, se fosse eleito, iria demitir os oito mil militares nomeados para o atual governo. Em março, havia dito que “o papel dos militares não é puxar o saco do Bolsonaro ou do Lula”.

Petistas e bolsonaristas alimentam a falsa ideia de que a disputa no segundo turno certamente ficará entre eles

Antes disso, havia abandonado o figurino de “Lulinha paz e amor” que adotou com a escolha de Geraldo Alckmin para ser seu vice, retomando a antiga imagem de radical de esquerda, da qual tenta se afastar. Em um evento na Central Única dos Trabalhadores (CUT), na segunda-feira, 4, o petista falou sobre a “pauta unificada da classe operária” e reafirmou que, se eleito, quer rever a reforma trabalhista aprovada durante o governo de Michel Temer para retomar direitos que foram extintos. Lembrou que qualquer contrarreforma depende do Congresso e avaliou que era uma boa ideia conclamar as centrais sindicais a pressionarem os parlamentares, inclusive pessoalmente, em suas casas. “Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas até a casa dele, não é para xingar, mas para conversar com ele, conversar com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Acho que surte mais efeito do que um ato público em frente ao Congresso.”

ARMADO O deputado bolsonarista Junio Amaral (PL-MG) prometeu receber os petistas a bala

Essa ameaça provocou a reação imediata dos bolsonaristas, que prometeram receber os petistas a bala caso sejam incomodados em suas residências. O deputado Junio Amaral (PL-MG) divulgou um vídeo em que, com uma pistola nas mãos, se diz pronto para receber Lula e seus apoiadores. “Na minha casa tem pistola”, também se apressou a avisar a deputada Carla Zambelli (PL-SP), cujo marido é capitão da PM do Distrito Federal.

Lula também disparou sua metralhadora giratória contra a elite e a classe média brasileiras. Em um evento na Fundação Perseu Abramo, na semana passada, afirmou que a elite brasileira é “escravista” e que a classe média no País “ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. Dentro da estratégia de que a polarização é conveniente para os dois, os bolsonaristas não perderam a chance de se manifestar. Bolsonaro respondeu que, para o adversário, “abortar e extrair um dente é a mesma coisa” e chamou Lula de “genocida de inocentes”. Seu filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também recorreu à pauta de costumes para atacar o adversário do pai. “Primeiro defendendo perturbar parlamentares e familiares em suas casas. E agora defendendo o aborto. Lula não está pensando em eleição num país cristão que respeita a propriedade privada”, disse o 03 em suas redes sociais.

Promessa

Para o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, do ponto de vista estratégico não é interessante para a campanha de Lula o recrudescimento da polarização. “Não acho que esse tenha sido o objetivo dele, porque isso não o beneficia, até joga contra. O que ele precisa fazer neste momento é moderar o discurso para ampliar a base, e não o contrário.” O fato é que política é acomodação de interesses. Para chegar competitivo a outubro, além de conquistar votos de um eleitorado mais ao centro, com um vice moderado, Lula precisará mostrar aos seus eleitores que ele é a antítese do atual ocupante do Palácio do Planalto, que, por sua vez, fala cada vez mais para seu rebanho: os anti-Lula, evangélicos fundamentalistas, armamentistas e eleitores da direita radical. Mas a terceira via vem aí com a promessa de romper a polarização desejada tanto por Lula como por Bolsonaro.