14/06/2006 - 10:00
Uma tragédia esportiva aconteceu na Alemanha. A própria Nike, fabricante do supercalçado que o campeão mundial usava naquele momento fatídico, usou palavras fortes para descrever o vexame: “Foi um fracasso completo e absoluto. Uma experiência humilhante. Dava para ver o sofrimento no rosto dele, à medida que percebia o que estava ocorrendo. A reputação estabelecida de tentar ajudar os atletas a alcançarem velocidade foi toda por água abaixo.” Parece que foi na semana passada, mas estas afirmações, que ainda hoje estão no site da empresa na internet, referem-se ao Campeonato Mundial de Atletismo, em Stuttgart, em outubro de 1993. Naquele torneio, o velocista americano Quincy Watts, medalha de ouro nas Olimpíadas de 1992, era o favorito da corrida de 400 metros rasos, mas terminou a prova em quarto lugar, depois que o seu tênis Nike desintegrou-se em plena prova. Qualquer semelhança com o drama das bolhas nos pés do craque Ronaldo, às vésperas da 16ª Copa do Mundo de Futebol, não é mera coincidência.
A crise envolvendo o atacante brasileiro virou notícia em vários países depois que ele deixou o amistoso da Seleção contra a Nova Zelândia, no domingo 4. Ronaldo marcou o primeiro dos quatro gols da partida, aos 42 minutos do primeiro tempo. Mas não suportou as dores causadas pelas bolhas em ambos os pés e saiu no intervalo. Pior: pôs a culpa na chuteira da Nike, a Mercurial Vapor III, desenvolvida especialmente para ele durante dois anos e lançada com estardalhaço em fevereiro passado. Se fosse um jogo da Copa, o principal artilheiro do Mundial de 2002 não teria condições de atuar. “Não, não daria”, admitiu Ronaldo.
As bolhas explodiram no pior momento possível para a Nike, dona de uma marca global avaliada em US$ 10 bilhões e que fez do futebol um negócio de US$ 1,5 bilhão, quase 12% de seu faturamento anual. Só neste ano, sua verba de publicidade e promoções foi de US$ 1,6 bilhão. Na Copa da Alemanha, a empresa veste oito seleções. Para a CBF, o patrocínio é de US$ 12,5 milhões. Ronaldo, com quem a Nike tem contrato vitalício, é seu maior garoto-propaganda no esporte.
Diante de milhões de pessoas na tevê, o Fenômeno fez caretas de dor e trocou o par de chuteiras durante o amistoso. Não adiantou. Enquanto assistia à partida, o porta-voz da Nike do Brasil, Ingo Ostrovsky, disparou ligações de seu telefone celular para os colegas também presentes ao Estádio de Genebra. Começava ali, tardiamente, a segunda fase da operação de guerra para salvar a imagem da empresa.
A Nike já sabia das bolhas desde a quarta-feira anterior. “O Ronaldo já estava reclamando havia alguns dias”, diz Ostrovsky. A primeira solução encontrada fracassou. “Para resolver o problema do desconforto no calcanhar, mandamos buscar as chuteiras que ele estava usando no Real Madrid”, continua o porta-voz. Diante do vexame, a empresa soltou uma nota sem esclarecer o motivo real do “desconforto”: “A chuteira Mercurial Vapor III é feita sob medida para o jogador, utilizando a fôrma que reproduz seus pés com exatidão, na fábrica contratada pela Nike em Montebelluna, na Itália”, escreveu Ostrovsky. Na segunda-feira 5, dois técnicos italianos foram a Frankfurt e alargaram a base do calcanhar das chuteiras. Ronaldo voltou a treinar na terça. “O problema foi resolvido”, afirmou Ostrovsky. Será? A causa dos ferimentos continua um mistério. “Acho que essa informação a Nike vai guardar para ela”, disse o porta-voz a ISTOÉ. Em tempo: no caso de
Quincy Watts, a culpa foi da cola.