ALVO Nick Griffin, líder da ultradireita britânica, é atacado com ovos por ativistas antifascismo

Os europeus começaram a chamar o dia das últimas eleições europeias de 7-J. Seria uma daquelas datas que ficam marcadas na história como o marco inaugural de um cataclismo político. No domingo 7, eleitores de todos os países da União Europeia foram às urnas para eleger os representantes do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França. Se alguns analistas imaginavam que o colapso de Wall Street e, portanto, do neoliberalismo econômico, fortaleceria os partidos de esquerda, que pregam uma intervenção mais forte do Estado na economia, ocorreu justamente o contrário. Num continente devastado pela recessão e pelo desemprego, os eleitores seguiram seus instintos mais primitivos na hora de votar. E a tendência que emergiu das urnas foi clara: os ventos que hoje sopram na Europa são de direita. Em alguns países que costumam antecipar tendências, como a Áustria e a Holanda, são até de extrema-direita, o que significa que a Europa dos próximos anos tenderá a ser mais protecionista, xenófoba e fechada aos imigrantes. E até mesmos partidos que pregam a dissolução da União Europeia e da moeda comum elegeram membros para o Parlamento de Estrasburgo. Outro fator negativo foi o desencanto com a política – apenas 43% dos eleitores compareceram às urnas.

A eleição europeia também revelou derrotados e novos rostos que deverão estar no poder nos próximos anos. O grande perdedor, sem dúvida, foi o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que, no início da crise, parecia ter a solução certa para o momento, ao propor a estatização dos bancos e o aumento dos gastos públicos. Com a pior votação da história, os trabalhistas foram humilhados nas urnas e Brown passou a última semana desmentindo boatos de que renunciaria. O nome mais forte para sucedê-lo é o do líder dos conservadores, David Cameron. A Espanha, com uma taxa de desemprego que se aproxima de 20%, também parece pronta para uma troca de guarda. O partido de centrodireita PP, liderado por Mariano Rajoy, elegeu muito mais representantes para a câmara europeia do que os socialistas, comandados por José Luis Zapatero – uma simulação feita pelo jornal El País apontou que Rajoy deverá ser eleito o próximo primeiroministro espanhol. Para completar o quadro sombrio da esquerda europeia, a social-democracia também teve votações mínimas em países centrais, como França, Alemanha e Itália, o que significou bons números para Nicolas Sarkozy, Angela Merkel e Silvio Berlusconi. "As urnas deixaram claro o medo dos eleitores com a imigração e também a sensação de mal-estar com uma globalização desgovernada", declarou o ex-primeiro-ministro italiano Giuliano Amato. Apesar de integrar a relação dos vitoriosos, Berlusconi reclamou do resultado, abaixo do que esperava. Ele atribuiu o desempenho a dois fatores: a venda do jogador Kaká do Milan, do qual é dono, para o Real Madrid, e o pedido de divórcio de sua mulher, na sequência de um escândalo que envolveu a divulgação de fotografias de pessoas nuas em suas festas.

O que torna o 7-J mais relevante é o fato de ter sido a primeira eleição posterior à crise que vem sendo chamada por muitos analistas de "a maior desde o crash de 1929". Isso porque, se a história estiver mesmo se repetindo, será um sinal bastante negativo. Se a década de 1920 do século passado foi pacífica, globalizante e marcada pela tolerância, os anos 1930 foram totalmente diversos. E muitos historiadores apontam o crash financeiro de Wall Street como a raiz de todos os trágicos "ismos" do século XX: nazismo, fascismo e nacionalismo. Karl Polanyi, o principal analista da época e um dos gurus intelectuais do investidor George Soros, escreveu no livro "A Grande Transformação" que o fascismo só pôde se transformar em uma força global graças ao sentimento de desesperança que vicejou nos anos que se seguiram à crise econômica. Nas eleições da semana passada na Áustria, o Partido da Liberdade, que por muitos é considerado uma versão moderna do nazismo, dobrou seus votos. Na Holanda, o também Partido da Liberdade, cujo líder Geert Wilders publicou um manifesto contra o Islã, se converteu na segunda agremiação mais votada. Também passaram a ter força em Estrasburgo o ultradireitista Ataka, da Bulgária, e o ultranacionalista Partido da Grande Romênia, bem como o Partido Independente Britânico, que defende a saída dos ingleses da União Europeia. Ainda no Reino Unido, outra agremiação de ultradireita, o Partido Nacional Britânico, conseguiu pela primeira vez eleger dois eurodeputados. Um dos parlamentares eleitos, Nick Griffin, virou até alvo de ativistas antifascismo em Londres na terça-feira 9, quando se preparava para um encontro com jornalistas.

Atacado com ovos pelos manifestantes e chamado de "lixo nazista", teve de sair escoltado, mas tentou manter a pose. "Esse foi um tumulto de estudantes e de alguns parasitas civis que apoiam o Partido Trabalhista", revidou.

"A primeira consequência do nacionalismo político é o protecionismo econômico"
Roberto Azevedo, embaixador

Essa mudança dos ventos na Europa afeta diretamente os brasileiros. Na semana passada, o governo espanhol de Zapatero divulgou um balanço apontando que apenas sete mil imigrantes tiveram visto de trabalho no primeiro trimestre deste ano – no ano passado, foram quase 90 mil. E o que mais se escuta no aeroporto de Barajas, em Madri, são conversas de brasileiros, que atuavam na construção civil espanhola, fazendo o caminho de volta. Em Portugal, a situação não é melhor. O primeiro-ministro socialista José Sócrates também saiu derrotado das urnas e deverá endurecer as leis anti-imigração. Tudo isso sem falar na questão comercial. "A primeira consequência do nacionalismo político é o protecionismo econômico", diz o embaixador Roberto Azevedo, que serve na Organização Mundial do Comércio. "O passo seguinte é a xenofobia." Eis aí o retrato do eleitor do Velho Continente após a crise econômica: desempregado ou com o emprego ameaçado, ele culpa os imigrantes pelo seu próprio fracasso e volta a defender o retorno de uma suposta supremacia europeia. O mundo já viu esse filme.