Ao tocar, por volta das 11 horas da segunda-feira 27, o celular surpreendeu o economista Guido Mantega no aeroporto de Congonhas. “O presidente está retorna ndo de Curitiba, tem uma reunião às três da tarde e logo depois quer falar com você. Venha para cá”, de terminou o chefe de gabinete do Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho. Envolto em boatos de que, àque la altura, tinha chances iguais à do senador Aloizio Mercadante de se tornar ministro da Fazenda, Man tega percebeu que o presidente fizera sua escolha.

Do aeroporto mesmo, cancelou o almoço que teria com empresários na capital paulista e tomou o primeiro vôo para Brasília. Entrou no gabinete presidencial como chefe do BNDES e dali saiu direto para a sala de entrevistas do Planalto. Reconhecido dentro do PT, nos úiltimos 15 anos, como principal assessor de Lula para assuntos econômicos, ele acabava de se tornar o novo titular do Ministério da Fazenda. Tanto não houve combinação prévia que o próprio Mantega, por volta das oito da noite, teve de ir ao shopping brasiliense Conjunto Nacional para uma compra básica de aparelho de barbear, camisa, meias, gravata e cuecas, a fim de estar minimamente preparado para a posse do dia seguinte. Usava, na breve cerimônia da terça 28, marcada pela ausência de grandes empresários e pelo abatimento do ex-titular Antônio Palocci, o mesmo terno azul da véspera.

As primeiras 24 horas de Mantega no posto que fora de Palocci seguiram o mesmo ritual do improviso – e acarretaram nervosismo para o mercado. A primeira notícia fora do script foi a demissão, por carta dirigida a Lula, e em caráter irrevogável, do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal. Ele nem esperou um telefonema do novo ministro para consumar o gesto. Deu, assim, sua contribuição para que os mercados abrissem na terça-feira com a gangorra na típica posição dos momentos de incerteza: dólar em alta e Bolsa de Valores em baixa. Um movimento para o qual, involuntariamente, o próprio Mantega deu impulso. “O Brasil precisa de juros civilizados”, disse ele na entrevista coletiva do Planalto, logo após ter aceitado o convite de Lula. Também afirmou que teria de trocar algumas peças da equipe de Palocci. E, acima de tudo, não foi enfático o suficiente quando perguntado sobre suas antigas divergências com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. “A presidência do BC é um cargo do presidente da República. Eu estou sendo chamado para a Fazenda.” Foi o suficiente para interpretações de que Mantega abriria na Fazenda, abruptamente, sua cartilha desenvolvimentista, cujas lições foram temperadas, nos últimos meses, por críticas públicas aos integrantes da equipe de Palocci e trombadas frontais na política de juros do BC.

Quando parecia que o País iria sofrer, ainda esta vez, as turbulências típicas das transições mal ajambradas, eis que o bom senso prevaleceu. O presidente Lula, atento ao instável humor dos mercados, convocou Meirelles ao Planalto logo à primeira hora da manhã da terça 28. Assegurou que, a partir daquele momento, o presidente do BC só teria como obrigação reportar-se diretamente a ele, Lula. Garantia, ali, a permanência no governo de toda a diretoria do BC, inclusive o diretor de Política Monetária, Joaquim Bevilacqua, alvo preferencial da carga desenvolvimentista. Para os investidores, a dupla Meirelles-Bevilacqua passou a ser a principal âncora da estabilidade da economia depois da queda de Palocci. Uma vez Meirelles aquietado, Lula, em seguida, transmitiu a informação da reunião para seus auxiliares, a fim de que rapidamente chegasse aos meios de comunicação. Na ironia brasiliense, essas articulações foram chamadas de “Operação Segura Meirelles”.

Enquanto isso, Mantega tratava de fazer gestos diplomáticos na direção do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, outro sobre o qual havia temores de uma saída repentina. Também tratou de, com o guarda-roupa renovado, outra vez conceder entrevista coletiva à imprensa, logo após sua posse formal. Dessa feita, aparentando calma e segurança, ao contrário da aflitiva timidez da véspera. “Antes, eu dava palpites e pressionava”, sorriu Mantega diante de uma pergunta sobre se iria batalhar firme, dentro do Conselho Monetário Nacional (CMN), pela queda imediata da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). “Agora é diferente. Nós vamos ter de chegar a um consenso.” A TJLP, que monitora, basicamente, os empréstimos concedidos pelo BNDES a atividades produtivas, sempre foi um ponto de discórdia entre Mantega e a equipe econômica da era Palocci. O ex-ministro tinha receio de que uma derrubada na taxa poderia caracterizar uma espécie de subsídio oficial à produção. Temia, ainda, que sua redução contribuísse para pressionar por uma queda mais rápida na própria Selic, estabelecida pelo Banco Central. Mantega, do balcão de empréstimos do BNDES, no qual recebeu nos últimos meses dezenas de empresários ávidos por melhores condições de financiamento, nunca teve esse tipo de dúvida. Para ele, em lugar dos atuais 9%, a TJLP deveria ser reduzida a 7%. Na tarde da sexta 31, o CMN baixou a taxa para 8,15%, o que pode ser visto como uma vitória do novo ministro.

Embora só tenha anunciado seus principais auxiliares na quinta 30, Mantega começara a montar sua própria equipe na terça 28, antes mesmo da cerimônia de posse no Planalto, que ocorreu à tarde. O petista Bernard Appy, que ocupava a Secretaria de Política Econômica da Fazenda, retorna à Secretaria Executiva, seu cargo até a chegada de Murilo Portugal. Pela manhã, Mantega chamou Appy na sede da representação do BNDES, em Brasília, e fez o convite formal. Também naquele período recebeu, vindo do Rio de Janeiro, o economista Carlos Kawall, que ocupava a diretoria de Finanças e Mercado de Capitais do BNDES. Ele foi anunciado formalmente como secretário do Tesouro Nacional, no lugar de Joaquim Levy. Neste caso, a substituição trouxe um gostinho de vingança para o novo ministro. Ele e Levy vinham tendo crescentes divergências públicas. Há pouco mais de duas semanas, Mantega chegou a dizer que Levy deveria sair do governo, em razão de suas críticas ao aumento do salário mínimo. Para o ex-colaborador de Palocci, a elevação do mínimo estaria sobrecarregando a Previdência Social. “O pagamento de aposentadorias e pensões é o verdadeiro elefante na nossa sala”, costumava dizer Levy. O novo ministro, em contrapartida, comentava dentro do governo que essas manifestações eram incabíveis. Falava não apenas como homem prático, mas também como acadêmico respeitado por seus pares. A crítica era ainda mais fora de hora, sustentava Mantega, num ano eleitoral, quando o governo terá na bandeira do salário mínimo um trunfo para a reeleição de Lula. Na sexta 31, por sinal, o presidente anunciou em R$ 350 o valor do novo salário. “Levy é um ponto fora da curva na equipe de Palocci”, desclassificava Mantega.

Os primeiros movimentos do novo ministro mostram que ele estreou com o pé direito no cargo. O mercado lhe fez um pequeno teste, mas Mantega soube agir de modo a não gerar nervosismo nem, tampouco, passar uma imagem de tibieza. Ao mesmo tempo que não fez de suas velhas divergências com Henrique Meirelles um cavalo de batalha, mostrou personalidade quando, na entrevista posterior à posse formal, reafirmou o que pensa sobre o superávit primário. Crítico do excesso de dinheiro nos cofres públicos, Mantega deixou claro que, em sua gestão, não pretende ultrapassar em um décimo sequer a marca dos 4,25% do PIB como poupança oficial. “Além disso, é excessivo”, disse. Dentro do governo, ele conta desde logo com o apoio da ministra-chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, com quem divide opiniões semelhantes sobre os modos de aquecer a economia – com a redução da TJLP e sem fazer superávit além da conta, por exemplo. Ao tocar sem medo na questão do superávit, ele sinalizou para o setor produtivo que, quando houver excedente de dinheiro nos cofres do governo, a tendência é a de que venha a ser injetado na economia. Também se pode dizer que o novo ministro se entende com o presidente por telepatia. Num momento em que Lula se sente isolado, com seus antigos companheiros fora de combate, a presença de Mantega ao seu lado – auxiliar de mais de uma década, com quem já dividiu as tristezas da derrota e a euforia da chegada ao poder – poderá ser bem mais do que útil ao presidente. Pode ser vital.