23/02/2005 - 10:00
O nome, “Aliança Estratégica”, foi escolhido a dedo para mostrar a importância que Venezuela e Brasil dedicam ao novo nível de cooperação política, econômica, comercial, industrial e militar entre os dois países. O documento, firmado em Caracas na segunda-feira 14 pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, listou mais de uma dúzia de setores nos quais os dois países trabalharão em conjunto, com destaque para as áreas de energia, em que a Petrobrás e a PDVSA, as estatais de energia dos dois países, deverão formar parceria inédita. O Mercosul, que já engloba como sócios ou membros associados todos os países da América do Sul, menos Guiana e Suriname, também foi citado no documento como objetivo comum.
Mas não foi nem esse embrião de um super-Mercosul que acabou chamando mais a atenção, e sim a cooperação militar entre Brasil e Venezuela, provocando até reações de desconforto por parte dos EUA. No pacote de acordos, Chávez anunciou, com entusiasmo, que a Venezuela quer comprar 26 aviões de combate Super Tucano/ALX e mais dez jatos bombardeiros AMX, todos fabricados no Brasil pela Embraer. O negócio é, na verdade, a ponta visível de uma cooperação técnica que poderá levar a uma inédita política de sul-americana de defesa comum. Além dos aviões, os mesmos usados pelo Brasil no patrulhamento da Amazônia, Chávez quer montar uma espécie de Sivam venezuelano, usando os sistemas e a tecnologia desenvolvidos pelo Brasil, como, por exemplo, os aviões-radar R-99 da Embraer. Além disso, o treinamento dos pilotos e de todo o pessoal envolvido deverá ser feito no Brasil ou sob supervisão de militares brasileiros. Manobras conjuntas de guerra na selva deverão se tornar frequentes entre os dois países.
Para Hugo Chávez, que é militar de carreira, a mudança na formação das novas gerações de militares de seu país é fundamental. Um de seus comentários mais frequentes com interlocutores brasileiros se refere à influência que os EUA tiveram em sua formação como oficial. “Minha geração estudou nas escolas militares dos americanos. Lá, nos condicionaram a ver o Brasil e seu ‘expansionismo militar’ como uma ameaça à Venezuela. Hoje, sei quem é meu amigo, meu parceiro. Se há riscos, eles vêm de outra direção”, tem dito, sem rodeios, o presidente venezuelano. Frases de efeito à parte, o Brasil vê com muito bons olhos essa cooperação e pensamento comum em termos geopolíticos. A Amazônia é uma preocupação constante do Brasil e o fato de a Venezuela partilhar de extensas áreas da região torna imperativa a cooperação e a partilha de dados. Assim, se o Sivam venezuelano for “irmão” do brasileiro, essa integração será natural.
Essa postura de Chávez se mostrar aos olhos do mundo (leia-se EUA)
como parceiro integral do Brasil é vista sem muitos receios no Itamaraty.
Este não considera que a aquisição de aviões de combate brasileiros, ou o
anúncio da compra de 100 mil fuzis russos Kalashnikov, ou mesmo estudos para a compra de 50 jatos MiG-29 e helicópteros de ataque russos pela Venezuela indiquem que a América do Sul está entrando em uma corrida armamentista. “O que ocorre é a simples troca de armamento obsoleto. Ou será que o Brasil deveria ficar com seus Mirage III com mais de 30 anos, em vez de comprar jatos de última geração?”, indaga uma alta fonte diplomática. Líder da região, o Brasil está de certo modo capenga em seu sistema de defesa. O País é capaz de detectar, muito além de suas fronteiras, a presença de possíveis intrusos em seu espaço aéreo. Mas só tem equipamento de ponta para aviões lentos que voam baixo, do tipo dos aviões dos traficantes. Falta o superjato, capaz de enfrentar ameaças vindas mais rápido que o som. Quando fala em MiGs, Chávez pode estar provocando os EUA. Mas a verdade é que a futura escolha do Brasil poderá representar o novo padrão de defesa dos irmãos unidos do sul.