11/04/2001 - 10:00
Um artigo publicado na última edição da conceituada revista científica Science parecia ser a redenção de quem adora uma picanha ou aquele bacon logo no café da manhã. Escrito pelo jornalista Gary Taubes a partir de entrevistas com diversos especialistas e revisão de vários estudos, o artigo afirma que não existem provas científicas de que uma dieta rica em gorduras saturadas – presentes nos alimentos de origem animal, como a carne vermelha – aumente as chances de morte para quem não possui risco de desenvolver doenças cardíacas. Ou seja, as pessoas saudáveis poderiam abusar das comidas gordurosas sem perigo algum. De acordo com o artigo, por saudável entenda-se quem tem níveis normais de colesterol, substância perigosa para o coração quando existe em altos teores no organismo. A restrição à carne de porco, ao toucinho ou ao bacon, por exemplo, só deveria ser adotada por pessoas que já estão com taxas elevadas de colesterol. Isso porque está comprovado que esse tipo de alimento faz crescer ainda mais os níveis do colesterol ruim (LDL) nesses indivíduos, prejudicando o sistema cardiovascular. Altas taxas de colesterol ruim estão entre os principais fatores de risco de doenças cardíacas. Uma das consequências dessa elevação pode ser o infarto.
Contra-ataque – Depois da publicação do artigo, muita gente achou que poderia correr para uma churrascaria e comemorar. Mas a euforia durou pouco. Aqui no Brasil, a maioria dos médicos tratou logo de reafirmar a seus pacientes que a gordura saturada faz mal sim e deve ser evitada mesmo por quem está com a saúde em dia. Os especialistas contra-atacam com estudos mostrando que essa gordura é prejudicial a todos. E não só por aumentar o colesterol. O médico Francisco Fonseca, chefe do setor de lípides da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra, por exemplo, um estudo publicado no American Journal of Cardiology. O trabalho foi feito com jovens saudáveis de 25 anos. Parte deles recebeu uma dieta com alimentos repletos de gordura saturada, enquanto a outra comeu sem essa gordura. Cerca de duas horas depois do almoço, os cientistas analisaram, por meio de um exame de ultra-som, as condições dos vasos sanguíneos dos participantes. Quem abusou dos alimentos gordurosos sofreu alterações nas artérias. “Ficou demonstrado um dos mecanismos maléficos da gordura. Ela impede o endotélio, tecido que reveste a parte interna do coração e dos vasos sanguíneos, de liberar substâncias para dilatar os vasos sanguíneos”, explica Fonseca. A consequência é que, dessa maneira, o sangue terá mais dificuldade de passar pelas artérias. Essa situação de aperto constante “machuca” o local, formando uma erosão nas paredes internas dos vasos. As partículas de gordura serão atraídas para essa região e ali se formará uma placa, que tornará ainda mais estreito o fluxo sanguíneo e poderá entupir as artérias. O desfecho desse processo é o infarto.
O contra-ataque não pára por aí. O médico Emilio Moriguchi, presidente do departamento de aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, ressalta que o artigo da Science também se esqueceu de levar em conta que consumir gordura em excesso aumenta o peso e, também por isso, prejudica o coração. O endocrinologista Antônio Chacra, da Unifesp, concorda, mas apenas em parte. Para ele, as pessoas sadias não devem mesmo se preocupar com a quantidade de gordura saturada que ingerem, como sugere o artigo da Science. “Indivíduos com taxas normais de colesterol no sangue podem comer sem problema alimentos gordurosos”, afirma. Mas ressalva: “O risco passa a existir quando eles começam a engordar, pois a obesidade sobrecarrega o coração e o órgão pode não aguentar”, argumenta.
Moriguchi cita, no entanto, outros estudos que põem a gordura na berlinda. Um deles prova que japoneses saudáveis, quando se mudam para países americanos, onde em geral o cardápio contém muito alimento rico em gordura saturada, sofrem um aumento do colesterol. No Japão, a incidência de problemas cardíacos é baixa devido à dieta com pouca gordura. “A partir do momento que os japoneses passam a comer muita gordura saturada, crescem as chances de infarto”, diz Moriguchi. “A gordura saturada sempre será uma vilã”, afirma Linneu Silveira, endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Benefícios – E, embora possa parecer estranho, o corpo precisa de gordura saturada, fonte de colesterol, necessário para o organismo (70% da substância é produzida pelo próprio corpo e 30% vem da alimentação). O colesterol auxilia no revestimento das membranas celulares e ajuda na formação de hormônios sexuais, entre outras funções. Mas a gordura deve ser ingerida com moderação. Os especialistas recomendam, para um adulto saudável, o consumo de cerca de 10% de gordura saturada no total de calorias consumidas por dia. Ou seja, como em média se recomenda a ingestão de cerca de duas mil calorias por dia, o ideal seria comer diariamente 20 gramas dessa gordura. “Isso equivale a aproximadamente um filé mignon médio (100 gramas)”, calcula Mirtes Stancanelli, nutricionista de São Paulo. No caso de uma pessoa com colesterol um pouco elevado, essa taxa cai para cerca de 7%, o que corresponde a 14 gramas ou a uma porção de 90 gramas de rabada ou uma colher de sopa de musse de maracujá.
Entretanto, o ideal é haver um equilíbrio entre o consumo da gordura saturada com a vegetal, bem mais saudável. Há dois tipos: a poliinsaturada, presente no óleo de soja e de milho, entre outros alimentos, e a monoinsaturada, encontrada no azeite de oliva, no óleo de canola e no abacate, por exemplo. As duas gorduras ajudam a eliminar o LDL (colesterol ruim) do sangue. E a segunda ainda tem a vantagem de aumentar os níveis de HDL (bom colesterol) no organismo. “Por isso, recomendamos que quem não tem problemas de colesterol coma cerca de 60 gramas de gordura por dia, tentando ingerir quantidades iguais dos três tipos”, ensina Maria Luiza Ctenas, nutricionista da C2 Editora e Consultoria Nutricional, de São Paulo. Quando o indivíduo tem o colesterol acima dos níveis permitidos, a quantidade sugerida cai para 50 gramas diários. E pessoas que apresentam taxas muito altas devem restringir o consumo a 40 gramas por dia. Não se pode ultrapassar essa quantidade, pois mesmo a gordura boa em excesso pode trazer problemas. “A pessoa engorda e o peso acima do normal exige um esforço maior do coração, podendo prejudicar o órgão”, explica Miyoko Nakasato, nutricionista do Instituto do Coração, de São Paulo. Como se vê, não é necessário abolir o churrasco do domingo. “Basta comê-lo com moderação”, diz Maria Luiza. Para ajudar, também é bom trocar a manteiga pela margarina, temperar a salada com azeite de oliva e fritar os alimentos com óleo de soja, por exemplo, em vez de banha. São maneiras de manter a saúde do seu coração.