25/11/2022 - 9:30
O cartão de visita entregue pelo Centrão a Lula na articulação da PEC da Transição, em que o PT pretende abrir um buraco bilionário no teto de gastos, manda um recado claro: desde que o petista se despediu do Planalto em 2010, o Congresso conquistou poder aos poucos e, hoje, tem força suficiente para exercer a palavra final nas negociações com o governo. O Parlamento bateu o pé e definiu que não dará um cheque em branco ao presidente eleito, o que o obrigará a fazer concessões, uma vez que a equipe de transição corre contra o relógio — a matéria precisa ser aprovada em menos de um mês. Sob os holofotes, parlamentares se dizem preocupados em comprometer ainda mais a situação fiscal do país. Porém, há mais por trás. Com visão de futuro, o bloco fisiológico não vê vantagem em livrar Lula de suas amarras, dando a ele uma licença para gastar a longo prazo, e quer, de imediato, garimpar espaços na Esplanada, garantir maioria em comissões influentes e assegurar a manutenção do orçamento secreto.
A matéria costurada pelo PT dificilmente será a versão final chancelada pelo Parlamento. O partido propõe a retirada completa do Bolsa Família do teto de gastos, a um custo anual de R$ 175 bilhões, e de um percentual da arrecadação da União para a alocação em investimentos na faixa de R$ 23 bilhões — pela estimativa, portanto, a investida teria um impacto de R$ 200 bilhões em 2023. Ainda ficariam “excepcionalizadas das amarras fiscais” as doações ao Fundo Amazônia e às universidades públicas. A sigla defende que as regras vigorem por quatro anos. “Nesse formato, não passa, em função do alto valor e do prazo. Existem diversas alternativas colocadas à mesa”, diz Izalci Lucas, líder do PSDB no Senado.
A avaliação é compartilhada entre a maioria. Parlamentares articulam para que a “excepcionalização” valha somente por um ou dois anos. A resposta para a postura está na ponta da língua: há um acordo em Brasília para que, em 2023, o PT proponha uma nova âncora fiscal e, assim, não faria sentido enfraquecer a discussão dando ao partido uma fonte de recursos permanente. Petistas rebatem. Dizem que o prazo de quatro anos assegura previsibilidade política e econômica e sublinham que, se for para garantir recursos para o programa social apenas por um ano, seria mais fácil viabilizá-los por crédito suplementar.
“Se você faz a PEC com prazo de um ano, precisa, no final de 2023, construir alianças e acordos de novo para bancar o principal projeto de transferência de renda do País. Para quê? Não vale a pena”, explica o deputado Ênio Verri (PT-PR), integrante da Comissão Mista de Orçamento. “O teto é uma coisa vencida. No governo Bolsonaro, o teto foi estourado cinco vezes. O PT não se furtará ao debate sobre uma nova âncora. Já existem estudos em andamento. Mas não podemos fazer isso de forma açodada. Agora, estamos em transição. Não entramos no governo ainda.” A fixação de uma data para que o partido apresente formalmente o substituto ao teto de gastos, aliás, deve ser estabelecida pelo Congresso na PEC.

Preço alto para Lula
O valor da PEC também é motivo de discórdia. Comenta-se que o PT “está abusando” da indisciplina fiscal. Pontua-se, por exemplo, que o Orçamento de 2023 já prevê R$ 105,7 bilhões para o Bolsa Família e, para mantê-lo a R$ 600 e permitir repasses extras de R$ 150 a famílias com crianças de até 6 anos, seriam necessários somente R$ 70 bilhões extra-teto. Mesmo que o partido queira incluir na conta outras promessas de campanha, como o reajuste do salário mínimo acima da inflação (R$ 6,5 bilhões), o reforço da Farmácia Popular (R$ 1,4 bilhão) e até mesmo o reajuste da tabela do Imposto de Renda, o saldo ficaria em cerca de R$ 100 bilhões.
As divergências fizeram pipocar propostas alternativas. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), por exemplo, propôs uma PEC que autoriza o estouro da âncora fiscal em somente R$ 70 bilhões. Correligionário do congressista, Tasso Jereissati levou à transição um texto, batizado de PEC da Sustentabilidade Social, que altera as regras de cálculo do teto e eleva em R$ 80 bilhões de forma permanente o limite de gastos a partir do próximo ano. Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda na gestão de Dilma, defende que o volume de R$ 136 bilhões seria suficiente para recompor o Orçamento na comparação com o executado neste ano.
O bombardeio sofrido por Lula antes mesmo do início do governo é colocado na conta de falhas da articulação política, dividida entre Gleisi Hoffmann e Wellington Dias. “Ninguém discorda da necessidade de crédito para cumprir os compromissos do governo com pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas precisamos dizer o que faremos para não deixar que esse aperto se repita. Ah, a máquina está inchada? Ok. Onde vamos cortar? Vai haver reforma?”, observa o senador Omar Aziz. “Seria importante discutir com o próximo ministro da Fazenda, do Planejamento ou da Articulação Política, ou seja lá quem for. Precisamos ter uma pessoa que diga como vai ser o day-after”, emenda Aziz.
Na falta de um nome que feche números, traduza os planos de Lula ao mercado e reforce a articulação política, sobram espaços para a barganha do Congresso. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre é um exemplo. Está à procura de um ministério em troca da abertura de espaço para um “bom começo” da gestão petista — interessam ao parlamentar do União Brasil pastas que lhe garantam capilaridade eleitoral, como o da Infraestrutura ou o do Desenvolvimento Regional. A fatura da PEC da Transição tende a ser alta — economicamente e politicamente falando. Lula desembarca em Brasília na próxima semana para indicar como pretende pagá-la.