17/05/2006 - 10:00
Acorda Brasil é a terceira peça teatral escrita pelo empresário paulista Antonio Ermírio de Moraes. Quando dá entrevistas falando de seus espetáculos, o que raras vezes acontece, ele faz questão de deixar bem claro: “Não sou dramaturgo, sou brasileiro.” Para quem nunca assistiu a suas peças, essa afirmação pode soar apenas como uma frase de efeito. Não é. Consegue compreendê-la quem viu Brasil S.A. (1996), SOS Brasil (1999) e, agora, Acorda Brasil, em cartaz em São Paulo no Teatro Shopping Frei Caneca. “Minhas peças tratam das injustiças sociais que acontecem em nosso país. Quem sabe as autoridades assistam aos espetáculos e tomem vergonha”, disse ele a ISTOÉ. Presidente de um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil (o Grupo Votorantim, que faturou R$ 18,5 bilhões em 2004), Antonio Ermírio, 77 anos, é conhecido por suas opiniões contundentes sobre o cenário político brasileiro e também por sua preocupação com a ausência de uma democracia social no País. Acorda Brasil aborda justamente o lado de um Brasil socialmente injusto e desigual, ressaltando o problema da educação pública.
A peça foi inspirada na vida dos jovens que fazem parte do Instituto Baccarelli, projeto social que leva música erudita à favela de Heliópolis, uma das mais pobres da periferia paulistana – a Sinfônica de Heliópolis reúne jovens de 15 a 25 anos. “Quando fui lá pela primeira vez, tive uma péssima impressão. Só vi bandido com arma na cintura”, diz o empresário. O resultado dessa visita à comunidade de Heliópolis foi imediato: ele resolveu patrocinar, por meio do Grupo Votorantim, o trabalho da orquestra. Além desses jovens da sinfônica, o elenco do espetáculo conta também com atores atendidos pelo Instituto Baccarelli, num total de 83 pessoas. O estudante Cléber Henrique de Melo, 19 anos, é um dos atores atendidos pela instituição, onde aprendeu canto e viola. Cléber interpreta o personagem Capilé, um adolescente vítima da violência. “Atuar é difícil. É preciso muita concentração”, diz ele. Segundo o jovem, “o doutor Antonio” soube retratar muito bem a dura realidade da comunidade. Cléber quer um país mais justo onde ele possa estudar e virar cidadão e dispensa um elogio que mede o alcance da atuação social de Antonio Ermírio: “O cara é do bem.”
O diretor José Possi Neto admite que teve muito trabalho para dirigir o grande elenco – que reúne 100 nomes – encabeçado por Arlete Salles, Petrônio Gontijo e Mylla Christie. Mas quem brilha mesmo é a trupe de Heliópolis. “O texto do Antonio Ermírio é claro e inspirado em fatos reais. Por isso é tocante”, diz o diretor. “Empresários em geral não se interessam por teatro. Quando tratam de arte é sempre comprando algum objeto para colecionar ou investir.” No caso de Antonio Ermírio, foi a preocupação social e política, e não o diletantismo ou o lucro, que o levou a escrever. Em 1986, ao ser candidato a governador de São Paulo, ele ficou surpreso com as mazelas das campanhas. Perdeu a eleição, mas ganhou inspiração para contar o que viu na peça Brasil S.A., o seu trabalho de estréia. “Compreender os políticos é muito difícil. Digo mais, é desagradável”, diz ele. Quem assistir a Acorda Brasil, que tem patrocínio do plano de saúde DixAmico, sairá do teatro com a saudável lição de que é bem mais fácil e agradável compreender os excluídos sociais. Essa é a aula do teatro de Antonio Ermírio.