A publicação mais quente de Washington tem 500 páginas e enredo semelhante ao das novelas policiais. Depois de 103 dias de trabalho, os autores do documento – um painel bipartidário de notáveis – entregaram as conclusões das investigações sobre os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Foram ouvidos desde o presidente George W. Bush até funcionários descontentes com a política da Casa Branca, membros do governo Bill Clinton e cidadãos comuns. No final da obra, descobre-se que os culpados pelo crime são múltiplos: os militantes do grupo Al-Qaeda, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos EUA e, principalmente, a comunidade de inteligência do país, para citar apenas os mais notórios.

A recomendação mais importante deste painel é a de reformulação nos serviços de inteligência, com proposta de criação de uma espécie de “czar” da comunidade de informações. Esta figura teria entre seus súditos desde a CIA e FBI até agências tão secretas que até mesmo seus acronismos são mantidos em sigilo. “Washington é como um reino feudal, onde cada feudo guarda seus domínios com muito vigor. Será difícil fazer com que todas estas partes se coloquem sob o comando de uma figura-chave”, disse a ISTOÉ o senador democrata de Nova York Charles Schummer. Deste modo, o relatório da comissão pode falhar miseravelmente em seu propósito de receituário para evitar novos atentados contra a nação.

De todo modo, foram expostos fatos que até então eram desconhecidos do grande público. Por exemplo: as autoridades americanas tiveram nove oportunidades de frustrar o complô dos atentados de 11 de setembro. Tanto a administração Clinton quanto o atual governo Bush falharam nesta tarefa. Este último chegou a ser alertado sobre a possibilidade de atentados no dia 6 de agosto de 2001 – 36 dias antes das ações –, mas não levou a sério a ameaça. Descobriu-se também que as ligações entre a Al-Qaeda e o Iraque são duvidosas, mas a colaboração entre os seguidores do fundamentalista radical Osama Bin Laden e os aiatolás do Irã era muito mais estreita do que se pensava. Dez dos terroristas que atuaram nos ataques de setembro foram ajudados por Teerã, que lhes deu trânsito livre pelo país. Ou seja: George W. Bush bombardeou a nação errada: era o Irã o ponto do chamado “eixo do mal” que tinha mais culpa no cartório.

Neste item, porém, o painel mostrou cooperação entre iranianos, o grupo radical libanês Hizbolá e a Al-Qaeda. O que não significa que os primeiros sabiam dos planos de Osama e seus seguidores. O frisson provocado em democratas e republicanos serve para demonstrar que não se aprendeu muito com a guerra fria, quando se combatia o comunismo. Na verdade, sob a bandeira comunista estavam vários grupos, de maoístas e trotskistas e até partidos ligados a Moscou, que se consideravam “companheiros de jornada” colaborando em alguns momentos, mas que na realidade se odiavam e muitas vezes matavam uns aos outros. Com os radicais islâmicos ocorre algo semelhante: são todos filhos de Maomé, mas nem sempre agem como irmãos. O perigo do relatório do painel de 11 de setembro é que o Irã seja transformado no grande bode expiatório e novas idéias de invasão ganhem fôlego em Washington.