O governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, dedicou todas as suas forças, nos últimos 12 meses, na tentativa de viabilizar um projeto arrojado: instalar até 2010 um trem de alta velocidade para cargas e passageiros no eixo entre Brasília e Goiânia, com pelo menos uma estação intermediária, em Anápolis. Desde que revelou a vontade de fazer a obra, Roriz consultou especialistas, discutiu modelos econômicos e formas de financiamentos, conquistou para a empreitada o apoio do governador de Goiás, Marconi Perillo, e conheceu linhas européias do chamado trem bala. A etapa mais recente dessas pesquisas desbravadoras foi encerrada na quarta-feira 21, em Roma, Florença, Turim e Milão, na Itália, país que está construindo 1.400 quilômetros de linhas de alta velocidade nos sofisticados padrões adotados pela União Européia. Mas, desta vez, a missão tornou-se algo maior que a combinação de reuniões diplomáticas e visitas de reconhecimento que marcou as jornadas anteriores.

A equipe trocou informações com dirigentes do Ministério da Infra-Estrutura e do Transporte e do grupo estatal Ferrovia dello Statto, que controla, entre outros gigantes, a TAV SPA, responsável pela implantação das linhas velozes italianas. Além disso, consultou os executivos do banco misto Infrastrutture SPA, que criou o modelo de financiamento das novas linhas, e da Ansaldobreda, uma das três maiores fabricantes de trens e sistemas ferroviários do mundo, braço da Finmeccanica Company, colosso multinacional com mais de 46 mil empregados que passou o risco final no balanço do ano passado com um faturamento de 8,6 bilhões de euros, ou R$ 33,1 bilhões. Roriz e seu grupo não voltaram de mãos vazias. Por sugestão dos anfitriões, apresentaram um memorando de intenções para receber deles, gratuitamente, relatórios técnicos, recursos institucionais e análises de viabilidade técnica e financeira para a implantação da linha no Centro-Oeste brasileiro. Os italianos mostraram interesse e prometeram dar resposta até sexta-feira 30. Em caso de acordo, o governo do DF estima que num prazo de 60 dias técnicos virão ao Brasil para o início dos estudos. Oficialmente, ninguém arrisca um valor para o custo total do expresso bala brasileiro. Mas ISTOÉ ouviu de integrantes da comitiva palpites de que o sistema, que terá de 160 a 200 quilômetros, poderia custar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões.

A boa recepção dos italianos provocou euforia. “Pela primeira vez, confirmamos a viabilidade da obra”, empolga-se Roriz. “Se o sonho for realizado, ajudaremos a desenvolver a região e a inspirar outros dirigentes no Brasil”, completa ele. “Eles mostraram disposição e interesse bem maiores do que esperávamos. Estou vivamente confiante”, admite o secretário de Infra-Estrutura e Desenvolvimento Urbano do DF, Tadeu Filipelli. “O que era um projeto baseado apenas nas nossas intenções e na determinação dos dois governadores transformou-se em algo possível de ser realizado”, completa José Geraldo Maciel, titular da pasta de Projetos Especiais do DF, que apresentou o plano nas reuniões e redigiu o memorando com a colaboração de Filipelli, do secretário de Planejamento e Coordenação, Ricardo Penna, e do deputado federal José Roberto Arruda (PFL-DF). “O governador Perillo abraça a idéia com entusiasmo”, afirma o secretário de Planejamento, José Carlos Siqueira, representante de Goiás na equipe. “Esse eixo abriga parte do potencial agrícola de Goiás, dezenas de cidades que não param de crescer, a força de Goiânia e o Distrito Federal, dono da maior renda per capita do País”, acrescenta.

O memorando, que tem como partes interessadas os governos de Goiás e do DF de um lado e, de outro, o Ministério da Infra-Estrutura italiano, foi entregue na terça-feira 20 a Emilio Maraini, assessor para assuntos internacionais do Ministério da Infra-Estrutura e Transporte e ex-presidente da TAV. Estabelece como objetivo “o apoio institucional, técnico e tecnológico da República italiana, através do Ministério da Infra-Estrutura, aos governos do Distrito Federal e de Goiás para o desenvolvimento de estudos e projetos que permitam o início da implantação do trem de alto desempenho no eixo Brasília-Goiânia”. Esses estudos, ainda de acordo com o documento, dariam respostas às questões relacionadas “aos envolvimentos geológicos, aos projetos de obras civis, de infra-estrutura e de superestrutura ferroviária, às especificações para a escolha do material rodante (trens e vagões) adequado e à instalação de sistemas operacionais de supervisão e controle, oficinas e centros de manutenção”.

A equação montada pela Infrastrutture SPA para financiar os 28,79 bilhões de euros da primeira etapa do TAV italiano foi engenhosa. Sociedade com 70% de seus recursos captados no governo italiano e o restante em fundações de bancos privados, o banco de financiamento criou um sistema de vendas de títulos da dívida das obras no mercado com prazo de resgate de 30 anos. Com isso, a holding que controla a TAV recebeu dinheiro para investir no momento certo e, hoje, tem tranquilidade para planejar o pagamento dos papéis no futuro. Pensando nesses resultados e nos projetos de lei sobre relação entre dinheiro público e privado
em discussão no Congresso, os brasileiros incluíram no memorando uma cláusula com o pedido de informações para a criação de um modelo financeiro “com ênfase numa equação que privilegie uma parceria público-privada”. “Há muito dinheiro público no sistema de financiamento deles. No nosso caso, grande parte disso precisaria ser modificada ou adaptada para atender às nossas leis. De qualquer forma, é um ensinamento. Se conseguirmos apenas criar um sistema que produza um prazo de resgate longo como o deles já seria um grande ganho”, analisa o deputado José Roberto Arruda.

A questão é entender o que levaria o governo italiano e, sobretudo, uma empresa do porte da Ansaldobreda a realizar todo esse serviço de graça sem a garantia de que teriam depois os trabalhos de construção, já que obras desse porte necessariamente passam por concorrências. A rigor, trata-se de um encontro de conveniências. Os brasileiros recebem informações confiáveis para dimensionar o custo e as necessidades de uma realização inédita no País e os italianos, informalmente, ganham pontos para uma concorrência futura ao provar competência para realizar os trabalhos. “A Ansaldobreda fez obras no Maranhão e em Minas Gerais. Enxerga nosso projeto como uma vitrine”, explica o secretário de Desenvolvimento Econômico e Comércio Exterior do DF, Rogério Rosso. “A malha ferroviária brasileira está sucateada, a nova realidade do mundo exige transporte ferroviário, sobretudo para cargas, e, num país como o nosso, os trens de alta velocidade são inevitáveis. Basta ver eixos como Rio-São Paulo-Campinas”, completa. Os italianos, evidentemente, sabem disso. “Estamos maduros para apresentar nossa capacidade de investimento e de realizações. A colaboração no projeto dos senhores é mais do que esperada’’, deu o sinal, antes mesmo da resposta oficial do governo, o presidente do grupo Ferrovia dello Statto, Savini Nicci. Agora, é esperar que o País volte a correr nos trilhos em alta velocidade e tenha fôlego para abrigar obras desse porte.