01/05/2002 - 10:00
Os homens são todos iguais. Só pensam em sexo, gostam de colecionar garotas como se fossem embalagens de cigarro e nunca – em hipótese alguma – telefonam no dia seguinte. Certo? Este estereótipo do macho, combatido com fúria quase masculina pelas organizações feministas, começa a dar sinais de cansaço. Pelo menos no que diz respeito ao relacionamento amoroso. Pode ser que eles ainda não saibam lavar uma frigideira e insistam em largar as meias sujas em cima do sofá. Mas a tradicional repulsa ao compromisso está com os dias contados. Se a última década foi marcada pela explosão do “ficar” como prática hegemônica entre casais desimpedidos – e conquistar mulheres era como experimentar sabores de sorvete –, a tendência atual é o resgate do namoro. Nos Estados Unidos, uma recente pesquisa com estudantes da University of Southern California mostrou que moças e rapazes têm projetos semelhantes. “Dos entrevistados, 99% têm intenção de assumir um parceiro sexual exclusivo e todos desejam abolir os relacionamentos de uma noite de suas vidas”, cita a psicóloga Lynn C. Miller, coordenadora do estudo. Para a maioria, isso deve acontecer nos próximos cinco anos, ou seja, eles querem encontrar sua cara-metade antes dos 28. “Também perguntamos aos universitários quantos parceiros sexuais eles gostariam de ter até aquele momento. O resultado mostrou uma média de três parceiras para os homens e dois para as mulheres, resultados parecidos”, acrescenta a psicóloga.
A novidade abala a teoria de que homens preferem relacionamentos de curta duração e apenas as mulheres querem estabelecer vínculos afetivos. Para o terapeuta Sérgio Savian, autor de O amor na contramão (ed. Agora), isso constitui uma nova etapa na evolução social. Se antes o casamento era uma imposição da sociedade e uma necessidade – já que as mulheres precisavam de um provedor e os homens de alguém para cuidar da família –, isso perdeu a importância nos tempos modernos. “Com o feminismo, as mulheres não precisam mais se preservar para o casamento e passaram a dar menor importância à figura do marido. Elas aceitaram o jogo introduzido pelos homens e popularizaram a prática do ficar”, resume Savian. Para ele, o erro foi subestimar a capacidade das mulheres, que souberam se adaptar à fórmula. “Elas já não correm atrás de um namorado como faziam antigamente. Com isso, os homens passaram a se sentir menos valorizados”, diz.
Savian lembra que a realidade da Califórnia não pode ser encarada como espelho da cena brasileira, mas garante que a busca masculina por relações afetivas sólidas se repete no Brasil e deve se intensificar, não apenas entre universitários. “Hoje, é muito fácil dar vazão à sexualidade em relações de curta duração e todo tipo de separação ou divórcio é socialmente aceito. Os novos casamentos serão mais honestos. Continuarão unidos apenas os namorados que se amarem de verdade”, diz. Esta constatação explica relações como a do engenheiro paulista André Mammana, 23 anos, que namora há quatro a estudante de engenharia Marina Nunes, também com 23. “Ela foi minha primeira namorada séria. Não me envergonho de assumir que ficaria com ela para sempre”, garante. Romântico assumido, ele gosta de abrir a porta do carro para a amada e, sempre que lembra, puxa a cadeira para Marina sentar. Parou de dar bichos de pelúcia de presente quando o quarto da namorada ficou abarrotado. “Não consigo desvincular o contato com uma garota de afinidade e carinho. Digo isso para a Marina toda vez que ela pergunta se eu não tenho vontade de conhecer outras mulheres”, conta, descartando a insegurança por assumir tão cedo uma relação como essa.
Virilidade – A convicção de Mammana e a garantia de que o afeto desempenha papel fundamental na relação não são opiniões isoladas. A antropóloga paulista Mirian Goldenberg, especialista em relacionamento, pesquisa há seis meses o universo masculino carioca e chegou à constatação de que a procura por uma união estável não é característica apenas dos jovens da Califórnia. “Após o atentado de 11 de setembro, os americanos perceberam que suas vidas estavam baseadas no consumo de coisas e pessoas. Curiosamente, no Brasil acontece o mesmo. Os homens enjoaram de ficar. Antes, o que interessava eram os números que comprovassem sua virilidade”, explica Mirian. Recentemente, a antropóloga perguntou a 240 homens de 18 a 50 anos o que eles mais priorizavam em um relacionamento. Ganhou o amor, com 25% das respostas. Pesquisa semelhante coordenada pela psiquiatra Carmita Abdo, do projeto sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, investigou o que era mais importante na relação. Após entrevistar 1410 homens, Carmita chegou ao mesmo resultado: afeto e carinho são essenciais para 63,3% deles.
Esta falta de afeto e amor – comum nas relações fast-food – faz com que muitos homens percam o interesse pela troca sucessiva de parceiras. Alguns, como o ator Dado Dolabella, 21 anos, não abrem mão da cumplicidade. “Ao ficar, a gente conhece pessoas, mas não há intimidade, não há companhia na alegria e na tristeza”, explica o galã de Malhação. Recordista em número de cartas recebidas na Rede Globo e ídolo das adolescentes, Dolabella namora há um ano e dois meses a cantora Wanessa Camargo, apesar de morar no Rio e ela em São Paulo. “Mesmo quando nossa relação esfria, volta tudo ao normal quando nos reencontramos”, diz.
Movido por um sentimento semelhante de insatisfação, o programador de software Henrique Gomes, 25, deixou para trás cinco anos de galinhagem para cair nos braços da estudante Angela Santos, 19. “Namorei firme até os 20 anos. Depois que me vi livre, fiquei com 67 garotas em sete meses e, de lá para cá, mantive uma média de 30 garotas por ano”, gaba-se o conquistador. Gomes entendia a conquista como um jogo, no qual ele conhecia as peças e sacava os truques. “Mas sempre me sentia vazio no dia seguinte. Tudo era muito superficial”, conta. No começo do ano, Gomes entendeu que estava na hora de namorar. Está com Angela há quase três meses. “As outras meninas me deixavam com o pé atrás porque eu tinha medo de me sentir preso. A Angela sacou que não pode me prender e com isso conseguiu me fisgar”, resume.
Ciúme – Sentir-se preso, sufocado diante do ciúme excessivo da parceira ou de uma namorada que não desgruda é algo comum entre os homens. “Um dos principais motivos para que eles tenham fugido durante tanto tempo do namoro ou do casamento é o medo da perda da individualidade”, afirma o psiquiatra Flávio Gikovate, autor de A libertação sexual. “Hoje, eles perderam o medo do amor. Descobriram que a relação interpessoal não significa renúncia a esta individualidade”, diz. Para ele, o respeito à independência do parceiro favorece relações modernas com menos ciúme e opressão. “Hoje, os mais imaturos são aqueles que continuam com medo de se envolver e fazem apologia da liberdade sexual. É nitidamente uma
minoria”, afirma.
Mesmo aqueles que já experimentaram relações que não deram tão certo, ainda preferem a vida a dois. Caso do empresário Edgar Esch, 47, um dos sócios do badalado restaurante Esch Café, no Rio. Ele já desfez dois casamentos, cada um com dez anos de duração. Mesmo assim, resolveu amarrar os pontos novamente e está namorando há três meses. Seu histórico demonstra a nítida preferência por relacionamentos estáveis. Apesar de fazer questão da independência, Esch não deixa de levar flores e outros presentinhos à casa da namorada, atitude que evidencia seu espírito romântico. “São coisas simples valorizadas pelo carinho”, diz. Para o empresário, o que normalmente inviabiliza a manutenção de um namoro não é a compulsão masculina por ficar solteiro, mas as diferenças que surgem entre os amantes com o tempo. “Além da química sexual ser fundamental, é preciso que a mulher tenha valores culturais e prazeres semelhantes aos meus. Não dá certo se um gosta de vinho e o outro de Coca-Cola”, explica.
O que Esch quer dizer é que não adianta insistir em um relacionamento com mais diferenças do que afinidades. Em outras palavras, não basta que o homem esteja disposto a assumir sua porção de príncipe encantado se os pés da amada não couberem nos sapatinhos de cristal. Renato Bianchi, recepcionista do hotel Formule 1, em São Paulo, concorda com ele. Em 2000, Bianchi terminou um namoro de dois anos do qual ainda tem saudade. Mas admite que as diferenças haviam desgastado a relação a ponto de inviabilizá-la. “Ela curtia shows de axé, por exemplo, e eu torcia o nariz. A acompanhava, mas comecei a perceber que ela não conseguia se divertir na minha presença, já que ela queria dançar e eu preferia ficar encostado no balcão do bar”, lembra. “Se eu pedia para minha namorada ir só com as amigas, ela achava que eu não gostava mais de sair com ela. Por outro lado, nunca me senti à vontade para admitir que, às vezes, preferia mesmo ficar sozinho. Os homens precisam de espaço para um churrasco ou um futebol só com os amigos”, conta. Mesmo assim, Bianchi quer voltar a namorar, e espera que esse tipo de desgaste não volte a acontecer. “Entregar-se a uma pessoa é muito bom. Ao ficar, a gente preserva nossa liberdade mas não ganha uma companheira para o que der e vier”, diz.
Infalível – O desejo crescente de ter ao lado uma companheira denota o que a sexóloga carioca Regina Navarro Lins chama de falência do macho. “O homem autônomo, livre do ideal infalível masculino, adquire aspectos da personalidade feminina, como sofrer por amor”, avalia a sexóloga. Esta troca fica ainda mais curiosa se a adaptação da mulher à prática do “sexo pelo sexo” também for encarada como a aquisição por elas de aspectos masculinos, como defende o terapeuta Sérgio Savian. Para Regina, a tendência é eles passarem a procurar uma maior qualidade em suas relações, com troca de afeto, o que não significa que a oposição ficar/namorar deva ser encarada de forma maniqueísta. “O homem autônomo pode fazer sexo sem amor e sem frustrar a mulher se isso for estabelecido previamente entre os parceiros. E vice-versa. No entanto, tenho me deparado cada vez mais com o desejo masculino de encontrar relações estáveis. Muitas vezes mais do que as mulheres”, diz.
O editor de vídeo Arthur Rafare corresponde a este perfil. Solteiro aos 32 anos, Rafare já viveu namoros longos, de três ou quatro anos, mas ultimamente só encontra mulheres a fim de ficar. “Aos 20 anos, minha filosofia era a de que quanto mais mulher, melhor. Com a idade, fui me cansando. É sempre a mesma coisa, o mesmo papo. Quando chega sexta-feira, tenho que sair para azarar. É muito cansativo”, diz. Pode soar estranho, mas a reclamação de Rafare simboliza um apelo cada vez mais constante entre os homens. Não basta ir à festa, rodar pelo salão a noite inteira e se despedir da mulher pela manhã. Eles farão o possível para levar o sapatinho à casa dela ou, pelo menos, telefonar no dia seguinte.