Desde os tempos mais remotos, os pássaros exercem forte atração sobre o pensamento humano. Se não pela beleza de algumas espécies, ao menos por sua fabulosa e invejável capacidade de voar. Reza uma antiga lenda chinesa que um imperador de nome Shun, encurralado no alto de uma montanha em chamas, consegue escapar da morte voando com asas artificiais. Na mitologia grega, Ícaro foge do labirinto de Creta ao usar asas confeccionadas com cera e penas de pássaros. Já o primeiro protótipo de um helicóptero é de autoria do italiano Leonardo da Vinci, outro obcecado pela idéia de percorrer a imensidão dos céus. Olhar o mundo de cima e imitar a plena sensação de liberdade é o sonho de 11 entre dez pessoas.

O diretor francês Jacques Perrin conseguiu sentir e passar ao telespectador um pouco dessa emoção de viajar entre os pássaros
no filme Migração alada (Le Peuple Migrateur), que perdeu para
Tiros em Columbine
a estatueta do Oscar de melhor documentário de 2003 e está em cartaz nos cinemas brasileiros. A superprodução consumiu quatro anos de filmagens. Foram ao todo cinco equipes de cerca de 450 pessoas, entre elas 17 pilotos e quatro cinegrafistas, que viajaram por vários continentes e 40 países acompanhando de perto a migração dos pássaros. Eles percorreram milhares de quilômetros sobrevoando mares, montanhas, mangues e pântanos, de um pólo a outro do planeta. Há desde imagens da Torre Eiffel, em Paris, até das montanhas do Nepal e do Alasca.

As migrações ocorrem há milhares de anos e são necessárias para a sobrevivência das aves, que durante o inverno partem rumo a lugares mais quentes no sul do planeta, geralmente em direção aos trópicos e ao Equador, atrás de alimento e de condições para procriar. E depois retornam para casa, junto dos primeiros ventos quentes da primavera. Sempre guiadas pelo Sol e pelas estrelas. Cada espécie tem a sua própria rota, mas elas seguem de alguma maneira as quatro principais existentes: os pássaros que vêm da América do Norte, como os gansos canadenses e a garça-azul das dunas, partem em direção ao sul dos EUA, América Central e América do Sul. As cegonhas-brancas e as andorinhas que saem da Europa e da Ásia se deslocam para a África via mar Mediterrâneo, Espanha ou Oriente Médio. Os pássaros asiáticos, como a garça-azul siberiana, vão para a Índia voando do leste para o oeste do Himalaia e os do Sudeste da Ásia, como as aves pernaltas, vão para a Austrália e o oceano Pacífico. Nessas grandes rotas migratórias existem desvios e atalhos de acordo com a necessidade de cada espécie.

O que diferencia o trabalho de Perrin de outros documentários
do gênero é que, além de percorrer todas essas rotas e seus
atalhos, ele utilizou técnicas arrojadas para obter imagens da terra
e do ar, sem lançar mão de efeitos especiais. A impressão que se
tem é que as cenas foram filmadas por um dos pássaros do bando, tamanha a proximidade dos animais. O diretor Perrin ficou consagrado pelo documentário Microcosmo, de 1995, no qual explora minuciosamente a vida dos insetos. Desta vez, ele usou técnicas de aviação capazes de acompanhar qualquer movimento dos pássaros, independentemente da altitude, do clima ou da velocidade. A única ressalva é que as máquinas não poderiam fazer muito barulho, para não espantar os animais. Foram criados até códigos sonoros capazes de aproximar os pássaros e assim facilitar as filmagens.

Entre os aviões usados no documentário estão os planadores tradicionais, que permitiram acompanhar as aves em vôos de
curta distância e em altitude elevada. Um planador com controle
remoto, acoplado a uma câmera de cinema compacta e a duas
câmeras de vídeo – para filmar as aves e guiar o avião –, permitiu voar dezenas de quilômetros e captar desde o momento da partida do grupo de pássaros até a formação do vôo. Caso o equipamento apresentasse alguma falha, um computador de bordo assumiria o comando do planador e o levaria de volta até sua base. Com um helicóptero tradicional, equipado com câmeras com lentes de longo alcance, os cinegrafistas puderam chegar a lugares mais baixos e fechados, onde seria impraticável fazer imagens aéreas. Um ultraleve motorizado, desenvolvido especialmente para o filme, proporcionou condições de filmagem em ângulos de 360 graus, e um balão amarrado ao solo permitiu o registro de imagens de alturas variáveis.

O mais sensacional foi a utilização de uma asa-delta e de um avião
que de longe representa o formato em V da formação de vôo das aves. Com isso, os cinegrafistas puderam viajar entre os pássaros, sem causar medo ou interferir em sua rota. As imagens são espetaculares. “O território das aves é o planeta, não apenas um país. Esses animais não conhecem fronteiras. Isso é o símbolo da liberdade”, diz Perrin. Depois dos céus, a próxima aventura cinematográfica desse francês apaixonado pela natureza será nos mares. Ele já está mergulhando, literalmente, no fundo dos oceanos para registrar a vida marinha, o que já lhe rendeu o apelido de Jacques-Yves Cousteau.