06/10/2004 - 10:00
Autor do best-seller A globalização e seus malefícios, o Prêmio Nobel e ex-economista-chefe do Banco Mundial Joseph Stiglitz está receoso com a nova meta de superávit primário do governo brasileiro, mas é um fã declarado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e crítico ferrenho do Fundo Monetário Internacional (FMI) – instituição na qual também já trabalhou. Pai de quatro filhos do primeiro casamento e às vésperas de encarar o segundo, o economista, de 61 anos, ainda solta o verbo quando se trata do poder que os Estados Unidos mantêm dentro do FMI. Durante sua participação, na semana passada, no Fórum Universal das Culturas, em Barcelona, na Espanha, falou com exlusividade a ISTOÉ.
ISTOÉ – O presidente Lula tem dito que o FMI mais atrapalha do que ajuda os países em desenvolvimento. O sr. concorda com isso?
Joseph Stiglitz – Pelas estatísticas, Lula está coberto de razão. Nos países em desenvolvimento, o FMI mais atrapalha do que ajuda. As ajudas reais foram muito pequenas se comparadas às complicações. Um dos pontos mais importantes do meu livro (A globalização e seus malefícios) trata da instabilidade gerada pela globalização do mercado financeiro. É quase um senso comum entre os economistas de que a ajuda do FMI gera instabilidade. O encontro do presidente Lula com Lagos (Ricardo, presidente do Chile), Zapateiro (José Luiz, primeiro-ministro espanhol) e Chirac (Jacques, presidente francês), na última conferência da ONU, abordou a questão das inovações nos mecanismos de fiscalização das finanças, com propostas bem inovadoras. Muita gente, inclusive representantes do FMI, se colocou aberta para as idéias de Lula. Eu acho que isso já representa um grau maior de abertura. Mas não podemos esquecer que o FMI tem um só país com poder de veto, os Estados Unidos.
ISTOÉ – O banco Goldman Sachs defende que, em no máximo 50 anos,
o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) ganhará muita relevância no cenário econômico mundial.
Stiglitz – Sem sombra de dúvida, isso mudará muita coisa. A China vai ser a segunda ou a primeira economia mundial, tanto em cifras quanto em número de pessoas. O G8 (grupo dos oito países mais ricos) vai se tornar obsoleto. Como os líderes econômicos podem se reunir para discutir metas da economia mundial e deixar a China de fora? Lá, você tem economias pequenas, com menos relevância. Por que a China vai concordar com o que elas pregam? Não faz sentido. Se o jogador principal está fora da partida, eu não acho que se chegará a um consenso razoável.
ISTOÉ – E como o sr. vê o Brasil nesse jogo?
Stiglitz –Tenho quase 100% de certeza de que os EUA terão que mudar sua política de subvenção agrícola. E o Brasil se tornará a grande cesta de pão do planeta. Será uma das maiores fontes de comida do mundo e uma das economias industriais mais importantes. Uma das grandes vantagens da democracia é que o presidente Lula está expressando, como ninguém, o ponto de vista e os interesses do povo brasileiro. E o debate hoje é como o de Lula e de outros líderes, que insistem em acordos comerciais mais justos. Isso vai acabar prevalecendo sobre os EUA. Lula ganhará a opinião pública, se é que já não ganhou.
ISTOÉ – Como o sr. está vendo o governo do presidente Lula?
Stiglitz – Ele é o grande vitorioso desse novo mundo. Os Estados Unidos podem ter mais armas. Mas, em termos de poder de idéias, o presidente Lula é imbatível e conquistou a comunidade internacional.
ISTOÉ – Dentro do Brasil, é um pouco diferente. Lula acabou de elevar o superávit primário de 4,25% para 4,5% e foi muito criticado…
Stiglitz – O Brasil está recuperando a força de sua economia, o que o possibilita ter superávits primários mais altos. O risco é de aumentar demais o superávit e perder esse crescimento. É preciso ter muito cuidado.
ISTOÉ – No Fórum Universal das Culturas, em Barcelona, o sr. participou de um encontro sobre a nova Agenda Global. O sr. crê que a atual crise política e econômica mundial seja consequência da falta de fiscalização dentro de de mecanismos internacionais?
Stiglitz – São instituições muito pouco democráticas em dois sentidos. Em
termos de representatividade, refletem apenas o interesse dos Estados Unidos, único país que realmente tem poder de veto e poder econômico. Quanto mais
rico você é, maior seu poder de voto. O segundo ponto é quem representa os interesses de que país. Isso não seria assim se a instituição fosse mais democrática. O que eu quero dizer é que, quando eles decidem quem vai apitar no FMI, eles não perguntam quem é a melhor pessoa no mundo para ocupar determinado cargo, mas de quem é a vez agora.
ISTOÉ – Mudar esse questionamento democratizaria mais o Fundo?
Stiglitz – Com certeza. Há muita gente boa nos países em desenvolvimento. O Armínio Fraga, por exemplo, seria perfeito para o FMI, pois ele tem status internacional, é um economista de primeiro escalão e conhece o mercado
financeiro como poucos. Mas ninguém pensa nele porque ele vem de um
país em desenvolvimento.
ISTOÉ – Há, hoje, na economia mundial três grandes fatores de risco: o preço do petróleo, o aumento de juros por parte dos EUA e uma possível freada no crescimento econômico da China. Como diminuir a suscetibilidade mundial a esses fatores?
Stiglitz – Quanto mais próximo um país se torna da economia mundial, mais exposto está aos riscos de mercado. A questão é qual a melhor maneira de controlar esses fatores. No caso do petróleo, o melhor método é conservar outras fontes de energia e depender menos dele. No caso dos juros impostos pelos EUA, o melhor jeito de não depender do mercado internacional é não contrair empréstimos. Mas também como fez o Chile, se se aceita o empréstimo, é preciso impor algumas normas no fluxo de mercadoria e capitais, para não se escravizar.
ISTOÉ – Quais são os principais problemas econômicos que a América Latina pode enfrentar a curto e médio prazos?
Stiglitz – A proximidade de negociação com os EUA é sempre um fator de risco. E a má administração da macroeconomia por parte dos EUA custou muito caro à América Latina. Indo mais adiante, o fato de os EUA ter um grande déficit deve levar, a médio prazo, a um crescimento das taxas de juros industriais. Se o Bush for reeleito, teremos que reconhecer que os acordos bilaterais de comércio, impostos pelos americanos, serão completamente injustos e não irão promover crescimento da economia latino-americana nem em qualquer outro país em desenvolvimento. O tratado de livre comércio, também, se for feito da forma como querem os Estados Unidos, será prejudicial para a América Latina. Então me parece que o Brasil e o resto dos latino-americanos têm de perceber que, muitas vezes, não fazer acordos é melhor do que fazer maus acordos.