13/10/2004 - 10:00
Olhares curiosos, flerte, namoro, juras de amor eterno, promessas de casamento, brigas, ameaças e, enfim, a separação. Como nas relações pessoais, na política as convivências perduram entre tapas e beijos. Assim foi com os protagonistas dessa história, que começou há 31 anos, quando o sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula, conheceu o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Não foi amor à primeira vista. Do encontro, em 1973, não restaram lembranças. Mas foram lançadas as sementes de uma relação que se intensificou, mas não deu em casamento. No Brasil de 2004, o escorpiano Lula e o geminiano FHC entraram no ringue dispostos a guerrear pelos seus candidatos em São Paulo: Marta Suplicy e José Serra.
Lula e FHC representam os dois partidos que emergiram do primeiro turno das urnas municipais como os principais rivais do cenário político. Suas histórias têm um quê de fábula. E inspiraram o jornalista Paulo Markun a escrever o livro O sapo e o príncipe (Editora Objetiva), que acaba de sair do forno: as vidas paralelas de Lula e FHC são entremeadas com os bastidores da política. O título refere-se aos apelidos de Lula (sapo barbudo) e FHC (príncipe dos sociólogos) e também ao conto infantil dos Irmãos Grimm O sapo príncipe: uma princesa perde sua bola de ouro num lago e, para recuperá-la, promete dormir com um sapo. Mas joga o sapo na parede e descobre que ele é um príncipe. Os dois se casam e, claro, são felizes para sempre.
O engate do namoro ocorreu em 1978, quando Lula se tornava conhecido como líder das greves do ABC. O sociólogo estreava na política tentando uma vaga no Senado pelo então MDB. Foi a São Bernardo pedir ajuda a Lula. O charme de FHC deu certo: o líder sindical tornou-se o seu mais aguerrido cabo eleitoral. Eles discutiam a criação de um partido, mas FHC não aceitava um partido classista, como queria Lula. Em 1982, o primeiro enfrentamento: Fernando Henrique apoiou Franco Montoro para o governo de São Paulo e Lula – com o lema “Vote três, o resto é burguês” – amargou o quarto lugar. Em 1984, aproximaram-se nos palanques das Diretas-já. Mas no ano seguinte a relação azedou com a eleição de Jânio Quadros para prefeito, derrotando Fernando Henrique, que não contou com o apoio do PT. Em 1989, entre Collor e Lula, FHC defendeu a neutralidade – apesar de ter votado no petista –, mas os tucanos acabaram subindo no palanque de Lula. Em 1994, ministro da Fazenda de Itamar Franco, FHC flertou com Lula novamente para formar uma chapa PT-PSDB na eleição presidencial. Mas o tucano acabou saindo candidato e o Plano Real deu asas à sua candidatura, que derrubou Lula.
As escaramuças eram frequentes nos dois mandatos de FHC. Lula organizou uma frente anti-reformas, pediu CPIs, engrossou o coro dos sem-terra, e afiava a língua. “A prepotência e a arrogância sempre fizeram parte do currículo do Fernando Henrique Cardoso”, comentou.
Em 1997, FHC articulava um encontro com Lula, mas a notícia vazou. “Ele já mandou dizer pelos jornais que não vem. Depois sou eu que sou arrogante?”, protestou o presidente. Ao vencer Lula em 1998, FHC era todo amores: “Respeito muito o Lula. Já concorremos uma vez e foi uma competição que não deixou mágoas. Lula é uma pessoa que o Brasil deve respeitar.” No final daquele ano, convidou o petista para visitar o Palácio da Alvorada e brincou: “Um dia você pode vir morar aqui.” Mal sabia que suas palavras eram proféticas. No dia 16 de dezembro de 2002, FHC e Lula ergueram os braços de mãos dadas durante a festa de entrega do prêmio O Brasileiro do Ano, promovido pela Editora Três. “Como bom corintiano e bom santista que somos, a gente torce e vai por caminhos diferentes. Mas o processo de transição que estamos fazendo será um novo marco na política nacional”, comemorou Lula. A fábula não terminou. Não há como proclamar: todos viveram felizes para sempre. Mas os dois certamente continuarão, entre tapas e beijos, fazendo história.