15/06/2005 - 10:00
Eram 11 da noite da quinta-feira 9 em Sucre, a capital histórica da Bolívia, quando o presidente da Suprema Corte do país, Eduardo Rodríguez, um advogado de 49 anos formado em Harvard e avesso à política, foi empossado como o novo presidente da República com uma missão bem específica: convocar eleições gerais em menos de 180 dias. A posse de Rodríguez parece representar uma trégua no mais novo ciclo de protestos e violência e abre espaço para profundas modificações na estrutura política do país mais pobre da América do Sul, que também padece de crônica instabilidade política. O pleito, que pela Constituição deveria se limitar à escolha de um novo presidente, vai incluir a eleição de um novo Senado e de uma nova Câmara, podendo desaguar em uma Constituinte que reflita o novo quadro político do país.
Até chegar ao ato da noite de quinta-feira, a Bolívia andou muito próxima de uma total ruptura institucional e de uma guerra civil. Tudo tinha começado duas semanas atrás, quando uma nova lei de hidrocarbonetos foi promulgada pelo Congresso, aumentando para 50% o total de impostos e royalties a serem pagos pelas empresas estrangeiras que exploram o gás e o petróleo bolivianos. A lei não agradou a ninguém, a começar pelas empresas – a Petrobras à frente –, que teriam seus lucros drasticamente reduzidos, até chegar à população, especialmente aos 65% de indígenas, historicamente marginalizados do processo de desenvolvimento do país. Comandados pelo líder cocalero e deputado Evo Morales, os protestos começaram em La Paz, onde milhares de moradores do bairro de El Alto desceram a montanha e ocuparam as ruas da capital. Pelo país, barricadas feitas pelos indígenas bloquearam as estradas.
Aposta de risco – Acuado, o presidente Carlos Mesa, no poder há apenas 20 meses, decidiu fazer uma aposta de risco e apresentou sua renúncia ao Congresso, que ainda teria que aprovar o pedido. A idéia, que foi apoiada por Evo Morales, era fazer com que os próximos na linha de sucessão, os presidentes do Congresso, senador Hormando Vaca Díez, e da Câmara, deputado Mario Cossío, também renunciassem. Estaria aberto o caminho para a posse do presidente da Suprema Corte, Eduardo Rodríguez. Pela Constituição, quando isso acontece é obrigatória a convocação de eleições para presidente. Rodríguez, contudo, ouvindo a voz cada vez mais zangada das montanhas, já disse que a eleição será a mais ampla possível.
Contudo, a renúncia de Vaca Díez, ex-jornalista e hoje um rico empresário do setor agropecuário e um dos políticos mais odiados do país, não foi fácil. Com La Paz tomada por milhares de manifestantes, incluindo mineiros armados com bananas de dinamite, ele transferiu, na quarta-feira 8, a sessão do Congresso que aprovaria ou não a renúncia de Mesa, para Sucre, a 650 quilômetros de distância. Com os aeroportos fechados e as estradas bloqueadas, julgou que lá a voz das montanhas não chegaria. Mas o golpe deu errado. De todos os lugares próximos a Sucre, surgiram mais milhares de indígenas e mineiros dispostos a tornar a vida dos parlamentares e, claro, a de Vaca Díez, um inferno. Um líder mineiro, Carlos Cobo, morreu baleado, em confronto com a polícia. O clima se tornou mais tenso. Em Sucre, milhares de pessoas cercaram a praça onde estavam reunidos os parlamentares, exigindo a posse de Rodríguez. Vaca.Díez ainda tentou melar o jogo, indo se esconder em um quartel do Exército, sonhando, talvez, em dar um golpe. Mas acabou entregando os pontos e desistiu do cargo.
Incerteza – Mas a encrenca boliviana está longe de terminar. Morales insiste na nacionalização de todo o setor do petróleo e do gás, antes das eleições. Para a Petrobras, que já investiu mais de US$ 1,5 bilhão no gasoduto Brasil–Bolívia, construiu refinarias e responde por 30% do PIB do país, esse cenário é de pesadelo. Para piorar, mais da metade do gás natural hoje consumido no Brasil vem da Bolívia. Por via das dúvidas, já existe um plano de emergência para que refinarias e termelétricas voltem a usar óleo combustível em vez de gás, até que as gigantescas reservas de gás brasileiras entrem em produção. Outra saída é o Brasil negociar uma nova parceria com a Bolívia. A diplomacia já começa a se movimentar.