23/02/2005 - 10:00
O governo brasileiro decidiu deixar morrer a licitação para a compra dos novos caças supersônicos que substituirão os velhos Mirage III baseados em Anápolis (GO), no chamado projeto F-X. Com isso, a Força Aérea Brasileira (FAB) terá a missão de selecionar os melhores aviões fabricados no mundo para escolher um vencedor, sem licitação. Se por um lado essa decisão tem o mérito de tirar pressões internacionais desnecessárias sobre o País, por outro persiste o grave problema da obsolescência dos Mirage III, que deverão ser retirados do serviço ativo neste ano, por problemas logísticos e operacionais. O impasse abriu espaço para que os americanos, cujo caça F-16 estava fora de cogitação, voltassem à carga, desta vez com uma proposta insidiosa para restabelecer a primazia da venda de material bélico americano ao Brasil. A ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak, atualmente consultora internacional, confidenciou que os EUA estão incomodados com o fato de virem perdendo sistematicamente espaço na venda de equipamento militar para o Brasil, especialmente aeronaves para a FAB. Assim, para reverter essa situação, foi feito ao longo dos últimos meses um acordo sigiloso entre algumas empresas brasileiras e americanas, através de suas representações no Brasil, visando à elaboração de uma proposta de venda de equipamento americano para a FAB.
Essa proposta sugere a compra de 16 caças F-16 usados tipo MLU, montados sob licença na Holanda pela ex-Fokker, ao preço de US$ 12 milhões cada um, totalizando US$ 192 milhões. Esses F-16 usados teriam a vantagem de poder entrar em operação num curto espaço de tempo, além de terem ainda uma vida útil de cerca de 20 anos. A proposta foi apresentada pela Lockheed do Brasil, através de seus representantes no País – coincidentemente, dois oficiais da reserva da FAB; pela Power Pack do Brasil, que tem interesse na manutenção dos motores Pratt & Whitney, que equipam essa versão do F-16; e pela VEM-Varig Engenharia e Manutenção. A proposta tem o apoio do Comando Geral de Apoio da FAB, o COMGAP e teria a vantagem de parecer a melhor solução para o impasse, pois o Brasil não precisaria gastar a quantia de US$ 800 milhões do projeto F-X.
Uma comitiva da Lockheed Martin esteve no Brasil no final do ano passado e ratificou a proposta de venda dos caças fabricados na Holanda como estratégia para, no futuro, negociar mais exemplares novos dos F-16 para outros esquadrões da FAB. Foi sugerida a integração do sistema de armas do F-16, a ser feita pela Lockheed, com mísseis brasileiros MAA-1 e americanos, como forma de estimular a venda dos caças. Mas os códigos-fonte permanecerão em segredo. Para evitar ferir profundamente os brios nacionalistas, o plano contempla a possibilidade de parceria da Embraer com a Lockheed Martin. Só esqueceram de avisar a Embraer, que não tem o menor interesse na parceria.
Além de não transferir tecnologia para a indústria aeronáutica brasileira, a compra de caças F-16 – usados ou novos – traria uma dor de cabeça adicional para os pilotos da FAB e para a defesa do espaço aéreo brasileiro: os americanos certamente não vão entregar os mísseis inteligentes ar-ar AIM-120 Amraam que acompanham esse tipo de aeronave. Veja-se o exemplo do Chile, que há alguns anos comprou dez F-16 com esses mísseis ao custo de US$ 700 milhões e ficou a ver navios. Os EUA alegaram que esse tipo de armamento era ofensivo e sua venda deveria ser restringida, caso contrário poderia incentivar uma corrida armamentista no Cone Sul. O resultado é que os chilenos, depois de provar que pagaram por eles, finalmente obtiveram os Amraam. Mas estes deverão ficar armazenados nos EUA e somente poderão ser liberados com autorização do Congresso americano.
Novos concorrentes – Enquanto isso, o governo brasileiro refaz as regras para a compra dos aviões. A Embraer terá que ser parceira obrigatória do escolhido, qualquer que seja sua procedência. Além dos conhecidos JAS-39 Gripen, do consórcio anglo-sueco BAe/Saab e do russo Sukhoi Su-35, o que chama atenção na lista de caças cobiçados pela FAB são os novos candidatos na passarela: o francês Rafale, também fabricado pela Dassault, que substituiria o Mirage 2000-5Br, o europeu Eurofighter e o novo jato dos EUA, o JSF (Joint Strike Fighter), substituto do F-16 e do F-18.
O Rafale entra na briga com grandes chances por uma razão simples: a queda no preço. Na licitação original, a Dassault preferiu oferecer o testado mas menos moderno Mirage 2000-5 porque o preço previsto do Rafale era muito alto – em torno de US$ 100 milhões a unidade. Mas o quadro mudou. A Dassault fechou um contrato de venda de 100 Rafale para a Força Aérea Francesa, o que barateia o custo de produção de novas unidades. Mas não é só o preço que coloca o Rafale na frente. Um dos fatores é a sociedade entre os franceses e a Embraer, facilitando a transferência de tecnologia, quesito indispensável para a empresa brasileira continuar ocupando espaço no mercado internacional.