31/08/2005 - 10:00
Entre os inúmeros anúncios e propagandas que infestam o metrô de Londres, um se destaca: “Londres é o mundo inteiro em uma cidade”, diz o enorme cartaz colado nas paredes defronte às plataformas. Que o digam os indianos, paquistaneses, árabes, poloneses e cada vez mais brasileiros que se misturam na capital britânica. A frase do metrô é do prefeito de Londres, Ken Livingstone, e também expressa um apelo aos londrinos e estrangeiros que aqui vivem para que se unam diante da ameaça do terrorismo. Afinal, nem mesmo os recentes ataques conseguiram intimidar os que vieram para cá sonhando com um futuro menos inglório. “Depois dos atentados de 7 de julho e da morte do Jean Charles, a gente sempre tem medo que aconteça de novo, mas, mesmo com tudo o que houve aqui, no Brasil ainda é pior”, afirma uma brasileira que não quis se identificar. “Agora, quando tomo o metrô, fico observando quem pode ser o próximo homem-bomba a explodir”, ironiza o estudante paulistano Bruno Capra, há um ano na Inglaterra.
O Brasil tem em Londres uma população digna do tamanho continental da nossa pátria mãe gentil. Estimativas informais do Consulado do Brasil na capital britânica apontam que os brasileiros em Londres podem chegar a 150 mil. Mas há quem diga que 200 mil é um número mais próximo da realidade. É como se toda a cidade de Palmas (187 mil), capital do Tocantins, vivesse dentro da capital britânica. Estima-se que um terço desses brasileiros esteja em situação de ilegalidade, embora seja difícil obter números precisos. Mas, segundo o governo de Sua Majestade, os brasileiros já são a nacionalidade mais barrada pelos funcionários da imigração (os poloneses eram os primeiros até o ano passado, quando a Polônia ingressou na União Européia).
Os bicos e o sonho – Em comum, esses brasileiros têm apenas a decepção com as condições de vida no Brasil e a esperança de acumular um bom dinheiro fazendo serviços desprezados pelos ingleses. É grande a chance de encontrar um brasileiro em Londres trabalhando como garçom ou cleaner (que faz a faxina das casas enquanto o dono não está). Trabalhando no mínimo 40 horas por semana, os brasileiros chegam a ganhar até 1.000 libras (R$ 4.300) por mês. Pouco para os padrões britânicos (renda per capita de 1.400 libras – R$ 6.020), mas uma fortuna para os padrões tupiniquins.
O baiano Jarbas de Oliveira, 38 anos, também se aventurou pelo “feijoada/guaraná”. Mas o seu Copacabana Café é bem mais modesto. “Quando conseguir o dinheiro que eu quero, vou embora. Tenho visto de estudante até dezembro. Eu gosto daqui, mas amo o Brasil. E há uma diferença muito grande entre gostar e amar”, declara ele, que trabalhava com compra e venda de café na Bahia. Já Audrea Janaína Rodrigues, 28 anos, não pretende mais voltar. “Quando voltei para o Brasil, eu não consegui emprego. Acabei me acostumando com tudo aqui, não consigo mais ficar no Brasil”, diz ela. Mas as ligações com a terra natal permanecem. Prova disso é o belo prato de feijoada de 6 libras (R$ 26) com guaraná que Jarbas serve para ela. Há cinco anos, Audrea saiu de Mogi-Guaçu (SP) com vontade de ganhar o mundo. Ficou dois anos como estudante em Londres e decidiu desembolsar R$ 10 mil por um passaporte italiano. Conseguiu em apenas três meses. “Mas as coisas não são fáceis aqui. Fui assaltada quatro vezes na rua. E eu nunca havia sido assaltada no Brasil! Além disso, os brasileiros que moravam comigo tentaram me estuprar”, confessa. Audrea ganha 1.500 libras (R$ 6.450) como supervisora de um hotel. Com o dinheiro está comprando uma casa e um carro no Brasil.
Filhos lá e cá – Mas o destino reserva surpresas. Quando saiu de Curitiba, há cinco anos, Lucene Duarte, 26 anos, não sabia direito que rumo sua vida iria tomar. Trabalhando como garçonete no bar Barmed, em Waterloo, ela conheceu o inglês Dale Hathaway, gerente do bar. Por problemas de visto, eles foram para o Brasil quando ela estava no quarto mês de gravidez. O pequeno Leonardo nasceu, eles se casaram no Brasil e retornaram para Londres. “Eu amadureci muito aqui, criei juízo. Mas é muita saudade. Eu vim aqui com uma amiga, mas ela não agüentou e voltou. Ainda bem que eu já tinha conhecido o Dale, senão também teria voltado”, diz ela.
A saudade pesa ainda mais quando se deixa filhos pequenos. Paranaense de Jataizinho (ele diz conhecer mais de 120 pessoas de sua cidade morando em Londres, o que dá mais de 1% da população), o motorista Leandro Fabri, 25 anos, passou por poucas e boas na cidade do Big Ben. Há quase quatro anos em Londres, ele não pensa em voltar tão cedo, mesmo tendo deixado no Brasil os filhos Leonardo e Otávio (o último ele só conhece por foto). “Dormi na rua, usei drogas, já passei muita necessidade aqui. Mas não vou voltar de mãos vazias, derrotado. Vim para cá para voltar com dinheiro, não importa quanto tempo demore”, diz Fabri. Ele é um dos poucos a admitir que está com a documentação irregular. Veio como turista e foi ficando. “Quero voltar com R$ 200 mil para poder refazer minha vida no Brasil”, completa. Sem casa para morar, atualmente ele dorme em uma van, a mesma que usa para trabalhar. Há algumas semanas, ele foi parado pela polícia. Sem nenhum tipo de documento, mas com o famoso “jeitinho”, ele conseguiu convencer o policial que tinha esquecido o passaporte em casa. Com isso, arrumou tempo para providenciar um passaporte falso. “Nós somos ilegais, mas temos de andar certinho, né?”, finaliza ele, rindo.
Novos temores – Essa confiança se esfumaçou com os atos terroristas e depois da morte de Jean Charles de Menezes, o brasileiro assassinado pela polícia londrina, que o confundiu com um homem-bomba. “Depois dos ataques, todo mundo ficou receoso. E os brasileiros agora estão com dúvidas em relação à segurança, coisa que nunca existiu aqui. Ainda mais depois do terrível episódio Jean Charles. Estou há 20 anos aqui, mas nunca fiquei tão preocupado como agora”, diz o bem-sucedido Luís de Souza.
Quando estava exilado na Inglaterra, em 1969, Caetano Veloso compôs uma ode à cidade, London London, que, entre outras coisas, proclamava “I cross the streets without fear/I am lonely in London without fear/while my eyes go looking for flying saucers in the sky” (eu cruzo as ruas sem medo/eu estou só em Londres sem medo/enquanto meus olhos procuram discos voadores no céu). Hoje, essa belíssima canção ficou tão fora da nova ordem quanto as músicas da bossa nova que cantavam um Rio de Janeiro idílico. Mas os brasileiros persistem.
Civilização e barbárie Para o Daily Mail, a família de Jean Charles “teve sorte” por sua execução ter ocorrido em Londres, e não no Rio, pois assim eles terão mais chances de que a Justiça seja feita. O jornal diz que isso seria impossível se Jean tivesse sido uma das centenas de pessoas assassinadas pela polícia brasileira
Em meio ao frenético movimento de turistas nas calçadas de avenidas famosas como a Oxford Street e a Shaftesbury Avenue, no centro, também se destacam brasileiros que “fazem bico” segurando placas de lanchonetes. Com uma que indica as promoções e a localização da Pizza Hut, um casal do Paraná conversa (ouvir português pelas ruas de Londres se tornou trivial). Estão há três anos e meio em Londres. Dizem que o retorno financeiro compensa a distância da família. “Já comprei uma casa e abri uma oficina mecânica lá em Maringá. No Brasil, eu não conseguiria isso nunca. Se pudesse, eu traria minha família toda”, diz o rapaz de 34 anos. Eles não quiseram se identificar, mesmo dizendo que estavam legalizados. “Para não ter dor de cabeça, a gente prefere ficar quietinha”, completa a moça de 23 anos.
O sonho dos brasileiros é repetir, de alguma forma, a história de sucesso de Luís de Souza, 49 anos, dono do Brazil by Kilo, também conhecido como Feijão do Luís, e um dos mais famosos pontos de encontro de brasileiros na capital britânica. Há 20 anos, quando ele chegou a Londres, quase não havia brasileiros. No início da década de 80, Luís era assistente de direção dos shows que o falecido Oswaldo Sargentelli promovia com mulatas. Depois de uma apresentação na Itália, Luís decidiu ficar. Lá, conheceu a inglesa Emily Fryer, que o fez se mudar para Londres. Ele passou oito anos vendendo amendoim doce, até abrir o Feijão Café, que fazia sucesso vendendo produtos brasileiros, como feijoada e guaraná. Sempre na Oxford Street, Luís viu seus negócios aumentarem exponencialmente com o grande número de brasileiros que chegaram nos últimos anos. E o negócio prosperou. Hoje, o Brazil by Kilo ocupa todo prédio de cinco andares e tem comida por quilo, internet, transferência de dinheiro para o Brasil e uma escola de inglês. “Por dia, cerca de mil brasileiros passam pelo prédio”, diz ele, orgulhoso, enquanto cuida dos preparativos para outro estabelecimento: um bar chamado Caipirinha Jazz, em High Gate, para 40 pessoas. E badalação é o que não falta. Quase todo dia tem festa temática brasileira em alguma casa noturna de Londres. A única noite vaga, de quinta-feira, Luís pretende preencher com o Caipirinha Jazz.