11/08/2008 - 10:00
São sete horas e vinte e dois minutos da noite da sexta-feira 1º. Audaciosos alpinistas, 17 ao todo, estão em silêncio (e contemplam um gelado silêncio) dada à alegria e emoção de terem galgado os 8.611 metros de altitude do segundo pico mais alto do mundo, a traiçoeira montanha K2, no Himalaia (o pico mais elevado é o Monte Everest, no Nepal, com 8.850 metros). Eles estavam praticamente no topo da Terra, coração alegre pela missão cumprida, sensação de que o céu é o limite quando se combina técnica e obstinação, boca seca e lábios cortados de frio, ouvidos para o vento, olhos para o cenário totalmente branco. Oito minutos se passaram, exíguos oito minutos de contemplação mas que valeram sim o desafio dos oito mil metros vencidos, e então já era hora de começar a descer. Impossível não vir à mente o que ensinaram outros alpinistas que já conquistaram esse mesmo topo: 270 escaladores, segundo o Ministério do Turismo do governo do Paquistão. A lição é inquietante: é justamente nesse movimento, no da descida, que a K2 leva o nome de Montanha da Morte, com seu gelo duro feito rocha e escorregadio como azulejo ensaboado. Descendo-se cerca de 400 metros, chega-se a esse ponto mais perigoso da volta, o Gargalo da Garrafa, onde o oxigênio sofre redução de 70% e a temperatura beira os 30 graus negativos. No Gargalo da Garrafa sabe-se que 66 alpinistas já morreram e estima- se que outros 50 tenham simplesmente desaparecido – é comum encontrar lá ossos de pernas e luvas avulsas como que brotadas do próprio gelo. Assim, não é sem motivo que essa região da K2 recebeu também a denominação de “a montanha das montanhas”, frase cunhada pelo famoso alpinista italiano Reinhold Messner. “A K2 não é a mais fatal em número de vítimas, mas há estatísticas mostrando que os riscos de morrer em sua descida é três vezes maior do que na do Monte Everest”, disse certa vez Messner.
Os 17 alpinistas mal haviam chegado ao Gargalo da Garrafa quando o silêncio, agora não somente contemplativo, mas também de profunda concentração, foi abruptamente rompido. Um erro humano é fatal, e esse tentase a todo custo evitar com a habilidade e o conhecimento técnico. Uma desdita da natureza, essa é imponderável, dela só se pode tentar escapar – ou se esconder. Pois bem, foi a natureza que se manifestou com o desprendimento de um imenso bloco de gelo: é começo de uma avalanche, o bloco avança sobre o grupo, é o pânico e a certeza de que a Montanha da Morte não se rendera àquele grupo. A placa gelada, que se soltara, rompeu as cordas fixas que seguravam os homens e uma mulher em sua escalada. Todo o trajeto de volta, até onde os olhos podiam alcançar naquele inferno branco, estava agora bloqueado. O acampamento mais próximo, o de número quatro, virara mera miragem. O céu do Himalaia fazia-se testemunha da agonia e da impossibilidade de um rápido socorro e resgate: até a terça-feira 4 confirmavam-se a morte de 12 alpinistas (o governo chinês falava em 16) e contavam-se cinco sobreviventes. Dois holandeses, milagrosamente, foram os primeiros que conseguiram retornar ao acampamento de origem e foram eles que deram o alarme – um desses sobreviventes se chama Wilco Van Rooijen. Desceram sem cordas e conseguiram se abastecer de água no acampamento quatro. Salvaram- se porque estavam mais afastados do grupo. Também assim fizeram o caminho de volta outros três sobreviventes. Os cinco, até a terça-feira, haviam sido resgatados por helicópteros no próprio acampamento de partida a apenas cinco mil metros do solo, mesmo porque, além desse ponto, poucas missões de salvamento tiveram sucesso na K2. Os relatos impressionistas da tragédia são justamente desses afortunados que sobreviveram à K2.
“Chegamos ao topo. Na volta nos vimos em meio a um inferno branco”, disse Van Rooijen no hospital militar em que ficou internado. Ele contou também que diversas expedições atravessaram o mês de julho à espera de uma melhora nas condições climáticas e o grupo ao qual pertencia concordou em escalar o último trecho da Montanha da Morte na sexta-feira porque os ventos, até então inesperadamente fortes para essa época do ano na região, perderam bastante força. Quanto à descida, Van Rooijen se recorda de uma cena que já arquivou na memória como “a mais trágica dos meus 40 anos de vida”: ele viu, bem perto de si, um pedaço, apenas um pedaço do bloco de gelo que gerou a avalanche, levar consigo dois companheiros nepaleses: “Eles foram irremediavelmente arrastados no Gargalo da Garrafa”.
Outros acidentes na Montanha da Morte
Estima-se que houve 260 “conquistas” do cume. Pelo menos 66 pessoas morreram no ponto conhecido como Gargalo da Garrafa, região mais perigosa da K2
Rota da tragédia
Na difícil escalada dos 8.611 metros de altitude, os 17 alpinistas acamparam para descansar e se alimentar. Na sexta-feira 1º, eles chegaram ao topo da montanha K2. Na volta, foram surpreendidos por uma avalanche, 12 morreram. Até a terça-feira 4 havia cinco sobreviventes: eles conseguiram descer sem cordas e foram resgatados no acampamento-base pelo Exército do Paquistão.