27/10/2004 - 10:00
Nascido em 19 de abril de 1942 na zona leste de São Paulo, José Serra vive a reta final de sua sétima eleição ao longo de seus 22 anos de carreira política. Com sua voz inalterável, mesmo nas perguntas mais espinhosas, o economista tucano, ex-ministro da Saúde no governo FHC, diz que tem relação cordial com Lula, mas reclama do estilo de campanha de sua rival, Marta Suplicy: “O PT está sendo azedo e agressivo”, constatou. Lembrou que o sabor da disputa com Lula em 2002 foi menos amargo. Pouco depois da meia-noite da terça-feira 19 – cansado, depois de um longo dia de campanha –, Serra recebeu ISTOÉ durante duas horas em sua casa, no bairro Alto de Pinheiros, cercado de livros. Mas como típico pisciano com ascendente em aquário, Serra demonstra seu temperamento calculista: pinça as palavras com cuidado e evita o perigoso clima do já-ganhou. Mas, na batalha mais acirrada do País, ele encara outra pisciana de temperamento forte: Marta, três anos mais nova, nasceu um dia antes do tucano.
O PT diz que, se eu for eleito, o governo Lula não atenderá à cidade.
Mas isso foi desmentido pelo próprio governo federal. Não acredito que Lula
venha a fazer isso, que vai ter discriminação. Seria um confronto com a cidade
mais importante do País. Cesar Maia (PFL-RJ) é um prefeito de oposição e nem
por isso considera que está sendo discriminado pelo governo federal. Sempre tive uma relação muito cordial com o presidente Lula.
Não vejo nada demais o Lula, como presidente, apoiar sua
candidata em São Paulo. O erro está em usar a máquina pública, como foi
feito no comício da Radial Leste. Na eleição em São Paulo, o presidente
ultrapassou (os limites), sem dúvida.
Até há pouco tempo, ela o chamava de nefasto e ele dizia que o povo de São Paulo não a suportava mais. Não creio que altere muito.
São partidos de natureza muito diferente: a concepção de partido e o papel de governo. O PSDB tem uma perspectiva republicana. O PT, muito menos, confunde muito mais o partido com o Estado. E o PSDB não fez isso no governo Fernando Henrique nem em São Paulo nos governos Mário Covas e Geraldo Alckmin. O governo do PT em São Paulo é um caso extremo em matéria de confusão entre partido e governo, com o aparelhamento da prefeitura, o loteamento político.
De forma alguma. No governo FHC os juros altos foram em função de crises externas. Nos quase dois anos de governo Lula, o Brasil vive a melhor conjuntura externa desde os anos 30. E, apesar disso, mantém a atividade doméstica travada, com uma política monetária travando o desenvolvimento, o crescimento.
Eu não diria conservador porque seria injusto com os conservadores: faz uma política errada.
eleição municipal é um capítulo importante, mas não é determinante para as eleições nacionais. Não creio que a eleição municipal tenha caráter plebiscitário. O PT cometeu um equívoco ao exagerar o peso da eleição em São Paulo. Foi um tiro no pé. Mas quero ressaltar que não me considero eleito. A disputa vai se resolver no dia 31. É uma batalha dura e difícil. Inclusive cabe notar que a aflição dos adversários os leva a abaixar o nível da campanha. Eles transformaram inserções comerciais (da propaganda eleitoral) em ataques com distorções incríveis. Mas, segundo nossas pesquisas, cada vez que o Mercadante aparece (senador Aloízio Mercadante) é desastroso.
Não foi. Imagina. Em Brasília, no site do partido, um jornalista reproduziu uma matéria da revista Veja e foi fortissimamente repreendido. Eles fizeram 1.500 comerciais de ataque no primeiro turno. No segundo turno quase renunciaram aos seus próprios comerciais. São só ataques.
rograma eleitoral. Ele foi secretário um ano. O trabalho dele na secretaria do Planejamento do município não foi administrar o orçamento, mas o plano diretor da cidade. E a pessoa contratada para fazer o plano diretor foi o Jorge Wilheim (hoje secretário de Planejamento da Marta). Como não têm como me atacar, fazem uma ficção em torno do vice. Isso para não dizer do mau-olhado, do mau agouro. Como vocês podem ver, eu estou bem de saúde. Quem tem problema de saúde é a prefeitura. Imagina se no segundo turno da eleição de 2002 eu fosse me dedicar ao José Alencar! Teria cabimento isso?
O Kassab já apresentou documentação sobre a evolução de bens. Então, com relação a isso, vale a pena ver a evolução do patrimônio também dos candidatos do PT, da prefeita e do vice.
Quando saí do Ministério da Saúde em 2002, minha gestão era aprovada por 70% e nem por isso ganhei a eleição.
De bom as intenções. De ruim a saúde, que não foi prioridade. E o problema não é dinheiro, é o descaso. O Duda Mendonça inventou o CEU-saúde, uma idéia de marketing. O problema está em fazer funcionar o que está aí em ambulatórios, hospitais e centros de saúde. Saúde tem que ser sempre prioridade número 1 porque tem a ver com a vida das pessoas.
Isso já havia no Metrô de São Paulo (do governo estadual).
O Edson Aparecido, que é o presidente local do PSDB, ou o Arthur Virgílio (líder tucano no Senado) podem lidar com Mercadante.
Isso é apenas propaganda. A nossa gestão na Saúde sempre foi elogiada por pessoas importantes do PT. Tanto que na campanha presidencial ninguém veio com o tema e eu tinha acabado de ser ministro da Saúde.
No caso da saúde, a gestão Covas-Alckmin fez 14 hospitais, sendo cinco na capital. A prefeitura fez zero. Saúde raramente rende votos; se rendesse provavelmente eu teria sido eleito presidente da República. A saúde não se presta ao efeito de marketing porque as demandas são crescentes.
O grande desafio é melhorar a saúde e a qualidade da educação. Mas a trava inicial vai ser o déficit, com a prefeitura gastando mais do que tem. Em 2002, gastou R$ 250 milhões a mais. Em 2003, perto de R$ 600 milhões, e neste ano caminha para algo além de R$ 800 milhões. Inclusive existe o receio de que não pague 13º salário ou não pague fornecedores até o fim do ano. Há um mito de que a prefeitura está fazendo muitas obras e não está. As obras estão paradas por falta de planejamento. Há muita margem para cortar desperdícios. Exemplo: entre maio de 2003 e maio de 2004 a prefeitura gastou R$ 176 milhões com convênios para projetos contratando fundações, inclusive do PT.
Fazer funcionar melhor. Eles não melhoraram a qualidade da educação. Educação não é prédio, é professor dedicado e aluno aprendendo.
Isso não é verdade. Está no site há muito tempo. Isso foi uma sacada eleitoral. Mas por outro lado, só fazer o que o PT não fez ou corrigir o que fez errado já seria um programa vastíssimo.
Em nenhuma entrevista que dei, fui irascível ou agredi alguém. Jamais fui truculento em debates e entrevistas. Sou tão natural quanto agora, dando esta entrevista a vocês. Na campanha presidencial, minha avaliação sempre foi muito favorável, tanto a postura pessoal quanto a facilidade de tratamento. Outra coisa é no mundo político. E aí, às vezes, tem problemas de estilo, de atuação. Por exemplo, a mania que eu tenho de me concentrar num trabalho.
Me sinto à vontade até porque venho dele.
Eu tenho uma personalidade tímida. Às vezes se confunde timidez com distância, frieza.
Quem pode julgar melhor são os outros. Eu não acho que estou mudando. Mas, se as pessoas acharem, tudo bem, estou mudando (risos). No segundo turno das eleições presidenciais, apesar de toda a onda Lula, eu tive metade dos votos em São Paulo, perdi por 1%. Frequentei anos os plenários da Câmara e do Senado e nunca se soube de nenhum bate-boca meu no Congresso. No meu período de deputado federal fui o que mais aprovou projetos, inclusive emendas constitucionais. Nunca tive dificuldades no mundo político. Muita vezes a isonomia de tratamento entre políticos obriga a procurar defeitos. Se em 22 anos de vida pública os meus são achar que sou frio com outros políticos, considero isso uma vitória (risos).
Não sou a pessoa mais adequada nas vésperas da eleição para julgar o temperamento da minha adversária. Mas eu lembro que, no segundo turno com o Lula, ele estava na frente e eu não fiz uma campanha azeda ou agressiva por causa disso.
Isso cabe às pessoas julgarem. Eles não estão se comportando da mesma forma como nós nos comportamos no segundo turno da eleição presidencial com o Lula. O PT está sendo azedo e agressivo.