27/10/2004 - 10:00
A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, entra na última semana de campanha como quem mergulha numa espécie de inferno astral: no auge da crise. O principal marqueteiro do PT, Duda Mendonça, foi preso em flagrante pela Polícia Federal na tarde de quinta-feira 21, quando resolveu trocar a disputa política pela briga de galo. Duda desembarcou no Rio de Janeiro, mais precisamente no clube privado Cinco Estrelas, no Recreio dos Bandeirantes, do qual é sócio-fundador. No mesmo dia, as pesquisas tão esperadas pelo staff da prefeita apontavam uma folgada vantagem em favor do adversário tucano José Serra (leia quadro ao lado). Mesmo assim, preferiu apostar suas fichas no seu maior hobby. E perdeu. Em nota oficial emitida na sexta-feira 22, Marta não só condenou a briga de galos – proibida em todo território nacional – como anunciou o afastamento do publicitário de sua campanha. Mas essa é uma das muitas bicadas registradas na arena em que se transformou a coordenação da propaganda da prefeita. Galos de briga e com esporões reforçados não faltaram para aumentar os erros cometidos pelo PT no processo eleitoral considerado, pelo próprio partido, o mais importante do País.
Crimes – Indiciado, Duda prestou depoimento, foi encaminhado ao IML para exame do corpo de delito e encaminhado para o presídio estadual Ary Franco. Mas no final da tarde da sexta-feira 22, foi liberado e vai responder o processo em liberdade. Segundo o delegado Antonio Carlos Rayol, a ação vinha sendo planejada há 20 dias, a partir de denúncias de ONGs de proteção aos animais. Duda não estava sozinho: havia quase 200 pessoas no clube. Todas foram qualificadas, 17 levadas para a PF e, ao fim, seis foram presas, entre elas o vereador Jorge Babu (PT). As seis foram selecionadas por serem sócios do clube e organizadores da rinha e vão responder por três crimes: maus-tratos contra animais, formação de quadrilha e apologia do crime. No Cinco Estrelas foram encontrados 83 galos de briga, dos quais oito gravemente feridos.
Estranhamente, Duda Mendonça saiu de São Paulo em um dia tenso para a campanha de Marta. As aferições de vários institutos confirmaram uma folgada vantagem do adversário José Serra (PSDB). A substituição de Duda pelo publicitário Manuel Canabarro é uma das muitas bicadas registradas na arena em que se transformou a coordenação da propaganda da prefeita.
O primeiro dos erros, segundo avaliações da cúpula petista, foi o salto alto adotado por Marta ao amarrar as alianças políticas em torno de sua candidatura. Ela desprezou o PMDB, recusando ter como vice o presidente nacional do partido, o deputado Michel Temer, que hoje apóia Serra. Bateu o pé em torno de Rui Falcão. O próprio presidente Lula expressou seu descontentamento com a atitude de Marta, em entrevista exclusiva a ISTOÉ, publicada em 19 de maio. “Não sei o que os companheiros do PT de São Paulo estão pensando, mas uma aliança com o PMDB é importante”, comentou Lula ao ser perguntado se ela não deveria mudar o vice. Em seguida, emendou: “A Marta é muito inteligente. Vai analisar o quadro político… Se quisermos fazer uma coisa para valer, o José Genoino (presidente do PT) e o Michel Temer têm que conversar com a prefeita”, afirmou o presidente. Ao ver publicadas as declarações de Lula, Marta comentou: “O presidente está falando demais.”
Desde o fim do primeiro turno, Marta vive semanas tensas, com muitas brigas internas – principalmente entre Duda e seu marido, o argentino Luiz Favre, um dos coordenadores de sua campanha. Tido dentro do PT como uma pessoa arrogante, Favre dava a palavra final sobre os programas de tevê e sobre a linha política, imprimindo caráter mais agressivo, bem diferente do usual tom cordial que faz o estilo de Duda. O núcleo duro de Marta propôs, por exemplo, que ela fizesse o discurso do medo – em que ela previu o caos em caso de vitória do PSDB. Favre acabou dando munições aos tucanos ao criticar Serra durante um comício.
Houve vários tropeços, como mostrar na tevê maquetes dos CEUs-Saúde – promessa que acabou provocando descrédito entre o eleitorado. Segundo avaliações internas, ela deveria ter mostrado mais suas realizações na Educação e no Transporte, que fizeram com que o governo Marta tenha hoje um bom índice de aprovação (48%, segundo o Instituto Datafolha). No entanto, a prefeita continua com aceitação bem menor do que o seu governo.
Polêmica – Outro momento infeliz foi a participação do presidente Lula como seu cabo eleitoral, no dia 18 de setembro, durante inauguração de uma obra em São Paulo construída com verba pública, quando se derramou em elogios à sua candidata. Foi uma decisão pessoal de Lula, depois de ouvir conselhos políticos e jurídicos. Contrariando boa parte do PT, o presidente decidiu mergulhar na campanha da petista por dois motivos: pressões intensas do núcleo duro de Marta e gratidão à prefeita, que não mediu esforços para
ajudá-lo na campanha pelo Planalto.
No segundo turno, dirigentes do PT reuniram-se com a coordenação de Marta para traçar a estratégia contra Serra. As críticas feitas em relação a Favre, por exemplo, não foram bem recebidas por ele. Duda chegou a conversar com Lula e lavou as mãos diante de uma eventual derrota, já que várias de suas recomendações vinham sendo ignoradas. Marta recebeu o apoio de Paulo Maluf (PP), um rival histórico do PT, mas o eleitorado não parecer ter acompanhado a manobra. Na semana passada, um caminhão com 130 mil cópias de documentos bancários serviu como base para denúncia de improbidade administrativa contra o ex-prefeito. Na sexta-feira 22, a Justiça acolheu denúncia do Ministério Público e determinou o bloqueio de bens de Maluf e seus familiares. Até o fim da campanha, Marta tem agendados dez comícios. Agora resta a Marta tentar reverter a onda de azar nos últimos 500 metros da corrida.