Entrar na Justiça com processo de reconhecimento de paternidade no Brasil virou procedimento corriqueiro. Principalmente depois que o assunto virou tema de novelas como A cor do pecado e Senhora do destino, da Rede Globo, e programas populares como o do apresentador Ratinho. Assim como na ficção, o exame de DNA é o caminho certo na hora de saber o nome do pai biológico e exigir reparações financeiras. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça colocou mais lenha nessa fogueira ao mudar as regras do jogo. A partir de agora, quem se negar a fazer o teste de paternidade será, automaticamente, considerado o pai e obrigado a pagar pensão. Se essa decisão estivesse valendo em 1991, a santista Sandra Regina Machado teria diminuído alguns capítulos de sua novela real. Depois de muito relutar em fazer o exame de DNA, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi informado que era de fato o pai de Sandra. Mas o craque contestou o resultado e fez por conta própria um exame de HLA – exame usado antes do DNA – que deu negativo. A manobra adiou a decisão judicial por seis anos.

Mesmo quem não encontra dificuldade em convencer o suposto pai a se submeter ao teste pode se ver envolvido em situações constrangedoras geradas por resultados nem sempre confiáveis dos exames. Foi o que aconteceu com o técnico em informática Cláudio Pablo Pinheiro Câmara, 25 anos. Há quase 20 anos ele tenta provar na Justiça que é filho do empresário Jaime Câmara, dono das Organizações Câmara, um império de comunicação do Centro-Oeste, cuja sede é em Goiânia, avaliado em R$ 700 milhões, que reúne dois jornais e uma tevê afiliada da Globo. Um exame de HLA realizado em 1985 indicou que o empresário, morto em 1989, não era pai do garoto. Parecer técnico de 2003 do médico goiano Anor de Oliveira Neto, no entanto, diz que o laudo pericial era incompleto e inconsistente. “Temos fotos do meu pai em meus aniversários de criança. Foi ele quem nos incentivou a entrar com a ação para garantir o meu sustento e minha parte na herança”, conta Pablo.O rapaz espera que a exumação do corpo de Jaime Câmara seja autorizada pela Justiça de Brasília para a realização do exame de DNA.

Apesar da melhora tecnológica dos exames genéticos, alguns fatores ainda interferem nos resultados. O número de laboratórios que realizam os testes de paternidade, por exemplo, é tão grande que nem mesmo a Sociedade Brasileira de Genética (SBG) sabe precisar. Além disso, a legislação brasileira não estipula a quantidade de material que deve ser analisado. A única saída do consumidor é confiar no que o técnico do outro lado do balcão lhe diz. Em todos os procedimentos são comparados trechos do DNA da mãe e do suposto pai com o do filho. O que muda é o tamanho dos pedaços de DNA analisados, os chamados marcadores ou locos, no jargão técnico. Mesmo no método mais moderno, o PCR, pode haver diferenças. A margem de erro pode variar de 99,99% (risco de um erro em 10 mil) a 99,999999% (risco de um erro em 100 milhões).

O certo é que, quanto mais locos são analisados, maior é o custo do exame. “Comparo o teste de paternidade a uma viagem de carro numa estrada de pista simples. Se for de Fusca, você chega, mas com um Mercedes a confiança é muito maior”, diz o geneticista Sérgio Pena, responsável pela introdução do exame no Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais, em 1988. Em seu laboratório em Belo Horizonte, são feitos cerca de 450 exames por mês, com pelo menos 16 marcadores analisados em cada um, ao preço que varia entre R$ 600 e R$ 3 mil.

No Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc), que realiza exames de graça a pedido da Justiça de São Paulo, são feitos cerca de 1,2 mil testes de PCR por mês. Usam-se 15 marcadores para a elaboração do laudo. “Em todas as etapas do processo podem acontecer erros, por isso há especialistas monitorando tudo o que ocorre nos computadores”, diz André Castilla, administrador do Instituto. A dona-de-casa Eliete de Souza Vicente, 25 anos, aposta na eficiência do laboratório. Ela entrou na Justiça para provar que Alvanir José de Souza, 29 anos, é pai de sua filha Ana, de nove anos. “A gente se conhecia desde criança, mas eu nem sabia seu nome completo”, diz. “Na ocasião, não acreditei. Hoje acho que é possível eu ser o pai.” O resultado sai em um ano.

Outro problema levantado pelos especialistas é quanto à formação do profissional que analisa os laudos. A Sociedade Brasileira de Genética (SBG) criou um título de especialista em genética em convênio com os Conselhos Federais de Biologia, de Biomedicina e de Farmácia. “Cada laboratório deverá ter o seu especialista”, diz Leila Farah, da SBG. “É preciso um treinamento muito bom, porque a análise é passível de erro”, diz a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). Enquanto isso, cabe aos envolvidos ficarem atentos ao resultado e, na dúvida, pedir uma contraprova.

Mina de ouro – Um teste de DNA feito em laboratório particular pode custar entre
R$ 400 e R$ 3 mil. No Brasil são realizados cerca de 55 mil testes por ano, o que
movimenta mais de R$ 35 milhões